Esse peixe consegue reconhecer a si mesmo no espelho e em fotos
- Atualizado no dia 30 de dezembro de 2023 -
Até o momento, acreditava-se que apenas os primatas - incluindo os humanos - e algumas outras espécies de mamíferos e aves (1) eram capazes de reconhecer a própria imagem em alguma forma de reflexo (espelhos, água, etc.). Geralmente, quando um animal vê a si mesmo em um espelho, ele automaticamente e persistentemente acredita ser outro indivíduo da sua espécie, não a si mesmo. Um estudo publicado em 2019 na PLOS Biology (Ref.1), pesquisadores mostraram que o peixe bodião-limpador (Labroides dimidiatus) responde ao seu reflexo e tenta remover marcas em seu corpo durante um teste de espelho padrão para se determinar se um animal possui consciência (algo tradicionalmente ligado a cérebros muito complexos e avançados). Um segundo estudo, publicado recentemente no periódico PNAS (Ref.3), mostrou que esses peixes também conseguem reconhecer a si mesmos em fotos após serem expostos a espelhos.
Os achados sugerem que os peixes podem ter um poder cognitivo muito maior do que antes imaginado, e reforça o debate sobre como acessar de maneira adequada a inteligência de animais muito diferentes de nós.
"Se um peixe é julgado pela sua habilidade de subir em uma árvore, ele viverá sua vida inteira acreditando que é um estúpido." - parafraseado de um autor desconhecido.
Auto-reconhecimento em espelhos
A habilidade de perceber e reconhecer um imagem no reflexo do espelho como a si mesmo (auto-reconhecimento de espelho) é considerado um importante traço de avançada cognição entre as espécies, e tradicionalmente a assinatura da existência de uma consciência. Em bebês humanos, aproximadamente 65% dos indivíduos passam no teste do espelho já aos 18 meses de idade, demonstrando saber desde muito cedo que aquela imagem no reflexo representa a si mesmos. Outras espécies de animais bem inteligentes, como chimpanzés, elefantes, golfinhos, papagaios e corvos também conseguem passar no teste. Após habituação com espelhos e socialização com indivíduos similares, camundongos também conseguem passar razoavelmente bem no teste (Ref.5). Porém, fora aves e mamíferos, não existiam evidências de auto-reconhecimento em outros táxons.
Para testar esse fenômeno cognitivo nos peixes, pesquisadores do Max Planck Institute for Ornithology (MPIO) e da Osaka City University (OCU) aplicaram o clássico teste da 'marca' a espécimes fêmeas do L. dimidiatus - uma espécie marinha social bastante conhecida pelo seu comportamento de "limpar" parasitas externos de outros peixes -, aplicando uma marca colorida nos peixes em uma localização que o peixe só poderia ver através de um reflexo. Para passarem no teste, os peixes precisavam tocar ou investigar a marca, demonstrando que eles percebem seus reflexos no espelho como pertencente aos seus corpos. E, no caso de animais como peixes, o desafio é ainda maior devido à falta de membros e mãos.
Os pesquisadores observaram que os peixes tentaram de fato remover as marcas coloridas coçando seus corpos em superfícies duras após verem a si mesmos no espelho. Já peixes que receberam marcas transparentes na pele (grupo de controle) não tentaram removê-las de nenhuma forma após ver a si mesmos no espelho. Em outro grupo de controle, contendo peixes com marcas coloridas mas sem exposição ao espelho, também não foram observadas tentativas de remoção das marcas. Isso deixou o resultado praticamente claro: os peixes estavam se auto-reconhecendo no espelho. Além disso, peixes sem marcas coloridas colocados observando peixes na sua frente com marcas coloridas, mas separados por uma barreira transparente - imitando um 'espelho' sem reflexo - não tentavam tirar supostas marcas no corpo por reconhecerem que aqueles peixes no outro lado da barreira não eram reflexos deles mesmos.
Ao serem expostos inicialmente aos espelhos, 7 dos 10 peixes usados para os experimentos tentaram atacar as imagens refletidas, pensando serem rivais, com a agressividade atingindo seu pico no primeiro dia e diminuindo para quase zero já pelo dia 7. Pelos dias 3 e 5, comportamentos anômalos foram noticiados entre os peixes, atingindo um pico máximo médio nos dias 3 e 4 (36 vezes por hora), os quais não correspondiam a quaisquer comunicações sociais já registradas para essa espécie. Essas duas fases comportamentais iniciais são similares àquelas observadas entre chimpanzés - diferindo apenas na duração das fases -, reforçando que em um curto período os peixes eram capazes de se auto-reconhecerem no espelho.
