Alta prevalência de tartarugas com tumores indica que praias Brasileiras estão muito poluídas, aponta estudo
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Figura 1. Tartaruga-verde exibindo tumores associados à fibropapilomatose. Ref.1 |
Fibropapilomatose é uma doença caracterizada por tumores epiteliais que podem trazer sérios prejuízos para as tartarugas-marinhas (superfamília Chelonioidea). Esses répteis podem ficar com várias saliências parecidas com verrugas na pele quando infectadas por uma determinada espécie de herpesvírus. Embora benignos, esses tumores podem atrapalhar a alimentação e o deslocamento desses animais.
Em um estudo publicado recentemente no periódico PLOS One (Ref.2), pesquisadores do Laboratório de Patologia Comparada de Animais Silvestres (Lapcom) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, em parceria com outros institutos, fizeram levantamentos diários sobre a distribuição desses tumores em 2024 tartarugas-verdes (Chelonia mydas) ao longo de 400 km da costa do Espírito Santo, entre 2018 e 2021. Nessa amostra, 40,9% apresentavam tumores pelo corpo.
É a primeira vez que um estudo demonstra que os diversos níveis de crescimento das verrugas e a distribuição pelo corpo são motivados por um mosaico de fatores.
Embora a causa seja o vírus Chelonid alphaherpesvirus 5 (ChHV-5), o ambiente e a predisposição genética de cada tartaruga podem determinar se as erupções vão aparecer ou não após o contágio. Aliás, evidências epidemiológicas sugerem que a infecção pelo vírus ChHV-5 é necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento de fibropapilomatose. De fato, em ambientes mais poluídos [menor qualidade da água], a evolução da doença tumoral é muito mais frequente. Além do esgoto proveniente da urbanização desordenada, a exposição a substâncias químicas de derivados de petróleo e inseticidas também leva a uma maior manifestação dessas verrugas nas tartarugas infectadas com o vírus.
Existem sete espécies de tartarugas-marinhas no mundo e cinco delas podem ser encontradas no Brasil, porém as principais vítimas dessa mazela - em termos tanto de prevalência quanto de severidade - são as tartarugas-verdes, especialmente os indivíduos juvenis. A situação fica mais grave quando lembramos que essa espécie [C. mydas] está em perigo de extinção.
Segundo o novo estudo, cerca de 15% das tartarugas-verdes encontradas vivas ou mortas no litoral brasileiro podem ter esse aumento anormal de tecido da pele. Os tumores geralmente aparecem na cabeça, pescoço e nadadeiras da frente, o que reforça a hipótese de que a infecção ocorra através da saliva, quando os animais se bicam.
No Espírito Santo especificamente, agrava-se o quadro com os resíduos do rompimento da barragem da Samarco em 2015, que desceram pelo Rio Doce em direção ao litoral, e o refluxo de água para resfriar as usinas de siderurgia próximas à costa.
"Hoje não temos dados para ligar o aumento da doença ao desastre de Mariana em si," disse em entrevista ao Journal da USP Robson Guimarães Santos, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e um dos coautores do novo estudo (Ref.3). "Mas, certamente, quanto mais poluente no ambiente, maior a chance de desenvolver uma fibropapilomatose, que é uma doença multifatorial. A qualidade do ambiente está na raiz da manifestação dela".
As águas das usinas, por sua vez, além de possuírem pequenas concentrações de metal acompanhadas de poluentes, favorecem o desenvolvimento dos tumores diretamente ao elevar a temperatura. Não bastasse isso, a água mais quente torna o ambiente mais confortável para os répteis, o que aumenta a concentração populacional num pequeno espaço e, consequentemente, a transferência do vírus entre esses animais marinhos.
O fibropapiloma não é um câncer, mas o animal pode acabar morrendo porque não consegue realizar atividades simples como antes. Uma mesma tartaruga pode ter centenas de tumores ao longo de todo o corpo, inclusive nos olhos, nas nadadeiras, na boca e em órgãos internos. Os tumores são geralmente externos e podem variar consideravelmente em número, tamanho, pigmentação, textura e localização. A partir da década de 1980 houve um rápido aumento nas taxas de fibropapilomatose entre as tartarugas-marinhas.
"Ela pode ficar presa na rede de pesca, porque os tumores podem ter 20 ou 30 centímetros de diâmetro”, disse em entrevista ao Jornal da USP a pesquisadora e uma das coautoras do estudo, Dra. Eliana Reiko Matushima (Ref.3). "Às vezes é maior que a cabeça [Fig.2] da tartaruga. Isso também faz com que esse animal não consiga nadar direito."
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Figura 2. Os tumores do fibropapiloma podem ser maiores que a cabeça das tartarugas. Ref.3 |
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Figura 3. Uma mesma tartaruga pode ter centenas de tumores ao longo de todo o corpo. Ref.3 |
Além da poluição ambiental, os pesquisadores também encontraram uma relação entre a presença de sanguessugas e a doença. Apesar das sanguessugas serem potenciais vetores da doença, não é possível afirmar se essa relação é a causa ou consequência da infecção. Esses parasitas podem tanto ser os culpados pela transmissão do vírus quanto preferir parasitar animais que já possuem essas verrugas, que criam um micro-habitat mais protegido do movimento da água. Evidência de um estudo de 2021 também suporta significativa relação entre sanguessugas marinhas e tumores em tartarugas (Ref.4)
Poluição e sanguessugas não são necessariamente fatores excludentes entre si, e podem estar atuando em conjunto na promoção de tumores nesses répteis.
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> Coinfecção por papilomavírus têm sido também proposta como gatilho secundário para o desenvolvimento de tumores na fibropapilomatose. Ref.2
> Em humanos, vírus HPV (papilomavírus humano) é uma das principais causas de tumores, incluindo múltiplos cânceres (tumores malignos) na boca, garganta, ânus, pênis, colo do útero, vulva, vagina. Para mais informações: Vacina do HPV protege meninos e meninas contra tumores cancerígenos
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REFERÊNCIAS
- Stringell et al. (2015). Fisher choice may increase prevalence of green turtle fibropapillomatosis disease. Frontiers in Marine Science, Volume 2. https://doi.org/10.3389/fmars.2015.00057
- Uhart et al. (2024). Exploring the relationship between environmental drivers and the manifestation of fibropapillomatosis in green turtles (Chelonia mydas) in eastern Brazil. PLoS ONE 18(8): e0290312. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0290312
- https://jornal.usp.br/ciencias/tartarugas-com-tumores-indicam-que-praias-estao-muito-poluidas/
- Rittenburg et al. (2021) Marine leech parasitism of sea turtles varies across host species, seasons, and the tumor disease fibropapillomatosis. Diseases of Aquatic Organisms, 143:1-12. https://doi.org/10.3354/dao03549
