Microplásticos bloqueiam o fluxo sanguíneo no cérebro, alertou estudo com camundongos
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Figura 1. Uma célula imune transportando microplástico e obstruindo um capilar sanguíneo no cérebro de um rato por 168 horas (7 dias), observada através de microscopia de dois fótons. Ref.1 |
Pela primeira vez, cientistas rastrearam micropartículas de plástico se movendo através do corpo de camundongos em tempo real. Eles mostraram que as minúsculas partículas de plástico eram englobadas por células imunes, viajavam através da circulação sanguínea e, eventualmente, eram alojadas em vasos sanguíneos no cérebro, resultando em trombose cerebral e obstruindo o fluxo sanguíneo nessa região (Fig.1). É ainda incerto se esse tipo de obstrução de vasos sanguíneos, mediada por microplásticos, ocorre em humanos, mas mostrou afetar os movimentos dos roedores analisados. O achados foram reportados e descritos em um estudo publicado no periódico Science Advances (Ref.1).
Plásticos são polímeros orgânicos comumente derivados do petróleo, mas podem ser produzidos também a partir de fontes vegetais renováveis - os chamados bioplásticos (1). Independente da fonte, poluição plástica é um crescente problema enfrentado ao redor do mundo, especialmente nos ecossistemas marinhos (2). Microplásticos são partículas de plástico com uma ampla faixa de diâmetros inferiores a 5 milímetros (mm). Essas partículas possuem origem de pequenas pelotas plásticas produzidas para propósitos específicos, assim como da degradação e fragmentação de produtos plásticos diversos nos ambientes terrestre e aquático. Nesse sentido, microplásticos estão em todo lugar e estudos recentes têm mostrado que milhões a bilhões dessas partículas (incluindo nanopartículas) são liberadas em água e bebidas diversas contidas em garrafas ou a partir de infusão de chá usando saquinhos plásticos (3).
Leitura recomendada:
- (1) O que é Bioplástico? Consumidores podem estar sendo enganados, alerta estudo
- (2) Bernardos-eremitas estão usando nosso lixo plástico como concha, e o fenômeno é global
- (3) Chá e água de garrafa podem conter centenas de milhares a bilhões de partículas de plástico
Poluição com microplásticos é particularmente notável nos oceanos, onde organismos marinhos como peixes, moluscos e plâncton ingerem essas partículas, introduzindo-as na cadeia alimentar humana através da atividade pesqueira. Quantidades substâncias de microplásticos têm sido encontradas em sistemas de água doce, incluindo rios, lagos e reservatórios, permitindo a contaminação de fontes de água usadas por humanos.
Inclusive, um estudo recente publicado no periódico Frontiers in Toxicology (Ref.2) apontou ampla disseminação de micropartículas de plástico e afins nos tecidos comestíveis de animais marinhos consumidos por humanos. Entre as espécies analisadas, o camarão rosa (Pandalus borealis) exibia as maiores concentrações (Fig.2). O estudo encontrou 1806 partículas antropogênicas ao longo de 180 de 182 espécimes marinhos analisados, envolvendo 6 espécies (5 peixes e 1 crustáceo) comumente consumidas, como salmão. Fibras plásticas eram as mais abundantes, seguidas por fragmentos e filmes.
Somando-se a isso, microplásticos podem ser transportados através da atmosfera, entrando no sistema respiratório humano (4). E essas partículas têm sido encontradas nas fezes e em vários tecidos do corpo humano, incluindo fígado, rins, placenta, testículos e sangue. O acúmulo de microplásticos em organismos diversos pode resultar em disfunções de tecido e doenças crônicas como problemas respiratórios, desordens no sistema imune, inflamação crônica, disrupções endócrinas e disfunções metabólicas. No sangue, microplásticos podem alcançar órgãos e tecidos diversos. Evidências científicas apontam que microplásticos e nanoplásticos na circulação sanguínea podem promover doenças cardiovasculares (5) e causar disfunção no cérebro.
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> Microplásticos podem ser definidos como fragmentos variando de 5 mm até 1 micrômetro (1 μm, ou seja, 1 milionésimo do metro), enquanto nanoplásticos em geral são partículas com menos de 1 micrômetro.
Leitura recomendada:
(5) Válido mencionar um estudo publicado em 2024 no NEJM (Ref.2), onde os autores encontraram que pessoas com micro- e nanopartículas de plástico em depósitos gordurosos na artéria principal (carótida) eram mais prováveis de experienciar um ataque cardíaco, derrame ou morte.
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Cientistas sabem que nanopartículas de plástico podem atravessar a barreira sangue-cérebro e entrar no tecido cerebral. Dentro do cérebro, nanoplásticos têm sido associados com gatilho ou exacerbação de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e demências. Porém, é ainda incerto se micropartículas de plástico são capazes de efetivamente entrar no cérebro. É proposto que microplásticos são degradados no corpo para dimensões de nanoescala e, então, agem de forma deletéria no cérebro. Outros sugerem que microplásticos podem causar danos indiretos no cérebro ao interagir com tecidos periféricos, incluindo modulação de processos inflamatórios, vasos sanguíneos e metabolismo de glicolipídios.