Além de alertarem contra subestimar a capacidade cognitiva de animais evolutivamente muito divergentes de nós, os pesquisadores também levantaram três importantes e controversas questões com os resultados do novo estudo: será que o auto-reconhecimento no espelho demonstra que esses peixes são conscientes - ou seja, sabem que existem no mundo como indivíduos e estão cientes de outros objetos externos ou de algo dentro de si mesmos -, como os primatas superiores? Ou pode ser que o teste do espelho pode ser resolvido via um diferente processo cognitivo que não envolve consciência? E, seguindo essa última possibilidade, será que outros animais podem apresentar consciência mesmo falhando no teste do espelho, já que este pode não ser o mais adequado para essa avaliação? (1) Por exemplo, macacos Rhesus, mesmo sendo muito inteligentes, não conseguem passar no teste do espelho clássico, apenas via modificações.
"Se um peixe é julgado pela sua habilidade de subir em uma árvore, ele viverá sua vida inteira acreditando que é um estúpido." - parafraseado de um autor desconhecido.
Auto-reconhecimento em espelhos
A habilidade de perceber e reconhecer um imagem no reflexo do espelho como a si mesmo (auto-reconhecimento de espelho) é considerado um importante traço de avançada cognição entre as espécies, e tradicionalmente a assinatura da existência de uma consciência. Em bebês humanos, aproximadamente 65% dos indivíduos passam no teste do espelho já aos 18 meses de idade, demonstrando saber desde muito cedo que aquela imagem no reflexo representa a si mesmos. Outras espécies de animais bem inteligentes, como chimpanzés, elefantes, golfinhos, papagaios e corvos também conseguem passar no teste. Após habituação com espelhos e socialização com indivíduos similares, camundongos também conseguem passar razoavelmente bem no teste (Ref.5). Porém, fora aves e mamíferos, não existiam evidências de auto-reconhecimento em outros táxons.
Para testar esse fenômeno cognitivo nos peixes, pesquisadores do Max Planck Institute for Ornithology (MPIO) e da Osaka City University (OCU) aplicaram o clássico teste da 'marca' a espécimes fêmeas do L. dimidiatus - uma espécie marinha social bastante conhecida pelo seu comportamento de "limpar" parasitas externos de outros peixes -, aplicando uma marca colorida nos peixes em uma localização que o peixe só poderia ver através de um reflexo. Para passarem no teste, os peixes precisavam tocar ou investigar a marca, demonstrando que eles percebem seus reflexos no espelho como pertencente aos seus corpos. E, no caso de animais como peixes, o desafio é ainda maior devido à falta de membros e mãos.
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Os pesquisadores observaram que os peixes tentaram de fato remover as marcas coloridas coçando seus corpos em superfícies duras após verem a si mesmos no espelho. Já peixes que receberam marcas transparentes na pele (grupo de controle) não tentaram removê-las de nenhuma forma após ver a si mesmos no espelho. Em outro grupo de controle, contendo peixes com marcas coloridas mas sem exposição ao espelho, também não foram observadas tentativas de remoção das marcas. Isso deixou o resultado praticamente claro: os peixes estavam se auto-reconhecendo no espelho. Além disso, peixes sem marcas coloridas colocados observando peixes na sua frente com marcas coloridas, mas separados por uma barreira transparente - imitando um 'espelho' sem reflexo - não tentavam tirar supostas marcas no corpo por reconhecerem que aqueles peixes no outro lado da barreira não eram reflexos deles mesmos.
Ao serem expostos inicialmente aos espelhos, 7 dos 10 peixes usados para os experimentos tentaram atacar as imagens refletidas, pensando serem rivais, com a agressividade atingindo seu pico no primeiro dia e diminuindo para quase zero já pelo dia 7. Pelos dias 3 e 5, comportamentos anômalos foram noticiados entre os peixes, atingindo um pico máximo médio nos dias 3 e 4 (36 vezes por hora), os quais não correspondiam a quaisquer comunicações sociais já registradas para essa espécie. Essas duas fases comportamentais iniciais são similares àquelas observadas entre chimpanzés - diferindo apenas na duração das fases -, reforçando que em um curto período os peixes eram capazes de se auto-reconhecerem no espelho.
Além de alertarem contra subestimar a capacidade cognitiva de animais evolutivamente muito divergentes de nós, os pesquisadores também levantaram três importantes e controversas questões com os resultados do novo estudo: será que o auto-reconhecimento no espelho demonstra que esses peixes são conscientes - ou seja, sabem que existem no mundo como indivíduos e estão cientes de outros objetos externos ou de algo dentro de si mesmos -, como os primatas superiores? Ou pode ser que o teste do espelho pode ser resolvido via um diferente processo cognitivo que não envolve consciência? E, seguindo essa última possibilidade, será que outros animais podem apresentar consciência mesmo falhando no teste do espelho, já que este pode não ser o mais adequado para essa avaliação? (1) Por exemplo, macacos Rhesus, mesmo sendo muito inteligentes, não conseguem passar no teste do espelho clássico, apenas via modificações.
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(1) Sugestão de leitura: Aves como os corvos parecem ter consciência, assim como os humanos
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Se o intrigante achado do novo estudo (2) não significar que esses peixes possuem consciência, isso significa que a Teoria da Mente precisa ser modificada. Talvez o auto-reconhecimento no espelho seja apenas um importante degrau para se chegar à consciência, mas não o único. Seja qual for o cenário, fica demonstrado com o novo estudo que o poderoso cérebro de humanos e de outros primatas superiores não é assim tão distinto dos nossos ancestrais vertebrados mais antigos, provavelmente tendo evoluído de forma bem gradual, não do dia para noite (processo pontuado).
