Gatos também frequentemente engajam na brincadeira de "buscar a bola"
Apesar de ser um comportamento mais comumente observado e associado aos cães, um estudo publicado no periódico PLoS One (Ref.1) encontrou que 4 em cada 10 gatos domésticos também engajam na brincadeira de "buscar o objeto" (fetching). O estudo foi conduzido entre 2015 e 2023, e usou questionários online para avaliar o comportamento desses felinos, incluindo >8 mil donos de gatos. Cerca de 41% dos dos participantes reportaram que seus gatos às vezes, frequentemente ou sempre traziam brinquedos ou outros objetos uma vez lançados longe - um valor significativamente maior do que antes pensado. Ainda segundo os participantes, os gatos tendiam a participar mais desse tipo de brincadeira caso fossem geralmente mais ativos e brincalhões, e se eles vivessem em ambiente fechado (ex.: dentro de casa ou apartamento).
O estudo também analisou donos de cães: de um total de quase 74 mil participantes, 78% disseram que seus cães às vezes, frequentemente ou sempre tentavam buscar discos, bolas ou outros objetos quando estes eram lançados. Os participantes reportaram que os cães tendiam a engajar nesse tipo de brincadeira caso tivessem um perfil mais treinado. A "brincadeira de buscar" foi reportada para a maioria das linhagens caninas, mas algumas eram mais prováveis do que outras de engajarem nessa atividade, incluindo Labradores, Golden Retrievers, Border Collies e English Cocker Spaniels. Cães e gatos mais velhos e com problemas de saúde mostraram ser menos prováveis de engajar nesse comportamento, assim como as fêmeas.
"Buscar algo" - ou o famoso "Pega, rex!" - é um comportamento que é rotineiramente observado em animais de estimação, mais notavelmente em cães (Canis familiaris), e o qual geralmente envolve trazer de volta um objeto que foi lançado longe por um humano. É provável que cães foram selecionados ou favorecidos para esse tipo de comportamento durante o processo de domesticação, talvez no contexto de caça humana com armas baseadas em projéteis (lanças, flechas, etc.). Apesar de ser assumido que vários, se não a maioria, dos cães são capazes de "buscar algo", algumas linhagens caninas parecem ter mais forte predisposição para essa atividade - resultado provável de seleção artificial. Além disso, "buscar algo" é a forma de atividade mais frequentemente observada entre cães e humanos.
E enquanto esse comportamento é tipicamente considerado uma brincadeira, o dono de um cão pode pedir para esse último buscar um objeto específico, tornando a atividade uma "tarefa" baseada nas pistas sociais e comunicativas do humano. É assumido que algum nível de cooperação ou "vontade de ajudar" é esperado do cão nesse contexto.
Embora o comportamento de "buscar algo" seja observado em um número de gatos domésticos (Felis catus), é incerto se essa atividade é um produto da domesticação desses felinos. Com base em relatos de donos, a maioria gatos parecem engajar nesse comportamento de forma espontânea, sem treinamento prévio. Gatos possuem uma considerável capacidade de ligação afetiva com humanos e respondem a pistas sociais humanas, mas brincadeiras em geral exibidas por esses animais possuem relação com comportamentos predatórios, emergindo em filhotes no período de desmame (~4-5 semanas de idade.). Por outro lado, assim como observado em cães, algumas brincadeiras em gatos podem ter também um componente social humano-direcionado.
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> No vídeo acima, exemplo de gato engajando no comportamento de "buscar algo". Fonte: Title Match Wrestling: link (Canal no Youtube).
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Todos os aspectos sequenciais do "buscar algo" provavelmente estão relacionados ao comportamento predatório, dividido em três fases: busca, perseguição e captura. Porém, é incerta a extensão da influência humana, aprendizado, treinamento e traços inatos determinando a manifestação ou predisposição desse comportamento.
Gatos são caçadores de emboscada, se aproximando sorrateiramente de presas móveis e avançando rápido a curta distância. Gatos tipicamente carregam presas para longe do local de caça, talvez para uma localização mais segura, ou, no caso de fêmeas, podem carregar presas capturadas e enfraquecidas para seus filhotes treinarem e aprenderem habilidades de caça.
Lobos (Canis lupus) - ancestrais diretos dos cães domésticos - e cães selvagens Africanos (Lycaon pictus) são conhecidos de engajar em perseguições de longa distância envolvendo presas de grande porte (ex.: ungulados), e lobos têm sido documentados caçando como gatos para a captura de castores. Comportamento de caça é menos descrito para populações selvagens ou livres de cães (C. familiaris).
No geral, cães e gatos parecem exibir alguma plasticidade comportamental durante a caça influenciada pelo ambiente e tipo de presa, potencialmente espelhando interações diversas com humanos.
Mas é possível também que o "buscar algo" não represente apenas ensaios ou reflexos de padrões motores predatórios inatos. Talvez seja mais próximo de fins recreativos do que funcionais (predação), ou mesmo representar em parte um meio de reforçar laços sociais com humanos.
Em cães, diferenças de suscetibilidade para esse comportamento podem ser plausivelmente explicadas por seleção artificial. No início do processo de domesticação, antes de intervenção mais intensa dos humanos modernos (Homo sapiens), cães foram selecionados para comportamentos e traços específicos que podem ter ajudado a nossa espécie, mais notavelmente no controle e guarda de rebanhos e durante caçadas. Por exemplo, seleção de cães que apontam (1) e/ou recuperam (2) presas abatidas por humanos (ex.: aves) pode ter facilitado a fixação dos comportamentos inatos de "ir atrás" e "buscar algo".
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Exemplos de cães que
(1) apontam: German Shorthaired Pointer, Vizsla e Weimaraner;
(2) recuperam: Labrador Retriever e Golden Retriever
E, de, fato, essas linhagens caninas são mais prováveis de exibir o comportamento de "buscar algo", do que aquelas selecionadas para rastrear presas via olfato ou visão, como: Dachshund, Black, Tan Coonhound, Blue Tick Coonhound, Beagle, Afghan Hound, Irish Wolfhound e Greyhound.
> Braquiocefalia (ex.: buldogues e pugs) também parece reduzir engajamento do cão nesse tipo de atividade. Sugestão de leitura: Conscientização: É preciso desestimular a demanda por cães braquicefálicos
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Para gatos, o fator 'linhagem' não é bem esclarecido, especialmente considerando que gatos mestiços são mais comuns. Mas existe aparente maior suscetibilidade para o comportamento de "buscar algo" em linhagens oriundas do Extremo Oriente, incluindo Siameses, Burmeses e o cruzamento entre ambas (Tonkinese). Gatos eram comumente retratados no Antigo Egito acompanhando seus donos em caças de aves, em pinturas do período em torno de ~1450 a.C., levantando a possibilidade de que esses felinos podem ter sido usados por humanos para recuperar ou caçar pequenas presas durante o início da história de domesticação.
Finalmente, parece existir também um componente de aprendizado. Por exemplo, se um gato ou cão apresenta um brinquedo para um humano, e o humano responde jogando o brinquedo e engajando na atividade, isso provavelmente será recompensador ao animal, alimentando o comportamento. Se o dono não engaja na atividade, o comportamento de "buscar algo" pode ser desfavorecido ou extinto devido à falta de recompensa ou interesse.
REFERÊNCIA
- Delgado et al. (2024). Making fetch happen: Prevalence and characteristics of fetching behavior in owned domestic cats (Felis catus) and dogs (Canis familiaris). PLoS ONE 19(9): e0309068. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0309068
- https://www.eurekalert.org/news-releases/1055807