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Antigos humanos na Amazônia intencionalmente criaram a terra preta, concluiu estudo

Figura 1. (A) Indígena do povo Kuikuro do Alto Xingu (Foto: People's Palace Projects). (B) Terra Preta Arqueológica, ou terra preta, no sítio arqueológico de Hatahara, no meio da Amazônia, próximo de Manaus, Brasil (Foto: Manuel Arroyo-Kalin).
 

A floresta Amazônica é conhecida por sua imensa biomassa e biodiversidade, sugerindo que as terras na Amazônia são naturalmente mundo férteis. Porém, os solos naturais dessa floresta, particularmente nas áreas mais elevadas, são notavelmente inférteis. Grande parte do solo na Amazônia é ácido e com baixo nível de nutrientes, dificultando plantio. Porém, ao longo dos anos, arqueólogos têm descoberto misteriosas faixas de antigos solos pretos e muito férteis espalhados em centenas de locais e associados à bacia fluvial do Amazonas. Chamada de "terra preta", este solo especial é encontrado ao redor de assentamentos humanos datando de centenas a milhares de anos atrás. Nesse contexto, existe um caloroso debate no meio acadêmico sobre a origem da terra preta: teria sido criada intencionalmente por humanos ou apenas um subproduto coincidente dessas antigas culturas?


Um estudo publicado recentemente na Science Advances (Ref.1), conduzido por pesquisadores Norte-Americanos e Brasileiros e reunindo análises de solo, observações etnográficas e entrevistas com comunidades indígenas modernas, concluiu que a terra preta foi intencionalmente produzida por antigos habitantes da Amazônia com o fim de melhorar o solo para a agricultura e sustentar sociedades grandes e complexas.


"Se você quer ter grandes assentamentos, você precisa de uma base nutricional. Mas o solo na Amazônia é extensivamente escasso de nutrientes, e naturalmente inadequado para o crescimento da maioria dos cultivares," disse o Dr. Taylor Perron em entrevista, um dos autores do novo estudo e pesquisador no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), EUA (Ref.2). "Nós argumentamos aqui que pessoas atuaram na criação da terra preta, e intencionalmente modificaram o antigo ambiente no sentido de torná-lo melhor para populações humanos."


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O tamanho e a complexidade de sociedades indígenas pré-1492 na Amazônia são muito debatidos. Evidências arqueológicas têm revelado uma longa história de interações entre humanos e ambiente, mas interpretações dessas evidências variam de uma Bacia Amazônica esparsamente populada com baixo impacto no ambiente até densas populações e complexas sociedades que modificaram de forma substancial o ambiente. Evidências mais recentes têm favorecido esse último cenário, com a descoberta de ruínas associadas a complexos e extensos estabelecimentos urbanos na região amazônica (1). E central desse debate é a terra preta.


(1) Para mais informações:


As Terras Pretas Arqueológicas (TPAs), ou simplesmente terras pretas, são unidades de solo que apresentam como características coloração escura e presença de fragmentos cerâmicos e, ou, líticos incorporados à matriz dos horizontes superficiais do solo. São caracterizadas por apresentarem elevada fertilidade natural, resultante da prolongada ocupação antrópica e da incorporação de carvão pirogênico. Aliás, essa elevada fertilidade tem sido alvo de várias pesquisas científicas visando aplicação no setor agrário e na área de preservação ambiental (2).


Sugestão de leitura: 


A formação das TPAs ocorre em três etapas: formação do carvão - refere-se à formação do carbono pirogênico, com composição e estrutura molecular complexa (grupos aromáticos), pouco reativo e contribui com a fertilidade do solo; incorporação de nutrientes - nessa etapa os nutrientes são incorporados ao solo por diferentes fontes, por exemplo, excrementos humanos e animais, cinzas, resíduos de combustão incompleta e carvão, biomassa de plantas aquáticas e terrestres; e ação dos microrganismos - esses são responsáveis pela ciclagem de nutrientes, agindo tanto na decomposição da matéria orgânica como na imobilização de nutrientes do solo, a fim de evitar as perdas por lixiviação. Nesse sentido, a terra preta também contém enormes quantidades de carbono armazenado, servindo como um meio eficiente para o sequestro de potenciais gases estufas (ex.: CO2, CH4).


