Últimas Notícias

[5]

Humanos pré-históricos formavam sistemas de acasalamento para evitar o cruzamento entre parentes, aponta estudo

Figura 1. Ilustrações das covas de Sunghir. Arte: Libor Balák, Anthropark

- Atualizado no dia 30 de abril de 2023 -

Nossos ancestrais pareciam já reconhecer os perigos da reprodução através de relações sexuais entre parentes há pelo menos 34 mil anos, segundo um estudo publicado em 2017 na Science (Ref.1) e conduzido por um time internacional de pesquisadores da Universidade de Cambridge, Reino Unido, e da Universidade de Copenhagen, Dinamarca. De acordo com evidências reveladas pelo estudo, humanos pré-históricos dessa época formavam sofisticados sistemas sociais e de acasalamento para evitar a procriação entre parentes, assim como fazem os atuais grupos de caçadores-coletores ainda presentes em algumas partes do mundo, como África e Austrália.

- Continua após o anúncio -


Examinando as informações genéticas extraídas de esqueletos conservados de humanos modernos (Homo sapiens) em Sunghir, no oeste da Rússia, e datados do Paleolítico Superior - período quando fluxos migratórios de H. sapiens oriundos da África primeiro colonizaram a Eurásia Ocidental -, os resultados obtidos apontaram que nossos ancestrais pré-históricos procuravam conscientemente parceiras fora do grupo familiar, e obedecendo elaborados sistemas de acasalamento, para evitarem as doenças genéticas que podem facilmente se manifestar quando membros de uma mesma família procriam entre si (1). Os esqueletos foram datados com técnicas de radiocarbono (2) e a análise de DNA antigo deles extraído mostraram que os indivíduos ali presentes, entre indivíduos do sexo masculino e feminino, não eram parentes próximos (no caso, terceiro grau ou menos), algo que surpreendeu os pesquisadores e fomentou a hipótese de um sistema de acasalamento prevenindo relações consanguíneas já bem estabelecido nessa época (Fig.2).

Figura 2. Detalhe de uma das covas em Sunghir, na Rússia. O estudo sequenciou o genoma de quatro indivíduos enterrados nesse local: um adulto macho, duas crianças e vestígios incompletos simbolicamente modificados de outro adulto.

-----------
(1) Intercurso sexual entre parentes próximos (entre pais e filhos, entre irmãos) - comumente referido como "incesto" - leva à maior probabilidade de prole defeituosa devido às maiores chances de receber um alelo recessivo prejudicial herdado de um ancestral comum. Proles provenientes de relações consanguíneas de primeiro grau são até 40% mais prováveis de sofrer doenças ou morrer quando comparadas às crianças nascidas de relações não consanguíneas. Em casos de endogamia entre pai e filha, um possível diagnóstico de um transtorno autossômico recessivo em uma prole resultante dessa relação está associado a uma probabilidade maior que 30-50% de que a endogamia foi causal para a doença na prole. Ref.2

> Interessante observar que em outras espécies de animais além dos humanos modernos (Homo sapiens) raramente procriação consanguínea é evitada (Ref.4), sugerindo que essa essa estratégia reprodutiva parece ser um traço único da nossa espécie - apesar de não ser uma regra (ex.: algumas comunidades indígenas isoladas na Amazônia e certas motivações culturais*).

*Por exemplo, casamentos entre primos eram comuns entre dinastias reais e na alta classe da Europa até o século XX, e vários proeminentes cientistas Europeus desse período são conhecidos de terem se casado com primos de primeiro grau, incluindo Charles Darwin e Albert Einstein. Essas tradições são pensadas de terem emergido por causa de fatores sociais e culturais, como questões de herança de propriedades e manutenção de "sangue puro" em regimes monárquicos. Leitura recomendada: Deformidades faciais na realeza: dois séculos de casamentos entre familiares 

(2) Quer saber como os cientistas calculam a idade de fósseis, das rochas e do nosso planeta? Acesse: Como calcular a idade da Terra?
-----------

"O que isso significa é que mesmo pessoas no Paleolítico Superior, que estavam vivendo em pequenos grupos, entendiam a importância de se evitar procriação consanguínea," disse em entrevista o Dr. Eske Willerslev, autor principal do estudo (Ref.3). "Os dados que nós temos sugerem que esse tipo de procriação estava sendo evitado de forma consciente."

