Jejum intermitente reduz o crescimento capilar, aponta estudo
Figura 1. Folículos capilares de camundongos - inicialmente raspados - 34 dias após: (A) alimentação normal e (B) jejum intermitente. Sob protocolo de jejum, crescimento capilar é inibido. Ref.1 |
Jejum intermitente tornou-se uma das dietas mais populares na última década, sendo estimado que ~12% dos adultos nos EUA praticaram esse tipo de regime alimentar em 2023 (Ref.2). E uma das formas mais comuns de jejum intermitente é o consumo alimentar concentrado em um único e limitado período do dia. Mas enquanto existem potenciais benefícios à saúde metabólica com esse método de alimentação, é incerto se existem significativos prejuízos. Células-tronco, por exemplo, parecem ser particularmente vulneráveis a mudanças na dieta. Nesse último ponto, um estudo experimental envolvendo roedores, e recentemente publicado no periódico Cell (Ref.1), encontrou que o jejum intermitente inibe o crescimento capilar ao suprimir a regeneração dos folículos capilares. E um pequeno estudo clínico randomizado conduzido pelos autores do estudo apontou que o mesmo fenômeno ocorre em humanos, mas em aparente menor extensão.
"Nós não queremos assustar as pessoas e afastá-las de praticar jejum intermitente, porque esse protocolo de dieta está associado a vários efeitos benéficos - mas é importante estar ciente que podem existir alguns efeitos indesejados", disse em entrevista o biólogo celular Bing Zhang, autor principal do estudo e pesquisador na Universidade de Westlake, em Zhejiang, China (Ref.3).
O jejum é uma abstinência voluntária do consumo de alimentos por um específico período de tempo, sendo uma prática muito conhecida associada com várias tradições religiosas e espirituais. No caso do jejum intermitente, este é tipicamente definido como uma completa ou parcial restrição no consumo calórico (50-100%) de 1 a 3 dias por semana, ou uma completa restrição no consumo calórico durante um certo período do dia que ultrapassa o período de jejum durante o sono. Também pode ser feita de forma alternada (um dia com um consumo calórico normal e o outro com um consumo geralmente entre 0% e 25% do normal). O protocolo mais seguido é aquele onde diariamente existe um janela limite de 4-8 horas para todas as refeições, com o resto do dia em total jejum.
Embora não exista sólida evidência de maior eficácia para emagrecimento além da simples restrição calórica (1), evidências acumuladas sugerem que protocolos de jejum podem melhorar a saúde metabólica caso feito sob adequado aporte nutricional (2). Por outro lado, o jejum também exerce profundos efeitos na saúde dos tecidos e os mecanismos e consequências desses impactos não são bem entendidos.
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- (1) Jejum Intermitente emagrece e traz benefícios à saúde?
- (2) Jejum intermitente mostrou reverter o quadro de diabetes Tipo 2 em um estudo clínico conduzido na China
Células-tronco somáticas - com inerente capacidade de diferenciação em tipos celulares diversos - são a força que orientam a manutenção e a regeneração de vários tecidos ao longo do corpo. Dentro de tecidos, células-tronco somáticas residem em um microambiente especializado chamado de "nicho". Nicho integra sinais de fontes tanto locais quanto sistêmicas para determinar o destino de células-tronco e modular processos regenerativos em resposta a mudanças fisiológicas e ambientais diversas, as quais são críticas para a adaptação e a sobrevivência de animais na natureza.
E como o jejum intermitente afeta células-tronco somáticas e seus nichos?
Estudos experimentais prévios têm mostrado que o jejum melhora a função e a resistência ao estresse de múltiplas populações de células-tronco somáticas no intestino, músculos e sistema hematopoiético. Mas os efeitos do jejum intermitente em outros tecidos periféricos, como a pele, não foram ainda esclarecidos ou explorados em maiores detalhes.
Dentro da pele, os folículos capilares passam por fases cíclicas de crescimento (anágena), regressão (catágena) e descanso (telógena) para produzir novos fios capilares, e com esse processo dirigido pela ativação periódica de células-tronco do folículo capilar (HFSCs, na sigla em inglês). Durante a fase telógena, as HFSCs permanecem quiescentes no bojo e na região de origem do fio capilar. Eventualmente, essas células se tornam ativas de forma transiente quando entram na fase anágena, iniciando a regeneração do folículo capilar e realizando auto-renovação. Ao mesmo tempo, diversos tipos celulares na pele se organizam em um complexo nicho cercando as HFSCs, permitindo a modulação das suas atividades regenerativas em resposta a estímulos externos ou mudanças fisiológicas.
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Evidências clínicas prévias têm sugerido que pacientes sob dietas de alta restrição calórica para rápida perda de peso podem experienciar perda capilar. Nesse sentido, fica a pergunta: diferentes protocolos de jejum podem ter também algum efeito negativo na regeneração dos folículos capilares e no crescimento capilar?
No novo estudo, pesquisadores investigaram em especial os efeitos do jejum intermitente sobre a regeneração do folículo capilar de camundongos que tiveram a pelagem raspada. Parte dos roedores analisados foi colocada sob dois diferentes protocolos de jejum intermitente: alguns foram alimentados em uma janela de 8 horas - com o restante do dia (16 horas) em jejum - e outros foram alimentados em dias alternados (um dia sob jejum e no outro sob alimentação normal). O restante dos roedores do experimento serviram como grupo de controle e receberam alimentação normal, sem jejum.
