Bactéria na boca humana se reproduz através de uma estranha forma de divisão celular, revela estudo
Figura 1. Colônia da bactéria Corynebacterium matruchotii, uma das bactérias mais comuns em placas dentárias. |
Em um estudo conduzido pelo Laboratório de Biologia Marinha (MBL) da Universidade de Chicago, EUA, pesquisadores descobriram um anômala forma de divisão celular em uma bactéria filamentosa que habita a placa dental de humanos. Eles observaram que a espécie Corynebacterium matruchotii, que produz precipitado de fosfato de cálcio na boca, passa por um processo de divisão conhecido como "fissão múltipla". Para bactérias, a forma mais comum de reprodução/divisão celular envolve a divisão de uma célula-mãe em duas células-filhas. No entanto, com fissão múltipla, a célula-pai se divide em várias células-filhas instantaneamente. O achado foi reportado e descrito em um estudo publicado no periódico PNAS (Ref.1).
No microbioma oral, centenas de espécies bacterianas lutam por espaço e nutrientes, formando biofilmes (placa bacteriana) que possuem impacto direto na saúde humana (1). Nesse ambiente, o crescimento da espécie C. matruchotii primeiro ocorre a partir do alongamento do corpo celular em um dos polos. O filamento é alongado rapidamente, a taxas >5x maiores do que outras espécies bacterianas relacionadas. Seguindo o alongamento, vários septos se formam simultaneamente, e cada célula se divide em 3 a 14 células-filhas, dependendo do comprimento do filamento-mãe. As células-filhas, então, passam por crescimento nucleado de novos filamentos vegetativos mais finos, gerando a clássica morfologia de "chicote de mão" observada nesse táxon.
Leitura recomendada:
"Esses biofilmes [placas dentárias] são como florestas úmidas microscópicas. Nós acreditamos que essa anômala forma de ciclo celular do C. matruchotii permite que essa espécie forme as redes muito densas no núcleo do biofilme," disse em entrevista o Dr. Scott Chimileski, cientista do MBL e autor principal do novo estudo (Ref.2).
Extrapolando as taxas de alongamento celular e proliferação da C. matruchotii observadas nos experimentos laboratoriais, os pesquisadores sugeriram que colônias dessa bactéria podem crescer até ~0,5 milímetro por dia nos biofilmes dentários.
Relevante, espécies do gênero Corynebacterium vivendo na pele e na cavidade nasal de humanos são representadas por células mais curtas e com o formato de bastonetes, e não são conhecidas de exibir alongamento por extensão da ponta ou fissão múltipla. É possível que o ambiente com alta densidade microbiótica e forte competição das placas dentárias pode ter fomentando a evolução da forma única de crescimento da C. matruchotii.
A C. matruchotii não possui flagelo, organela que permite a movimentação livre e ativa de bactérias no ambiente. Nesse sentido, considerando que essa bactéria não podem nadar, os autores do novo estudo sugeriram que o ciclo celular anômalo do C. matruchotii pode ser um modo para essa espécie explorar o ambiente buscando nutrientes e/ou interações benéficas com outros microrganismos, similar às redes micélicas observadas em fungos e nas bactérias Streptomyces que habitam solos.
REFERÊNCIAS
- Chimileski et al. (2024). Tip extension and simultaneous multiple fission in a filamentous bacterium. PNAS, 121 (37) e2408654121. https://doi.org/10.1073/pnas.2408654121
- https://www.mbl.edu/news/astonishing-rate-growth-your-dental-plaque-cosmos