Por que a superfície de Marte é vermelha? A resposta é ferrihidrita, aponta estudo
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Figura 1. Imagem de Marte obtida através da sonda espacial Rosetta, em 2007, durante uma missão da Agência Espacial Europeia (ESA). Ref.1 |
Marte não ganhou o apelido de "Planeta Vermelho" à toa. A icônica tonalidade vermelha da superfície de Marte tem marcado a humanidade desde a Antiguidade: o Deus da Guerra para os Antigos Romanos era representado por Marte devido à cor avermelhada reminiscente de sangue, enquanto os Antigos Egípcios chamavam o planeta de Her Desher que significa "aquele que é vermelho". É estabelecido há décadas no campo científico que Marte exibe uma cor avermelhada devido a uma grande quantidade óxidos de ferro ("ferrugem") na poeira da sua superfície e atmosfera. Porém, é ainda incerto qual é o óxido predominante. A hipótese historicamente mais defendida com base em análises espectrométricas e espectroscópicas aposta no mineral hematita. Porém, um novo estudo publicado na Nature Communications (Ref.2) rejeitou essa hipótese e trouxe forte evidência suportando um óxido de ferro hidratado: ferrihidrita. Isso também indica que o planeta exibe essa coloração avermelhada há muito, muito tempo.
"A principal implicação do achado é o fato de que como ferrihidrita só pode ter sido formada quando água líquida estava ainda presente na superfície, Marte enferrujou muito mais cedo do previamente pensado", disse em entrevista o autor principal do novo estudo Adomas Valantinas, um pesquisador na Universidade de Brown, EUA (Ref.1).
Marte completa uma rotação em torno do próprio eixo a cada 24,6 horas, similar ao tempo de rotação da Terra (próximo de 1 dia terrestre). Já a translação de Marte (em torno do Sol) é completada em 687 dias terrestres. Com um raio de 3390 quilômetros (km), Marte é aproximadamente metade do tamanho da Terra, está distante 228 milhões km do Sol e possui dois pequenos satélites naturais: Fobos e Deimos. A superfície de Marte exibe várias cores, incluindo grandes faixas brancas nas regiões polares por causa da presença de gelo. Mas, sem sobra de dúvidas, a cor vermelha é dominante.
A tonalidade avermelhada da superfície coberta de poeira de Marte tem sido investigada desde as primeiras observações telescópicas, as quais primeiro apontaram a presença de minério de ferro conhecido como limonita, o qual contém o hidróxido de ferro goetita. No geral, é bem estabelecido que a superfície marciana é amplamente enferrujada, ou seja, impregnada por óxidos de ferro. A poeira cheia de ferrugem é constantemente levantada e misturada com a fina atmosfera de Marte, dando ao planeta, quando observado de longe no espaço, um aspecto vermelho.
Subsequentes observações com telescópios terrestres e análises laboratoriais atribuíram a coloração avermelhada especificamente à presença de hematita anidra pigmentar dispersada na superfície ou cobrindo rochas. Devido à ausência de linhas de absorção de água em comprimentos de onda próximo do infravermelho (1-2,5 μm) em análises espectrométricas no observatório OMEGA (Observatoire pour la Minéralogie, l’Eau, les Glaces et l’Activité) da ESA, cientistas passaram a argumentar que regiões empoeiradas e secas contendo óxidos férricos explicavam o avermelhado, possivelmente hematita ou maghemita (γ-Fe2O3).
Hematita como o "agente vermelho" de Marte passou a ser a principal hipótese defendida. Além disso, um modelo mineralógico amplamente usado propôs que esse ou outros óxidos férricos anidros (sem moléculas de água na estrutura) na poeira marciana teriam sido formados por contínua oxidação e intemperismo em meio a condições muito secas durante o período Amazoniano, este o qual se estende desde aproximadamente 3 bilhões de anos atrás até o presente.