Além disso, o simbolismo e investimento de objetos e joias enterrados junto aos esqueletos (Fig.1,3) também sugerem que esses antigos humanos modernos desenvolveram regras, cerimônias e rituais para acompanhar a troca de parceiros sexuais entre grupos, algo que pode ter estruturado o desenvolvimento de rituais contemporâneos, como o casamento. E como as relações pareciam ocorrer entre indivíduos de diferentes grupos, trocas culturais e de experiência provavelmente eram intensas, contribuindo para um maior fortalecimento dos grupos humanos.

Figura 3. Ilustração de uma das covas (à esquerda) e do indivíduo antes de ser enterrado (e suas vestimentas para o enterro). Arte: Libor Balák, Anthropark

No geral, o estudo traz potencialmente mais uma pista explicando o sucesso dos humanos modernos (H. sapiens) no sentido de persistirem e conquistarem o planeta enquanto outras espécies do gênero Homo, como os Neandertais (H. neanderthalensis), sucumbiram (!). Antigos humanos de outras espécies (humanos arcaicos) provavelmente viviam em pequenas unidades familiares, o que favorecia os cruzamentos entre parentes e aumentava o risco para graves doenças - além de reduzir a variabilidade genética e o consequente potencial adaptativo. Porém, esse tipo de prática reprodutiva aparentemente passou a ser algo muito incomum entre humanos modernos a partir de um ponto na nossa história evolutiva.

-----------
(!) Válido apontar que existem outras hipóteses concorrentes que tentam explicar a extinção dessa espécie. Fica a sugestão de leitura: Neandertais eram capazes de produzir arte e expressar linguagem?
----------

- Continua após o anúncio -



Mais análises arqueológicas e de DNA antigo são necessários para confirmar a real extensão dos achados do estudo de 2017 a nível global, especialmente porque os esqueletos analisados vieram de um único local de escavação. Porém, evidências mais recentes também têm suportado que a procriação consanguínea nas populações de humanos modernos se tornou uma prática rara ainda pré-história.

Em particular, um estudo publicado em 2021 no periódico Current Biology (Ref.5), analisando 411 genomas associados aos últimos 15 mil anos, encontrou que a frequência de procriação consanguínea entre humanos modernos progressivamente e significativamente diminuiu ao longo do tempo, especialmente a partir da transição do Neolítico - período associado com o estabelecimento da agricultura, estilo de vida sedentário e robusto aumento populacional da nossa espécie. Na era da agricultura, procriação consanguínea parece ter se tornado muito rara - e tradições consanguíneas históricas e observadas ainda hoje em várias sociedades Eurasianas parecem ter reemergido nos últimos milênios após longo período de intensa supressão da prática.


REFERÊNCIAS
  1. Sinkora et al. (2017). Ancient genomes show social and reproductive behavior of early Upper Paleolithic foragers. Science, Vol. 358, Issue 6363, pp. 659-662. https://doi.org/10.1126/science.aao1807
  2. https://doi.org/10.1590/0103-656420160050
  3. https://snm.ku.dk/english/news/all_news/2017/2017.10/prehistoric-humans-are-likely-to-have-formed-mating-networks-to-avoid-inbreeding/
  4. de Boer et al. (2021). Meta-analytic evidence that animals rarely avoid inbreeding. Nature Ecology & Evolution 5, 949–964. https://doi.org/10.1038/s41559-021-01453-9
  5. Somel et al. (2021). Human inbreeding has decreased in time through the Holocene. Current Biology, Volume 31, Issue 17, 13, Pages 3925-3934.e8. https://doi.org/10.1016/j.cub.2021.06.027
Humanos pré-históricos formavam sistemas de acasalamento para evitar o cruzamento entre parentes, aponta estudo Humanos pré-históricos formavam sistemas de acasalamento para evitar o cruzamento entre parentes, aponta estudo Reviewed by Saber Atualizado on outubro 09, 2017 Rating: 5

Sora Templates

Image Link [https://2.bp.blogspot.com/-XZnet68NDWE/VzpxIDzPwtI/AAAAAAAAXH0/SpZV7JIXvM8planS-seiOY55OwQO_tyJQCLcB/s320/globo2preto%2Bfundo%2Bbranco%2Balmost%2B4.png] Author Name [Saber Atualizado] Author Description [Porque o mundo só segue em frente se estiver atualizado!] Twitter Username [JeanRealizes] Facebook Username [saberatualizado] GPlus Username [+jeanjuan] Pinterest Username [You username Here] Instagram Username [jeanoliveirafit]