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Há 5,7 mil anos os Escandinavos tinham pele escura e olhos azuis, segundo análise de DNA antigo


Em um impactante estudo publicado na Nature Communications (1), pesquisadores da Universidade de Copenhagen conseguiram com sucesso extrair um genoma humano completo de uma "goma de mascar" datada em 5,7 mil anos atrás, e encontrada em uma região ao sul Dinamarca. Além de consolidar uma promissora nova fonte de DNA antigo - tanto de humanos quanto do nosso microbioma oral -, o estudo também forneceu  importantes informações sobre como eram os Dinamarqueses nessa época em termos de genótipo e fenótipo.

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A "goma de mascar" mencionada é um material constituído de uma substância já bem conhecida no meio arqueológico e derivada da resina (piche) de árvores do gênero Betula, típicas de climas temperados. Essa substância de coloração marrom-escura é produzida a partir do aquecimento da resina, e era comumente usada por antigos humanos (Homo) - incluindo Neandertais - como adesivos e para a confecção de punhos de ferramentas ou armas. Essa prática data, no mínimo, desde o Pleistoceno Médio, e, curiosamente, pequenos pedaços desse material orgânico (as 'gomas') são frequentemente encontrados em sítios arqueológicos na Escandinávia e além, mas o destino de uso ainda é alvo de especulação. Como essas gomas muitas vezes vêm acompanhados por marcas de dentes, os pesquisadores acreditam que o material era mastigado.

Nesse sentido, existem duas principais hipóteses para esse comportamento de mastigação:

i) Como a resina recém-aquecida endurece sobre resfriamento, é sugerido que o processo de mastigação visava tornar o material maleável novamente para facilitar sua manipulação para a construção de artefatos diversos;

ii) É também sugerido usos medicinais, já que um dos principais constituintes da resina aquecida, o composto betulina, possui propriedades anti-sépticas. De fato, vastas evidências etnográficas sugerem que a substância era usada como um anti-séptico natural para a prevenção e tratamento de dores dentais.

As gomas de mascar resinosas mais antigas foram encontradas na Europa e datam do período Mesolítico, e análises química via Cromatografia Gasosa acoplada com Espectrometria de Massas (GC-MS) têm mostrado que várias delas foram produzidas a partir de resina da espécie Betula pendula. Somando-se a isso, o ato de mastigar esse material potencialmente impregna e pode conservar antigo DNA de humanos pré-históricos. No processo de mastigação, o DNA tende a ficar preso na goma, onde é preservado devido às propriedades assépticas e hidrofóbicas da substância, inibindo degradação tanto microbiana quanto química.

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No novo estudo, os pesquisadores analisaram uma dessas gomas mascadas encontrada durante escavações na região de Lolland, sul da Dinamarca, em um sítio arqueológico (Syltholm) associado ao Mesolítico Tardio/Neolítico Inferior. Datação via radiocarbono indicou uma idade de 5858 até 5661 anos atrás, e análises genéticas demostraram que a goma não só possuía DNA humano antigo, como também DNA microbiano refletindo o microbioma oral do indivíduo que mascou o material, assim como DNA de plantas e animais não-humanos que provavelmente derivam da última refeição antes do trabalho de mastigação.




O DNA humano encontrado estava excepcionalmente tão bem preservado que os pesquisadores foram capazes de recuperar um genoma antigo completo da amostra. Foram geradas aproximadamente 390 milhões de leituras de DNA para a amostra, as quais expressaram todas as características de um antigo DNA, incluindo comprimentos curtos de fragmentos e um aumento na ocorrência de purinas antes de quebras nas cadeias. Esse achado foi de suma importância, já que até o momento nenhum DNA humano antigo no local tinha sido recuperado.

