Estudo aponta que endotermia evoluiu em várias linhagens de dinossauros extintos, desde estegossauros até tiranossauros
Figura 1. Esqueleto reconstruído de um Tiranossauro a partir de fósseis. |
Com exceção das aves, o clado Dinosauria tem sido convencionalmente considerado um grupo de répteis de "sangue-frio", exibindo características de vertebrados ectotérmicos e poiquilotérmicos, ou seja, animais com maior variação de temperatura interna que dependem do calor transferido do ambiente para homeostase. No entanto, várias evidências acumuladas nas últimas décadas têm apontado que múltiplas e antigas linhagens de dinossauros exibiam traços típicos de vertebrados homeotérmicos, endotérmicos e taquimetabólicos (altamente ativos), ou seja, animais capazes de manter uma temperatura corporal constante através de calor gerado internamente. E, nesse sentido, um recente estudo publicado na Current Biology (Ref.1) trouxe um convincente conjunto de evidências apontando que endotermia ("sangue quente") evoluiu entre vários dinossauros não-aviários já no início do Jurássico.
O estudo analisou a distribuição dos dinossauros ao longo de diferentes climas e regiões da Terra ao longo da Era Mosozoica (~230-66 milhões de anos atrás), assim como 1000 fósseis, modelos climáticos, evolução geográfica e relações filogenéticas.
As análises apontaram que dois dos três principais grupos de dinossauros - terópodes (que inclui o T. rex, raptores e aves) e a ordem Ornithischia (que incluem dinossauros herbívoros como os estegossauros, anquilossauros e Triceratops) - se moveram para climas mais frios durante o início do Jurássico. Isso sugere que esses dinossauros - especialmente os terópodes - desenvolveram endotermia (habilidade de gerar calor interno e manter altas temperaturas independentemente do ambiente) nesse período, há ~183 milhões de anos. Na ordem Ornithischia, teria ocorrido preferência por condições mais úmidas, enquanto terópodes teriam ocupado preferencialmente regiões com maior sazonalidade em termos de umidade.
Em contraste, saurópodes, como os "pescoçudos" Brontossauros e Diplodocus, se mantiveram em áreas mais quentes do planeta (23.3°C–25.4°C), sugerindo maior sensibilidade térmica e poiquilotermia ("sangue frio"). Similar à maioria dos répteis modernos não-aviários e aos anfíbios, predominantemente concentrados em regiões próximas aos trópicos.
O conjunto de evidências do estudo se soma a evidências prévias apontando sangue quente nos terópodes e Ornithischia. Penas ou proto-penas em múltiplos grupos de dinossauros terópodes provavelmente também atuaram como isolantes térmicos que reduziam a dissipação do calor interno. Nesse caminho, a trajetória evolucionária dentro dos terópodes no sentido de relaxação térmica provavelmente teve início no final do Jurássico Inferior, um período crucial para a radiação dos coelurossauros - um amplo subgrupo de dinossauros terópodes que engloba desde tiranossaurídeos até aves - e possivelmente o início de clados divergentes aviários.
Figura 3. Um dromaeossaurídeo, na neve, cuidando do ninho. É um dinossauro terópode raptor com penas, do mesmo grupo dos famosos velociraptores. |
Coelurossauros divergentes emplumados, de pequeno porte e homeotérmicos (e potencialmente endotérmicos) podem ter sido selecionados com sucesso no sentido de preencher um espectro mais frio do ambiente climático habitado por terópodes, culminando em nichos térmicos mais amplos em eventuais radiações. Apesar desse processo potencialmente ter assegurado uma diversificação heterogênea de tamanhos corporais e ecologias, pode ter também armado o cenário macroevolucionário e macroecológico para a radiação do clado Avialae (aves), cujos representantes são altamente ativos e exibem alta demanda energética.
No geral, endotermia teria sido um fator crítico para permitir a expansão dos dinossauros para regiões mais frias, permitindo maior atividade, mais rápido desenvolvimento e maior potencial de prole. Esse traço [endotermia] acabou persistindo até as aves modernas, estas as quais possuem distribuição global.
> Importante: Homeotermia e endotermia são termos biológicos distintos. Animais homeotérmicos mantêm a temperatura corpórea estável, independente da temperatura ambiente através de estratégias e mecanismos exógenos e endógenos diversas. Já animais endotérmicos são capazes de gerar calor internamente através do metabolismo e contrações musculares (ex.: tremor corporal), ou seja, mecanismos termorregulatórios endógenos.
> O estudo potencialmente responde a antiga pergunta: o Tiranossauro rex possuía "sangue quente"? Provavelmente sim.
Leitura recomendada:
- Por que o Tiranossauro rex possuía braços tão curtos?
- Qual é a relação entre Gliptodontes, Tatus e Anquilossauros?
REFERÊNCIAS
- Chiarenza et al. (2024). Early Jurassic origin of avian endothermy and thermophysiological diversity in dinosaurs. Current Biology, Volume 34, Issue 11, P2517-2527. https://doi.org/10.1016/j.cub.2024.04.051
- Benton et al. (2022). Impact of the Jenkyns Event (early Toarcian) on dinosaurs: Comparison with the Triassic/Jurassic transition. Earth-Science Reviews, Volume 234, 104196. https://doi.org/10.1016/j.earscirev.2022.104196
- Baranyi et al. (2024). Vegetation response to climate change during an Early Jurassic hyperthermal event (Jenkyns Event) from Northern China (Ordos Basin). Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, Volume 643, 112180. https://doi.org/10.1016/j.palaeo.2024.112180