No novo estudo, pesquisadores chineses da Universidade de Peking, em Pequim, resolveram investigar em maiores detalhes os impactos das micropartículas no cérebro de um mamífero. Para isso, usaram camundongos como modelo vivo e uma técnica de imagem por fluorescência chamada de microscopia de dois fótons miniaturizada para observar o que estava acontecendo nos cérebros desses roedores através de uma janela transparente cirurgicamente implantada no crânio dos animais (Fig.3).
Durante o experimento, pesquisadores deram aos camundongos água misturada com microesferas fluorescentes de poliestireno, um produto plástico popular usado para a produção de brinquedos, utensílios, enchimentos, entre outros artigos industrializados. Cerca de 2 horas e 20 minutos após a ingestão da água "poluída", células fluorescentes começaram a aparecer na circulação sanguínea desses animais. Segundo análise dos pesquisadores, células imunes conhecidas como neutrófilos e fagócitos estavam ingerindo as microesferas de plástico. Além disso, essas células carregando microplásticos eram deformadas (Fig.4) e algumas pareciam estar congestionando em curvas estreitas de minúsculos vasos sanguíneos (capilares) no córtex cerebral. E, ocasionalmente, células imunes com microplásticos começavam a empilhar sobre as células congestionadas, causando obstruções nos vasos. Quanto menores as partículas, menores as chances de obstruções dos capilares.
Algumas das obstruções (tromboses) no cérebro eventualmente eram clareadas pelo fluxo sanguíneo, mas outras mostraram permanecer ao longo de quatro semanas (período total de acompanhamento do estudo).
O estudo também mostrou que essas tromboses cerebrais, além de bloquear ou reduzir o fluxo sanguíneo normal, promoviam anormalidades neurológicas nos camundongos - apontando disfunção cerebral causada por interferência na circulação sanguínea local ao invés de penetração direta no cérebro. Os roedores passavam a exibir reduzida capacidade de coordenação motora, menor velocidade de movimento em campo aberto, redução na memória espacial e aumento do estado depressivo. E, de fato, é bem estabelecido que embolismo vascular - resultando em suprimento insuficiente de sangue no tecido cerebral - causa distúrbios na atividade neural e problemas cognitivos em camundongos.
Todas essas observações foram reproduzidas quando microesferas de plástico foram introduzidas nos ratos pela via intravenosa.
Microplásticos no cérebro humano
É ainda prematuro diretamente aplicar as observações do novo estudo para o sistema circulatório sanguíneo de humanos. Humanos e camundongos possuem sistemas imune, cardiovascular, coagulante e cerebrovascular distintos. O volume de sangue circulando em humanos é ~1200 vezes maior do que aquele de camundongos e, notavelmente, diâmetros vasculares diferentes entre as duas espécies reduziriam muito o grau de obstrução provocado por microplásticos fagocitados em humanos.
O diâmetro interno das artérias coronárias no coração humano é de ~4 mm, enquanto que, em camundongos, as dimensões são inferiores a 100 μm. Consequentemente, existem incertezas sobre se microplásticos irão induzir ou influenciar a obstrução em vasos sanguíneos humanos. No entanto, o diâmetro de microvasos capilares humanos nos pontos mais estreitos medem apenas 8 a 10 μm, próximo do diâmetro de 8 a 10 μm das ramificações terminais dos vasos venosos em camundongos.
Além disso, é esperado que a presença de microplásticos na circulação sanguínea pode ser mais provável de induzir obstrução em áreas onde existem depósitos no revestimento interno dos vasos. Nesse sentido, microplásticos podem aumentar o risco para certas populações - como pessoas com histórico de condições trombóticas - para eventos como infartos do miocárdio e cerebrovascular. Por fim, obesidade é uma doença cada vez mais prevalente em humanos, e pode contribuir para o acúmulo de colesterol e lipídios nas paredes dos vasos sanguíneos. Nesses pacientes, células imunes com microplásticos são mais prováveis de causar obstruções nos locais mais estreitos de vasos sanguíneos.
Mais estudos experimentais e clínicos são necessários em primatas não humanos e humanos para melhor esclarecer o risco de trombose cerebral em humanos associado aos microplásticos.
REFERÊNCIAS
- Huang et al. (2025). Microplastics in the bloodstream can induce cerebral thrombosis by causing cell obstruction and lead to neurobehavioral abnormalities. Science Advances, Vol. 11, No. 4. https://doi.org/10.1126/sciadv.adr8243
- Marfella et al. (2024). Microplastics and Nanoplastics in Atheromas and Cardiovascular Events. NEJM, 390:900-910. https://doi.org/10.1056/NEJMoa230982
- https://www.nature.com/articles/d41586-025-00178-0