Os resultados do experimento mostraram claramente que o jejum intermitente inibia a regeneração capilar. Enquanto camundongos no grupo de controle e com acesso ilimitado de alimento exibiram robusto crescimento capilar após 30 dias, camundongos em ambos os protocolos de jejum exibiram apenas parcial recrescimento capilar e somente após 96 dias (Fig.3).
Análises subsequentes mostraram que a inibição do crescimento capilar ocorria porque as HFSCs eram incapazes de lidar com o estresse oxidativo associado à troca de combustível metabólico primário resultante do jejum (glicose → ácidos graxos). Enquanto as células-tronco dos roedores no grupo de controle eram ativadas ao redor de 20 dias após a raspagem - e permaneciam ativadas até o recrescimento capilar completo - as células-tronco ativadas nos roedores sob jejum intermitente acabavam passando por apoptose (morte celular programada) durante períodos estendidos experienciando jejum.
Durante o jejum, e através da intercomunicação entre glândulas adrenais e células adiposas, tecido adiposo do corpo começa a liberar grande quantidade de ácidos graxos. Usando métodos de engenharia genética, os pesquisadores mostraram que a apoptose observada eram promovida pelo aumento da concentração desses ácidos graxos próximo dos folículos capilares, resultando por sua vez em um acúmulo de espécies oxigenadas radicalares e disfunção mitocondrial dentro das HFSCs. Mesmo com os ácidos graxos entrando nas HFSCs recém-ativadas, essas células não possuem o maquinário adequado para usá-las. E mais: experimentos in vitro mostraram que o acúmulo de ácidos graxos no meio também engatilhava apoptose em células humanas.
Por outro lado, em comparação, células-tronco na epiderme, que são responsáveis por manter a barreira epidérmica da pele, não foram afetadas pelo jejum intermitente. Isso porque essas células-tronco em específico possuem uma maior capacidade antioxidante. Aliás, quando os pesquisadores aplicaram um creme antioxidante na pele dos roedores antes e durante os protocolos de jejum, a inibição do crescimento capilar era prevenida.
Para ver se esses efeitos observados nos roedores se estendiam para humanos, os autores do estudo conduziram um pequeno teste clínico randomizado envolvendo 49 pessoas. E os resultados corroboraram o experimento com camundongos. As pessoas sob um protocolo de jejum intermitente (18 horas diárias de jejum) exibiram uma redução no crescimento capilar (escalpo) de 18% comparado ao grupo de controle sob alimentação normal e sem jejum. E enquanto a densidade de hastes capilares não exibiu significativa mudança, vários dos fios de cabelo sob crescimento se tornaram mais curtos e mais finos em diâmetro nos indivíduos experienciando jejum.
Como a amostra foi pequena, é incerto se os resultados se aplicam a populações humanas em geral. Além disso, o tempo de acompanhamento dos participantes foi curto (10 dias). Estudos de maior porte e de longo prazo são necessários para melhor esclarecer a questão.
É válido também realçar que o efeito inibitório de crescimento capilar observado nos humanos foi bem menor do que aquele observado nos camundongos. E isso é esperado, já que esses roedores possuem uma taxa metabólica muito alta quando comparado com humanos, e, nesse sentido, mudanças metabólicas possuem um efeito muito mais severo nesses animais. Enquanto apoptose de HFSCs também foi demonstrada em humanos, muitas ainda sobrevivem. Portanto, ainda existe notável recrescimento capilar em humanos sob jejum intermitente, mas de forma um pouco mais lenta e menos robusta. Somando-se a isso, cerca de 90% dos folículos capilares no escalpo humano estão normalmente na fase anágena, enquanto folículos capilares em camundongos ficam predominantemente na fase telógena.
De qualquer forma, é um potencial alerta para quem está querendo otimizar ao máximo o crescimento capilar por motivos diversos, incluindo durante tratamentos capilares.
Essa resposta de inibição ou redução do crescimento capilar frente a frequentes episódios de jejum faz sentido em termos evolucionários. Cobertura capilar não é um crítico elemento de sobrevivência para humanos e roedores em vários ambientes e climas de ocupação desses animais; quando o corpo não sabe quando vai receber a próxima refeição, torna-se necessário proteger os órgãos centrais (cérebro, coração, etc.) enquanto outras estruturas não-essenciais (músculos esqueléticos em excesso, fios capilares, etc.) podem ser dispensadas ou deixadas sob limitado acesso a recursos.
Além disso, e mais importante, os achados do novo estudo reforçam a necessidade de melhor esclarecimento sobre os efeitos do jejum intermitente em outros tipos de células-tronco e outros sistemas do corpo que ainda não foram adequadamente explorados pela ciência.
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REFERÊNCIAS
- Zhang et al. (2024). Intermittent fasting triggers interorgan communication to suppress hair follicle regeneration. Cell. https://doi.org/10.1016/j.cell.2024.11.004
- https://www.nature.com/articles/d41586-024-04084-9
- https://www.eurekalert.org/news-releases/1067106
- Rompolas et al. (2012). Live imaging of stem cell and progeny behaviour in physiological hair-follicle regeneration. Nature, 487(7408), 496–499. https://doi.org/10.1038/nature11218