Figura 2. (A) Pesquisador segurando uma amostra de terra preta. (B) Comparação entre um típico solo tropical na Amazônia e um solo formado por terra preta. O solo das TPAs apresenta horizonte A antrópico bem-drenado, textura variando de arenosa a muito argilosa e presença do horizonte Au antrópico entre 30 e 60 cm. Além disso, de maneira geral, esses solos possuem pH em água entre 5,2 e 7,0, elevados teores de P, Ca, Mg, Zn e Mn e alto teor de matéria orgânica estável. Ref.3

Quanto à distribuição das TPAs, essas ocorrem em manchas descontínuas por toda a Amazônia, em diversos tipos de solo e diferentes contextos culturais e ambientais,  estando normalmente associadas aos cursos de água ou em áreas com posição topográfica que permita boa visualização espacial. Em relação às dimensões das áreas de ocorrência das TPAs, essas podem apresentar áreas de pequena ou grande extensão (1 a 500 ha), dependendo da concepção de grandes sítios de assentamento pré-histórico ocupados por longos períodos de tempo.


As duas principais hipóteses para a origem da terra preta, as quais não são mutualmente excludentes, envolvem atividades humanas. A primeira é o modelo de pilha, no qual a terra preta resulta principalmente do descarte de resíduos de atividades domésticas e comunitárias diversas. A segunda é o modelo de agricultura, no qual a terra preta resulta de práticas de cultivo. Ambos os mecanismos podem ou não envolver formação intencional de terra preta para a produção agrícola.  


As duas hipóteses se originam de observações de que locais de terra preta tipicamente possuem áreas centrais de solo mais escura com maior conteúdo de nutrientes e abundantes artefatos e carvão - a inspiração para o modelo de pilha - cercadas por áreas periféricas de solo amarronzado mais claro com relativamente alta quantidade de matéria orgânica e abundante carvão, mas com menor conteúdo de nutrientes e escassas em artefatos - a inspiração para o modelo de agricultura. Ao longo de sítios arqueológicos na Amazônia, um contínuo entre esses dois tipos de solos é observado, com a cor e outras propriedades variando de região para região.


Terra preta não é um fenômeno exclusivo da Amazônia, com solos antrópicos sendo encontrados em várias outras partes do mundo. Porém, a terra preta Amazonina é notável porque contrasta dramaticamente com o solo muito pouco fértil da Amazônia em geral. Ao contrário de regiões do mundo onde agricultura era viável até mesmo em solos não modificados, a formação da terra preta na Amazônia pode ter tido um papel crucial no desenvolvimento de antigas sociedades agrárias na região.


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No novo estudo, pesquisadores do MIT, Universidade da Flórida e de várias instituições Brasileiras, incluindo Universidade Federal do Rio Janeiro e Universidade Federal do Pará, analisaram dados arqueológicos e etnográficos acumulados entre 2000 e 2019 de comunidades indígenas na Amazônia, com foco no Território Indígena Kuikuro na parte superior da bacia do Rio Xingu, no sudeste da Amazônia. Essa região é lar de vilas Kuikuros modernas, assim como locais arqueológicos onde os ancestrais dos Kuikuros são pensados de terem vivido. 


Na primeira etapa do estudo, os pesquisadores fizeram observações das práticas de Kuikuros modernos para o manejo do solo. Essas práticas incluíam a geração de "pilhas" - montes de resíduos e restos de alimentos mantidos em certas localizações ao redor do centro de uma vila (Fig.3). Após algum tempo, essas pilhas de resíduos sofriam decomposição e eram misturadas com o solo para formar uma terra preta e fértil, esta a qual os residentes usavam para práticas agrícolas. Os pesquisadores também observaram que os agricultores Kuikuros espalhavam resíduos orgânicos e cinza sobre os campos mais afastados, os quais também geravam terra preta, onde eles então podiam cultivar mais plantas. Todas essas ações eram obviamente intencionais para melhorar a qualidade do solo para o plantio.


