Rãs no Japão são extremamente resistentes às temidas ferroadas da maior vespa do mundo
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| Figura 1. Rã predando uma vespa gigante. |
Vespas do gênero Vespa - popularmente conhecidas como vespas verdadeiras ou vespas gigantes - são as maiores vespas eusociais conhecidas, com algumas superando 5 cm de comprimento. Essas vespas injetam grande quantidade de veneno em cada ferroada e a toxina injetada pode causar dor aguda e intensa, além de danos locais aos tecidos e efeitos sistêmicos, como destruição de glóbulos vermelhos e disfunção cardíaca, que podem ser fatais até mesmo para mamíferos de pequeno porte. Apesar disso, no Japão, esses insetos são ocasionalmente predados por rãs. Agora, um estudo publicado no periódico Ecosphere (Ref.1) mostrou que rãs da espécie Pelophylax nigromaculatus não apenas predam com sucesso essas vespas gigantes (Fig.1) como também exibem elevada tolerância ao veneno desses insetos, aguentando tranquilamente ferroadas na cabeça enquanto engolem a presa.
"Embora um camundongo de porte similar possa morrer com uma única ferroada, as rãs não apresentaram nenhum dano sistêmico visível mesmo após serem ferroadas repetidamente," disse em entrevista o Dr. Sugiura Shinji, ecologista na Universidade de Kobe, Japão, e autor do novo estudo (Ref.2). "Esse nível extraordinário de resistência a um veneno tão potente torna a descoberta única e empolgante."
Vespas, abelhas e formigas (1) que ferroam usam ovipositores modificados para injetar veneno com função de defesa ou de predação: paralisia de presas ou repulsão de intrusos tentando invadir os ninhos. Vespas gigantes são himenópteros do gênero Vespa (Hymenoptera: Vespidae) compreendendo 22 espécies ao redor do mundo que eram originalmente distribuídas na Ásia e na Europa. Essas vespas possuem grande porte e armazenam substancial quantidade de veneno, o qual pode conter aminas biogênicas, pequenos peptídeos e enzimas.
Aminas biogênicas (como serotonina e acetilcolina) e pequenos peptídeos (como vespaquininas) causam dor aguda e intensa, enquanto enzimas (como fosfolipases) podem causar danos teciduais locais e efeitos sistêmicos, como hemólise e disfunção cardíaca. Uma única ferroada de uma operária de vespa gigante contém veneno suficiente para matar vertebrados de pequeno porte, tornando esses insetos um potencial perigo para vertebrados predadores.
A maior vespa do mundo, a vespa-mandarina (Vespa mandarinia), que possui um ferrão longo, venenoso e doloroso, é considerada um dos insetos mais perigosos do planeta. Essa espécie - popularmente também conhecida como vespa-gigante-asiática - era originalmente distribuída na Ásia, mas após sua introdução acidental na América do Norte em 2019, tornou-se amplamente conhecida e temida como "vespa assassina". Embora alguns animais, como certas aves e aranhas tecelãs, sejam conhecidos por predar vespas gigantes adultas, é incerto se esses predadores conseguem evitar ou tolerar suas ferroadas peçonhentas.
Vespas gigantes, incluindo a Vespa mandarinia, são abundantes na paisagem satoyama japonesa, que compreende um mosaico de florestas mistas, arrozais, pastagens, riachos, lagoas e reservatórios de irrigação. Operárias de vespas gigantes são frequentemente observadas sugando o néctar das flores e coletando água para seus ninhos nas margens de lagoas, onde predadores anfíbios, como a rã aquática Pelophylax nigromaculatus (Amphibia: Anura: Ranidae), são comumente encontrados (Fig.3). A presença de vespas adultas tem sido reportada no conteúdo estomacal de rãs da família Ranidae, incluindo P. nigromaculatus, Aquarana catesbeiana e Glandirana rugosa, no Japão, assim como registro de ocasionais eventos de predação.
O novo estudo experimental buscou explorar se essas rãs são capazes de evitar ou tolerar o veneno das vespas gigantes durante predação. Para isso, vespas de três espécies - V. simillima (n = 15), V. analis (n = 15) e V. mandarinia (n = 15) - foram coletadas do ambiente selvagem e oferecidas em laboratório para rãs de diferentes portes da espécie P. nigromaculatus. As rãs - um total de 45 indivíduos - foram coletadas também em ambiente selvagem, onde coexistem com as vespas. Vespas-mandarinas foram oferecidas para os anuros de maior porte (vídeo abaixo).