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Se o intrigante achado do novo estudo (2) não significar que esses peixes possuem consciência, isso significa que a Teoria da Mente precisa ser modificada. Talvez o auto-reconhecimento no espelho seja apenas um importante degrau para se chegar à consciência, mas não o único. Seja qual for o cenário, fica demonstrado com o novo estudo que o poderoso cérebro de humanos e de outros primatas superiores não é assim tão distinto dos nossos ancestrais vertebrados mais antigos, provavelmente tendo evoluído de forma bem gradual, não do dia para noite (processo pontuado).
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(2) Experimentos subsequentes e descritos em um estudo de 2022 na PLOS One (Ref.2) reforçaram os achados do estudo de 2019, confirmando que esses peixes conseguem reconhecer a si próprios em imagens espelhadas.
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Aliás, vários outros estudos prévios já tinham demonstrado sofisticadas capacidades cognitivas entre os peixes similares ou mesmo superiores a outros vertebrados mais complexos - répteis, aves e mamíferos -, incluindo inferência transitiva, memória do tipo episódica, uso de ferramentas, predição de comportamentos de outros indivíduos ao usar suas próprias experiências durante caças coordenadas, busca cooperativa de alimentos, cooperação para avisos de alerta contra predadores, e capacidade para brincar. Existem evidências também de que as raias-mantas (Chondrichthyes), um peixe cartilaginoso, também reconhecem a si mesmas no espelho.
REFERÊNCIAS
Aliás, vários outros estudos prévios já tinham demonstrado sofisticadas capacidades cognitivas entre os peixes similares ou mesmo superiores a outros vertebrados mais complexos - répteis, aves e mamíferos -, incluindo inferência transitiva, memória do tipo episódica, uso de ferramentas, predição de comportamentos de outros indivíduos ao usar suas próprias experiências durante caças coordenadas, busca cooperativa de alimentos, cooperação para avisos de alerta contra predadores, e capacidade para brincar. Existem evidências também de que as raias-mantas (Chondrichthyes), um peixe cartilaginoso, também reconhecem a si mesmas no espelho.
Auto-reconhecimento em fotos
Um estudo mais recente publicado no periódico PNAS (Ref.3), e conduzido pelo mesmo time de pesquisa do estudo de 2019, mostrou que o L. dimidiatus também é capaz de reconhecer a si mesmo em fotos após passar pelo teste do espelho. No estudo, os pesquisadores demonstraram experimentalmente que essa capacidade de reconhecimento - até o momento demonstrada de forma inédita entre animais não-humanos - é mediada por identificação de traços únicos no rosto. Ou seja, esses peixes parecem reconhecer a si mesmos em imagens espelhadas não por movimentos corporais comparativos, mas através de uma imagem mental da própria face criada no cérebro, de forma similar a humanos.
Quando os peixes analisados - pós-teste do espelho - observavam fotos de si mesmos com uma marca artificial típica de um ectoparasita na garganta, esses eram observados esfregando a própria região da garganta para remover a marca ["parasita"]. Quando fotos de outros indivíduos eram apresentadas com a mesma marca artificial, nenhuma reação de autolimpeza era observada. Além disso, os peixes não atacavam as fotos de si mesmos, mas frequentemente atacavam as fotos de outros indivíduos.
Marca típica de um ectoparasita marinho na garganta de um peixe L. dimidiatus. |
"Esse estudo é o primeiro a demonstrar que peixes possuem um senso interno de si próprios. Considerando que são peixes, esse achado sugere que quase todos os vertebrados sociais também possuem um senso interno auto-reconhecimento," disse o Dr. Masanori Kohda, da Universidade Metropolitana de Osaka, Japão, e autor principal do estudo (Ref.4).
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- Kohda et al. (2019). "If a fish can pass the mark test, what are the implications for consciousness and self-awareness testing in animals?" PLoS Biol 17(2): e3000021. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.3000021
- Kohda et al. (2022) Further evidence for the capacity of mirror self-recognition in cleaner fish and the significance of ecologically relevant marks. PLOS Biology 20(2): e3001529. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.3001529
- Kohda et al. (2023). Cleaner fish recognize self in a mirror via self-face recognition like humans. 120 (7) e2208420120. https://doi.org/10.1073/pnas.2208420120
- https://www.omu.ac.jp/en/
- Yokose et al. (2024). Visuotactile integration facilitates mirror-induced self-directed behavior through activation of hippocampal neuronal ensembles in mice. Neuron, Volume 112, Issue 2, P306-318.E8. https://doi.org/10.1016/j.neuron.2023.10.022
Esse peixe consegue reconhecer a si mesmo no espelho e em fotos
Reviewed by Saber Atualizado
on
fevereiro 14, 2019
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