Figura 3. Algumas atividades que contribuem para a criação da terra preta. (A) Processamento de mandioca. (B) Descarte de resíduos em pilhas. (C) Cultivo agrícola no quintal. (D) Varrendo cinzas e carvão de uma lareira. (E) Vila Kuikuro analisada com localizações das outras fotos indicadas. (F) Espalhamento de resíduos de mandioca. (G) Espalhamento de cinza e de carvão ao redor das árvores. (H). Queima em campos e em áreas de resíduos quintal. (I) Processamento de mandioca in-campo e queima de resíduos (domésticos e de plantações). Ref.1


Além dessas observações, os pesquisadores também conduziram entrevistas com os moradores da vila para documentar as crenças e práticas dos Kuikuros relacionadas à terra preta. Em algumas dessas entrevistas, os moradores se referiram à terra preta como "eegepe", e descreveram as práticas diárias na criação e cultivo desse rico solo como um meio de melhorar o potencial agrícola:


"Carvão e cinza nós varremos, juntamos tudo e então jogamos onde nós vamos plantar, para transformá-los em um belo eegepe. Lá nós podemos plantar batata doce. Quando você planta onde não existe eegepe, o solo é fraco. Por isso nós jogamos a cinza, e cascas e polpa de mandioca." [Entrevista com o indígena Kanu]


Com base nessas evidências observacionais, ficou claro para os pesquisadores que as comunidades indígenas hoje intencionalmente produzem terra preta, através de práticas que melhoram o solo. 


Na próxima etapa do estudo, os pesquisadores buscaram por uma conexão entre as práticas modernas e antigas de preparo da terra preta. Conduzindo uma análise meticulosa de solos em locais modernos e arqueológicos na região do Alto Xingu, eles descobriram similaridades na estrutura espacial da terra preta. Depósitos de terra preta eram encontrados em um padrão radial, concentrados em sua maioria no centro de assentamentos modernos e antigos, e se espalhando como raios de uma roda para fora das margens. As terras pretas modernas e antigas também eram similares na composição, e eram enriquecidas nos mesmos elementos, como carbono, fósforo e outros nutrientes. Essa suplementação reduz a toxicidade por alumínio no solo - um problema notório na Amazônia - e potencializa a produtividade agrícola.


Em outras palavras, os pesquisadores mostraram pela primeira vez que os antigos Amazoninos intencionalmente trabalharam o solo, provavelmente através de práticas similares àquelas modernas, em ordem de cultivar o suficiente para sustentar grandes comunidades. Eles também concluíram que os solos com terra preta em outras regiões da Amazônia foram também criadas intencionalmente através de práticas similares.


Além de esclarecer o debate, os autores do estudo reforçaram que a terra preta é um meio muito efetivo para o sequestro e armazenamento de carbono, com evidência suportando a ideia que o manejo do solo no sentido de aumentar o conteúdo de carbono orgânico e incorporar carvão é um dos mais efetivos e prontamente disponíveis meios para remover o excesso de carbono atmosférico. Esforços modernos para práticas agrícolas sustentáveis e associadas com menor emissão de gases estufas podem se inspirar nos métodos tradicionais praticados pelos nativos na Amazônia para a produção da terra preta.



REFERÊNCIAS

  1. Schmidt et al. (2023). Intentional creation of carbon-rich dark earth soils in the Amazon. Science Advances, Vol. 9, Issue 38. https://doi.org/10.1126/sciadv.adh8499 
  2. https://news.mit.edu/2023/ancient-amazonians-intentionally-created-fertile-dark-earth-0920
  3. Santos et al. (2013). Caracterização de terras pretas arqueológicas no sul do estado do Amazonas. Revista Brasileira de Ciência do Solo, 37(4). https://doi.org/10.1590/S0100-06832013000400001

Antigos humanos na Amazônia intencionalmente criaram a terra preta, concluiu estudo Antigos humanos na Amazônia intencionalmente criaram a terra preta, concluiu estudo Reviewed by Saber Atualizado on outubro 13, 2023 Rating: 5

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