Porém, observações de sondas espaciais nas últimas décadas começaram a revelar uma distinta e larga banda de 3 μm no espectro de absorção da poeira de Marte, apontando potenciais minerais hidratados. Evidências de análises espectrais de meteoritos oriundos de Marte também começaram a apontar essa banda de hidratação. Análises dos instrumentos do rover espacial Curiosity (um robô da NASA que explora a superfície de Marte) têm apontado que ~20% das amostras de solo marciano representam óxidos de ferro, com presença de água incrustada em componentes amorfos dessas amostras.
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No novo estudo, pesquisadores usaram análise espectral no visível próximo do infravermelho (VNIR) sistemática, dados acumulados de sondas e rovers espaciais, e experimentos de simulação do solo marciano para investigar os componentes da poeira de Marte. Múltiplas evidências dessas análises apontaram que esses misteriosos traços de água associados à poeira de Marte correspondem ao óxido de ferro hidratado ferrihidrita (também conhecido como ferridrite), de fórmula química Fe5O8H·nH2O. Esse composto seria o componente predominante da poeira marciana.
Para recriar uma réplica do solo marciano, os pesquisadores usaram uma avançada máquina de moagem com o objetivo de alcançar uma poeira realística com tamanho equivalente a 1/100 do fio de cabelo humano. Eles, então, analisaram as amostras (réplicas) usando as mesmas técnicas espectroscópicas de sondas espaciais no sentido de fazer uma comparação direta. O experimento comparativo reforçou que ferrihidrita - quando misturada com basalto, uma rocha vulcânica - é o melhor candidato como óxido de ferro predominante na poeira de Marte (Fig.2). Além disso, o experimento sugeriu que as partículas de poeira em Marte possuem um tamanho predominantemente submícron (<1 µm).
A parte experimental do estudo também mostrou que a ferrihidrita mantêm sua estrutura mineralógica e não se transforma em outras fases de óxido-hidróxido férrico quando exposta às condições ambientais simuladas da atual superfície marciana (irradiação UV, pressão e concentração de CO2 na atmosfera). A temperatura muito baixa da superfície de Marte (média de 70°C negativos) e ambiente muito árido dificultam enormemente a desidratação e a cristalização efetiva da ferrihidrita para outras fases de óxido de ferro (hematita ou goetita). Portanto, esse óxido hidratado e pouco cristalino é mantido estável (cinética e termodinamicamente) no solo e na atmosfera de Marte.
Outros estudos já haviam sugerido que a ferrihidrita poderia estar presente na poeira marciana, mas o novo estudo é o primeiro a fornecer prova compreensiva através da combinação de múltiplas técnicas analíticas e análises experimentais.
Se a ferrihidrita é a base do solo marciano, então isso significa que em algum ponto um ambiente frio e mais líquido ou úmido existiu em Marte, provavelmente há ~3,5 bilhões de anos, o qual hidratou compostos de ferro [Fe2+] sob condições oxidativas. Ferrihidrita é formada rapidamente na presença de água líquida a baixa temperatura. Mas a existência desse mineral também significa que a presença de água líquida foi transiente ou a ferrihidrita teria provavelmente se transformado em uma estrutura mais cristalina, como a goetita (α-FeOOH), devido ao mais longo contato com água. Isso reforça o argumento de que em algum ponto as condições de Marte eram profundamente diferentes do que o ambiente hoje extremamente frio e seco; essa transição para um ambiente erosional e hiper-árido teria sucedido de forma relativamente rápida o ambiente úmido e persistido desde então, espalhando e preservando a ferrihidrita como poeira ao longo da superfície do planeta.
Para confirmar os achados do estudo, amostras diretamente coletadas do solo marciano por rovers como o Curiosity e a Perseverance precisam ser analisadas em laboratórios na Terra.
REFERÊNCIAS
- https://www.esa.int/Science_Exploration/Space_Science/Mars_Express/Have_we_been_wrong_about_why_Mars_is_red
- Valantinas et al. (2025). Detection of ferrihydrite in Martian red dust records ancient cold and wet conditions on Mars. Nature Communications 16, 1712. https://doi.org/10.1038/s41467-025-56970-z
- https://science.nasa.gov/mission/msl-curiosity/