No Japão, as rainhas dessas três espécies de vespas gigantes que sobrevivem ao inverno estabelecem ninhos individualmente, põem ovos, caçam presas e criam operárias. As operárias recém-emergidas caçam presas, ampliam os ninhos e criam seus irmãos (operárias, rainhas e machos). Seus ninhos são grandes e abrigam numerosas operárias (400–1400 operárias por colônia madura para V. simillima, 50–300 para V. analis e 200–500 para V. mandarinia). As rainhas recém-emergidas acasalam com zangões (machos) de outras colônias e, posteriormente, hibernam no solo e em madeira morta.
As operárias caçam diversos insetos como alimento para seus irmãos (ex.: larvas). Vespa simillima e V. mandarinia atacam preferencialmente colônias de abelhas e de outras vespas para predar suas operárias, larvas e pupas. As operárias dessas vespas visitam frequentemente diversas espécies de plantas para coletar néctar floral, melada de pulgões, frutos apodrecidos e seiva de árvores para obter energia. Esses insetos também coletam água para seus ninhos nas margens de corpos d'água. As operárias de vespas gigantes usam principalmente suas mandíbulas para capturar e matar insetos. Já os longos ferrões venenosos são usados primariamente para defesa individual e da colônia contra predadores.
Porém, os resultados do experimento mostraram que as rãs P. nigromaculatus são essencialmente imunes ao veneno das vespas gigantes, predando com sucesso esses insetos mesmo recebendo múltiplas ferroadas no processo (Fig.4). Várias das vespas predadas foram observadas ferroando o rosto, olhos, língua, palato e/ou garganta das rãs durante os ataques, mas eventualmente eram engolidas. Nenhuma das rãs regurgitaram as vespas após engoli-las. Todas as rãs que engoliram as vespas excretaram as partes corporais indigestas dos insetos nas fezes 2-4 dias após a ingestão. Apenas uma minoria das rãs pararam de atacar ou cuspiram as vespas após serem ferroadas. Mesmo nesses casos, nenhuma das rãs foi morta ou significativamente lesionada.
Os achados do estudo sugerem que essas rãs são tolerantes não apenas aos efeitos sistêmicos tóxicos do veneno das vespas gigantes como também à dor associada.
Uma única ferroada de V. simillima ou V. mandarinia fornece uma dose letal de 50% (por via intravenosa) de veneno para camundongos com massa corporal de 135 g e 270 g, respectivamente. Os anuros usados no estudo tinham massa corporal entre 6 g e 76 g, muito menor do que aquela de camundongos que podem ser mortos por uma única ferroada dessas vespas.
Predadores que engolem suas presas inteiras, como rãs e sapos, podem possuir componentes robustos do sistema digestivo (por exemplo, língua, palato, garganta, esôfago e estômago) que permitem tolerância contra presas tóxicas, espinhosas ou urticantes. Além disso, as rãs secretam saliva viscosa na boca, o que pode proteger a cavidade oral das ações defensivas das presas ou facilitar a deglutição rápida. Por fim, as rãs podem possuir mecanismos fisiológicos - ainda pouco esclarecidos - que desintoxicam o veneno de vespas e bloqueiam sinais de dor.
Leitura recomendada:
REFERÊNCIAS
- Sugiura, S. (2025). Pond frog as a predator of hornet workers: High tolerance to venomous stings. Ecosphere, Volume 16, Issue 12, e70457. https://doi.org/10.1002/ecs2.70457
- https://www.kobe-u.ac.jp/en/news/article/20251204-67323/
- Suenami et al. (2019). Community analysis of gut microbiota in hornets, the largest eusocial wasps, Vespa mandarinia and V. simillima. Scientific Reports 9, 9830. https://doi.org/10.1038/s41598-019-46388-1
- Taylor et al. (2024). Population genomics of the invasive Northern Giant Hornet Vespa mandarinia in North America and across its native range. Scientific Reports 14, 10803. https://doi.org/10.1038/s41598-024-61534-0
- Niu et al. (2025). Chromosome-level genome assembly of the wasp Vespa mandarinia (Hymenoptera: Vespidae). Scientific Data 12, 1404. https://doi.org/10.1038/s41597-025-05749-4
Reviewed by Saber Atualizado
on
dezembro 07, 2025
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