Cérebros de humanos estão ficando maiores, revelou estudo
Figura 1. Imagens de MRI de cérebros humanos. |
Um novo estudo publicado no periódico JAMA Neurology (Ref.1) trouxe um curioso achado. Analisando mais de 3 mil participantes nascidos na década de 1970 nos EUA, pesquisadores mostraram que esses possuíam um volume cerebral 6,6% maior e uma área cerebral quase 15% maior do que as pessoas nascidas na década de 1930. O fenômeno seria fruto de processos evolutivos, apenas resultado de neuroplasticidade ou ambos? É ainda incerto afirmar, mas fatores ambientais são os principais suspeitos. De qualquer forma, os autores do estudo especularam que o aumento das dimensões cerebrais em humanos pode implicar em uma maior "reserva cerebral", potencialmente reduzindo o risco demências associadas ao avanço da idade.
"A década que alguém nasce parece impactar o tamanho cerebral e potencialmente a saúde do cérebro a longo prazo," disse o professor de Neurologia e um dos autores do novo estudo, Dr. Charles DeCarli, em entrevista (Ref.2). "Genética atua de forma crítica na determinação do tamanho cerebral, mas nossos achados indicam que influências externas - como saúde e fatores sociais, culturais e educacionais - podem estar atuando."
A saúde em geral da população Norte-Americana - e de outros países ao redor do mundo - melhorou dramaticamente ao longo dos últimos 100 anos, apesar da persistência de desigualdades socioeconômicas e de acesso a serviços de saúde. Indivíduos também estão vivendo por mais tempo, resultando em um aumento na porcentagem da população sob risco de doença de Alzheimer e demências relacionadas. No entanto, dados recentes, incluindo aqueles de um robusto e compreensivo estudo chamado FHS (Framingham Heart Study), têm indicado que a incidência de demência parece estar declinando. Enquanto fatores como maior experiência educacional e avanços na medicina - em termos de controle e prevenção de doenças - podem explicar parte desse efeito, diferenças ambientais no início da vida também são contribuintes prováveis.
Iniciado em 1948, no estado de Massachusetts, o estudo FHS consiste de múltiplas gerações de participantes ao longo de mais de 80 anos de diferença nas datas de nascimento, tornando-o ideal para investigações de tendências seculares relativas à saúde cardiovascular e cerebral. Em 1999, análises via imagem por ressonância magnética (MRI) também foram incorporadas ao estudo, somando 5145 indivíduos ao longo de todos os grupos investigados e possibilitando comparações idade-específicas de tendências seculares. Inicialmente o estudo englobava 5209 homens e mulheres entre idades de 30 e 62 anos, continuou por 75 anos e agora inclui segunda e terceira gerações dos participantes.
Nesse sentido, os pesquisadores no novo estudo analisaram comparativamente as imagens de MRI dos participantes do FHS - obtidas entre 1999 e 2019 daqueles nascidos durante as décadas de 1930 até a década de 1970. Os participantes incluídos (3226 no total; 53% do sexo feminino e 47% do sexo masculino) tinham uma média de idade de ~57 anos no momento do MRI.
Os resultados das análises revelaram um gradual mas consistente aumento em várias estruturas cerebrais ao longo das décadas. Significativas tendências de maiores volumes intracraniano, hipocampal [área no cérebro envolvida com memória e aprendizado] e matéria branca e de área superficial cortical foram associados com progressivas décadas de nascimento (Fig.2).
Figura 2. Volume cerebral humano aumentou significativamente em pessoas nascidas na década de 1970 comparado àquelas nascidas na década de 1930. Ref.2 |
Por exemplo, no caso do volume cerebral (volume intracraniano), observaram-se aumentos crescentes e constantes década após década. Para participantes nascidos na década de 1930, o volume cerebral médio era de 1234 mL, mas para aqueles nascidos na década de 1970, o volume médio era de 1321 mL, ou seja, 6,6% maior. Diferenças seculares no volume cerebral também permaneceram significativa após ajuste para a altura dos indivíduos.
A área superficial cortical - uma medida na superfície do cérebro - mostrou um aumento ainda maior década após década. Participantes nascidos na década de 1970 tinham uma área superficial média de 2104 centímetros quadrados (cm2) comparado com 2056 cm2 para aqueles nascidos na década de 1930 - um aumento de 14,9%. Nesse ponto em particular, os pesquisadores apontaram que a tendência de maior volume de matéria branca cortical observada ao longo das décadas de nascimento pode refletir o aumento concomitante da área superficial cortical através de um aumento nas fibras neuronais resultante de crescente girificação (a quantidade de dobras cerebrais).
Análise secundária aplicada a um subgrupo de 1145 participantes com uma faixa similar de idade [55 a 65 anos] nascidos na década de 1940 e na década de 1950 resultaram em achados similares, reforçando que a tendência de significativo aumento nas dimensões cerebrais era real.
Mas qual a causa exata desse aumento nas dimensões cerebrais humanas, pelo menos nos EUA? Enquanto as dimensões do cérebro estão sob substancial influência genética, os autores do novo estudo realçaram que as evidências encontradas indicam que influências ambientais são contribuintes mais prováveis explicando o fenômeno - e também a maior tendência previamente observada de aumento de QI (quociente de inteligência) ao longo do século XX. Nesse sentido, avanços nas áreas de saúde e de educação (!) e mudanças sócio-culturais, assim como melhoras em fatores de risco modificáveis para o desenvolvimento de demências, podem estar impactando positivamente nas dimensões cerebrais.
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(!) Por exemplo, aprendizado de uma nova língua tende a aumentar as matérias cinza e branca no cérebro através de efeitos neuroplásticos. Para mais informações: Aprender novas línguas vai além da carreira profissional: Pode otimizar o cérebro e prevenir doenças neurodegenerativas
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Aproximadamente 7 milhões de pessoas nos EUA estão atualmente vivendo com Alzheimer e esse número é esperado de subir para 11,2 milhões até 2040. Apesar desses números estarem subindo com o envelhecimento da população, a incidência da doença - porcentagem da população afetada pelo Alzheimer - está reduzindo. Um notável estudo recente (Ref.3) encontrou uma inesperada redução de 20% na incidência de Alzheimer por década desde a década de 1970.
Além de avanços na medicina, o aumento nas dimensões cerebrais pode ser um importante fator que explica essa tendência observada de queda nas taxas de Alzheimer. Estruturas cerebrais maiores e um maior nível de conectividade cerebral [através de expansão cortical e girificação] podem refletir melhor desenvolvimento e saúde do cérebro, e também uma maior reserva cerebral e cognitiva que pode amenizar os efeitos de doenças neurodegenerativas tipicamente associadas com o avanço da idade (ex.: compensando perdas patológicas de tecido cerebral).
REFERÊNCIAS
- DeCarli et al. (2024). Trends in Intracranial and Cerebral Volumes of Framingham Heart Study Participants Born 1930 to 1970. JAMA Neurology, https://doi.org/10.1001/jamaneurol.2024.0469
- https://health.ucdavis.edu/news/headlines/human-brains-are-getting-larger-that-may-be-good-news-for-dementia-risk/2024/03
- https://www.nia.nih.gov/news/study-examines-factors-behind-decline-dementia-incidence