Reconstruindo o DNA humano antigo os pesquisadores determinaram que o sexo do indivíduo era feminino (XX), e que ela - apelidada de Lola - provavelmente tinha pele escura, cabelo castanho escuro e olhos azuis. Essas características já haviam sido associadas com outros caçadores-coletores Europeus (1), fortemente sugerindo que esse fenótipo era amplamente disseminado na Europa Mesolítica e que a disseminação da pele clara adaptativa entre as populações Europeias só ocorreu bem mais tarde na pré-história. Além disso, a análise do estado alélico de dois SNPs (polimorfismos de nucleotídeos únicos) ligado com o haplótipo primário associado com a persistência de lactase em humanos indicou que a Lola era lactase não-persistente. Em outras palavras, ela era intolerante à lactose na fase adulta. Isso corrobora a hipótese de que a persistência de lactase nos adultos apenas evoluiu mais recentemente na Europa, após a introdução massiva de animais de criação visando a produção de leite durante a Revolução Neolítica.



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(1) Como caso notável e recente, temos a análise dos vestígios fósseis de um Britânico datado em ~10 mil anos atrás, também possuindo olhos claros e pele escura. Para saber mais acesse: Cheddar Man


Recentes estudos analisando genomas de antigos caçadores-coletores da Suécia e da Noruega já tinham mostrado que, seguindo o recuo das camadas de gelo da última Era Glacial há cerca de 12-11 mil anos, a Escandinávia foi colonizada via duas rotas separadas, uma a partir do sul (presume-se  através da Dinamarca) e uma a partir do nordeste, ao longo da costa que hoje pertence à Noruega. Isso é suportado pelo fato de caçadores-coletores da Escandinávia central carregarem diferentes níveis de ancestralidade de indivíduos do leste e do oeste da Europa, que teriam alcançado a região central a partir do sul e do nordeste, respectivamente. Nesse sentido, apesar do novo estudo ter analisado um único genoma, seus resultados corroboram essa hipótese, por causa da ausência de ancestralidade de caçadores-coletores do leste, sugerindo que estes não tinham alcançado ainda o sul da Dinamarca há ~5700 anos.

Essa data, aliás, marca a transição do Mesolítico-Neolítico na Dinamarca. Culturalmente, esse período é marcado pela transição da cultura Ertebølle do Mesolítico Tardio (7300-5900 anos atrás) com seus artefatos de pedra lascada e típicos machados de chifres na forma de 'T', para a cultura Neolítica da Taça de Funil (5900-5300 anos atrás) com sua característica cerâmica, artefatos de pedras polidos, e plantas e animais domesticados. Mas apesar de ser tradicionalmente sugerido que a transição de caçadores-coletores para agropecuários na Dinamarca ter sido um processo rápido, a análise do novo DNA antigo - confirmando a ausência de alelos adaptativos para o consumo de leite - sugere que essa transição pode ter sido bem mais lenta do que o proposto.

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Na análise genética do DNA microbiano, os pesquisadores, de fato, encontraram um grande número de leituras associadas com táxons de bactérias típicos da boca humana, como as espécies Neisseria subflava e Rothia mucilaginosa. DNA de um tipo de vírus da herpes que infecta humanos (vírus Epstein-Barr) também foi encontrado, assim como de uma espécie de bactéria patogênica (Streptococcus pneumoniae) responsável por grande parte dos casos de pneumonia na nossa espécie. Já em relação ao DNA de animais (Metazoa) e plantas (Viridiplantae), os pesquisadores encontraram, como já esperado, assinaturas da Betula pendula, e também de avelã (Corylus avellana) e de uma espécie de pato (Anas platyrhynchos).

No geral, os achados podem ajudar a entender melhor as populações pré-históricas e a evolução da nossa espécie e também do nosso microbioma. E, o mais importante, o estudo estabelece mais uma excelente fonte de informações genômicas sobre os povos antigos não dependente de vestígios ósseos.


(1) Publicação do estudo: Nature

Há 5,7 mil anos os Escandinavos tinham pele escura e olhos azuis, segundo análise de DNA antigo Há 5,7 mil anos os Escandinavos tinham pele escura e olhos azuis, segundo análise de DNA antigo Reviewed by Saber Atualizado on dezembro 18, 2019 Rating: 5

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