Nova teoria evolutiva proposta para a origem da paternidade humana
Notavelmente, os humanos modernos (Homo sapiens), nossa espécie, difere das outras espécies de primatas superiores pelo alto grau de atenção e cuidados fornecidos pelos machos aos seus filhotes, tarefa geralmente associada exclusivamente às fêmeas. No entanto, o preciso momento da emergência evolutiva da 'paternidade' humana é desconhecido. Agora, em um estudo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (1), pesquisadores formularam uma nova proposta teórica para a evolução do investimento paternal nos humanos como uma resposta de parceria entre machos e fêmeas a bruscas variações nas condições ecológicas.
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O sistema acasalamento-parental entre os humanos modernos caçadores-coletores é único entre os mamíferos. Humanos caçadores-coletores também ocupam um nicho ecológico (conjunto de habitat, estilo de vida, dieta etc.) único. Podemos citar como características sociais e ecológicas únicas da nossa espécie (em um contexto geral que marca a maior parte da nossa história evolutiva desde a emergência na África):
i) Vivemos em grupos formados por múltiplas fêmeas e machos onde a maioria dos adultos estão unidos em pares (casais) socialmente reconhecidos;
ii) As atividades de trabalho diferem pelo sexo, nas quais as mulheres se especializam no cuidado dos filhos, e na coleta e processamento de alimentos, e os machos na caça e/ou na pesca;
iii) Filhotes/filhos recebem cuidados dos homens e das mulheres, frequentemente os pais, ao longo de toda a infância e da adolescência, com os homens fornecendo a maior parte das calorias (~66%);
iv) Famílias incluem múltiplos jovens dependentes de diferentes idades.
Essas características combinadas diferem dramaticamente daquelas vistas nas três espécies de primatas superiores evolutivamente mais próximos da nossa espécie - chimpanzés, bonobos e gorilas -, os quais são ou promíscuos ou poligâmicos e não estão associados com cuidados paternos. Nesse sentido, se o sistema acasalamento-parental do nosso último ancestral comum hominídeo se assemelhava aos nossos atuais mais próximos parentes evolutivos, como então a robusta atenção paternal evoluiu na nossa espécie?
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No novo estudo, pesquisadores da Faculdade Boston, Universidade de Chapman, Universidade do Novo México, EUA, e da Universidade de Toulsouse, França, usaram ferramentas econômicas e conhecimento dos comportamentos econômicos e reprodutivos dos humanos coletores-caçadores (modernos e antigos), para a construção de uma teoria que explique nossa paternidade em termos evolutivos. A teoria gira em torno de dois grupos de machos, chamados de 'Dads' e 'Cads'.
Com um sistema promíscuo de acasalamento, um macho potencialmente Dad (associado a uma nova variação genética) que fornece alimento para a parceira e o filhote com essa última sem procurar riscos adicionais de acasalamento com mais parceiras - ou seja, evita competição com outros machos -, tende a ser superado por machos que buscam ativamente múltiplas parceiras ao invés de investirem nos filhotes (os Cads). Isso porque esses últimos machos acabam transmitindo mais do seu material genético para as próximas gerações - múltiplas parceiras, múltiplos filhotes -, suprimindo drasticamente a continuidade de linhagens 'Dads'.
Tradicionalmente, para explicar a eventual alta prevalência de Dads entre os H. sapiens - e/ou em outros homininis ancestrais -, é frequentemente proposto que fêmeas ancestrais começaram a se acasalar preferencialmente com machos que forneciam a elas alimento, em troca de fidelidade sexual. Porém, os autores do novo estudo apontaram várias falhas por trás dessa hipótese. Em especial, quando observamos chimpanzés - cuja agressividade se assemelha àquela vista na nossa espécie (2) - vemos que o status social e o grau de agressão são elementos muito mais determinantes para o sucesso reprodutivo dos machos do que simples favores alimentares. Ou seja, Cads continuariam se impondo em detrimento dos Dads ao investirem mais em comportamentos que garantissem mais parceiras.
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(2) Leitura recomendada: A sociedade humana está menos violenta do que no passado?
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Para contornar essa problemática, os pesquisadores resolveram jogar na equação mudanças climáticas que levaram à seca da savana Africana no Plioceno Tardio e no Pleistoceno Inferior - com aumentos associados na biomassa de mamíferos, tubérculos e sementes como nozes, e diminuição na disponibilidade de frutas maduras -, as quais gradualmente resultaram nos nossos mais antigos ancestrais humanos em bipedalismo obrigatório, aumento de mobilidade, taxas de encontros com presas, e retorno à caça e à coleta de alimentos. Essas mudanças na capacidade de "lucrar" a partir de diferentes estratégias ecológicas selecionaram um aumento no tamanho cerebral, um maior tempo devotado ao aprendizado e à inovação cultural, e a um prolongamento do período juvenil. Essas mudanças e inovações também teriam fomentado sistemas de cooperação entre machos e fêmeas e entre machos (complementaridades).
Essas complementaridades são efeitos sinérgicos que aumentam benefícios per-capita, os quais podem emergir a partir da divisão de trabalho e/ou de recursos acumulados. O caminho para as complementaridades começaram, portanto, há cerca de 8 milhões de anos, acompanhando as mudanças climáticas que transformaram o ambiente e as fontes alimentares. Nesse sentido, as complementaridades entre machos e fêmeas teriam resultado dos macronutrientes e micronutrientes que cada sexo se especializou em adquirir: proteínas e gorduras e certos micronutrientes (zinco, vitaminas B, etc.) pelos machos e carboidratos pelas fêmeas. A caça é uma atividade muito custosa para ser mantida junto com a criação de filhotes, o que favoreceria a parceria. Já complementaridades entre machos teriam resultado de maiores retornos da caça em grupos ao invés de atos isolados, e do compartilhamento de alimentos diminuindo o risco de fome.
Nesse sentido, essas complementaridades teriam levado a um substancial aumento no impacto dos alimentos fornecidos pelos machos Dads, ao associar o comportamento mais cooperativo desses a vantagens adaptativas nas savanas da África e avanço dos homininis para longe das árvores. Usando modelos matemáticos para simular eventos evolucionários com base na dinâmica de complementaridade, os pesquisadores mostraram que, de fato, os Dads teriam vantagem sobre os Cads a longo prazo, apesar dos Cads ainda serem capazes de co-existirem com os Dads sob certas condições - ou seja, uma completa monogamia não seria necessária para a iniciação e manutenção da paternidade. Se os filhos ganhassem de herança genética os traços comportamentais característicos dos pais (Cads ou Dads), então a população de Dads aumentaria, até chegar à atual alta prevalência.
(1) Publicação do estudo: PNAS
Nova teoria evolutiva proposta para a origem da paternidade humana
Reviewed by Saber Atualizado
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maio 10, 2020
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