Explosão de cabeça na Arqueologia: A Amazônia era lar de uma avançada sociedade
Vestígios arqueológicos de urbanismo de baixa densidade e agrário-baseado têm sido reportados de existir escondidos em florestas tropicais no Sudeste Asiático, no Sri Lanka e na América Central. Porém, evidências similares nunca haviam sido reportadas na Amazônia pré-Hispânica, e era pensado que, até a colonização Europeia, a região Amazônica era habitada apenas por grupos primitivos e esparsos de humanos (nativos Amazonianos). Agora, em um estudo publicado no periódico Nature (Ref.1), pesquisadores revelaram que misteriosos montes na parte Boliviana da Amazônia representam vestígios arqueológicos de antigos, complexos e extensos estabelecimentos urbanos, associados à cultura Casarabe (~500 d.C a 1400 d.C.).
Humanos modernos (Homo sapiens) habitaram a Bacia Amazônica - um vasto sistema fluvial na América do Sul - por cerca de 9500 anos antes da chegada dos Europeus colonizadores no século XIV. Nesse sentido, arqueólogos e outros cientistas imaginavam que antes do processo de colonização Europeia, todos os nativos Amazonianos viviam em tribos pequenas e nômades que tiveram pouco impacto no ambiente ao redor, em contraste com outras avançadas civilizações Mesoamericanas (!). E enquanto os primeiros visitantes Europeus adentrando na Amazônia descreveram uma paisagem preenchida com cidades e vilas, exploradores subsequentes não foram capazes e encontrá-las.
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Já no final do século XX e sem convincentes evidências suportando outro cenário, arqueólogos passaram a argumentar que o solo nutricionalmente pobre do bioma Amazônico era inadequado para suportar agricultura de larga escala naquela época, e que isso teria prevenido civilizações tropicais na Amazônia como aquelas encontradas no Centro e no Sudeste da Ásia. Porém, no início da década de 2000, altas concentrações anômalas de plantas domesticadas, ao longo de estranhos trechos com terra rica em nutrientes (potencialmente criados por pessoas), começaram a indicar que antigos habitantes Amazonianos, de fato, moldaram o ambiente em favor de um processo civilizatório.
Essa hipótese foi reforçada quando, em 2018, arqueólogos reportaram centenas de grandes e geométricos montes revelados, infelizmente, pelo desmatamento no final da parte sul da floresta Amazônica, na Bolívia. Muitos desses montes se elevavam acima de áreas de depressão que inundavam durante a temporada de chuva. Essas estruturas - densamente florestadas - fortemente sugeriram antigas sociedades organizadas capazes de sobreviver em uma única localização ao longo de anos. Escavações prévias nos montes haviam revelado traços de habitação humana, incluindo vestígios da misteriosa cultura Casarabe, a qual emergiu em torno de 500 d.C. Uma das escavações revelou inclusive o que parecia ser uma parede, indicando um assentamento permanente no local; além disso, foram encontrados cemitérios, plataformas e outras indicações de uma complexa sociedade.
Apesar de todas essas evidências, a densa vegetação na região tornava difícil para os pesquisadores usarem métodos convencionais para analisar de forma mais compreensiva a área.
No novo estudo, um time internacional de pesquisadores usou tecnologia de sensoriamento remoto baseado em lasers e modelamento 3D - técnica LIDAR (Light Detection and Ranging) - para mapear o terreno de Llanos de Mojos, no sudoeste da Amazônia, de forma aérea (com o auxílio de um helicóptero). Em seis áreas constituídas por um mosaico de floresta e de savana, e comprovadamente ocupadas pela sociedade Casarabe, os pesquisadores revelaram o tamanho e o formato de 26 assentamentos, incluindo 11 encontrados de forma inesperada - uma monumental tarefa que teria levado centenas de anos caso métodos convencionais fossem usados. As análises mostraram que, começando há cerca de 1500 anos atrás, antigos nativos na Amazônia construíram e viveram em complexos centros densamente populados, com pirâmides de até 22 metros de altura e cercados por quilômetros de estradas elevadas.
Um dos dos maiores assentamentos descritos (Cotoca) controlava uma área de aproximadamente 500 quilômetros quadrados. Os pesquisadores mostraram que a arquitetura cívico-cerimonial dos grandes assentamentos incluíam enormes plataformas com degraus, no topo das quais estavam localizadas estruturas com o formato de U, montes retangulares e pirâmides cônicas feitas de terra. Esses assentamentos urbanizados eram cercados por bancos poligonais concêntricos, representando nodos centrais conectados a locais secundários por estradas/trilhas elevadas que se alongavam por vários quilômetros. Para completar a paisagem antropogenicamente modificada, foi revelada também uma massiva infraestrutura para a administração e controle da água, composta de canais e reservatórios. Na imagem abaixo, em (A), é mostrado um modelamento 3D do assentamento Cotoca.
Durante o período do Holoceno Tardio, agricultores pré-Hispânicos em Llanos de Mojos transformaram as mais extensivas e sazonalmente inundadas savanas na Amazônia (120 mil quilômetros quadrados, uma área comparável à Inglaterra) em terrenos de alta produtividade agrícola e aquacultura, com uma aparente diversidade em organização sociopolítica, sistemas de controle de água e bases econômicas. A agricultura era marcada por uma grande diversidade de cultivares, com o milho (Zea mays) representando o principal grão, e as necessidades proteicas eram atendidas pela caça e pela pesca. A cultura Casarabe se desenvolveu nessa região entre 500 d.C. e 1400 d.C., se espalhando por uma área de 4500 quilômetros quadrados, produzindo um complexo urbanismo tropical de baixa densidade marcado por elaboradas e intricadas estruturas. Esse cenário é completamente distinto daquela tradicional imagem da Amazônia como um grande deserto verde desprovido de qualquer tipo de cultura civilizatória.
Mais curioso, os pesquisadores também concluíram que as cidades construídas pela sociedade Casarabe eram ambientalmente sustentáveis, empregando estratégias de subsistência que promoviam conservacionismo e mantinham uma rica biodiversidade na paisagem ao redor.
Porém, um mistério ainda permanece: por que os assentamentos urbanos foram abandonados após 900 anos de ocupação? Datação via radiocarbono aponta que a cultura Casarabe sucumbiu e desapareceu ao redor de 1400 d.C. Mudanças climáticas podem talvez explicar esse processo de extinção civilizatória, mas evidências suportando esse cenário são insuficientes, e algumas conflitantes.
REFERÊNCIAS
- Prümers et al. (2022). Lidar reveals pre-Hispanic low-density urbanism in the Bolivian Amazon. Nature. https://doi.org/10.1038/s41586-022-04780-4
- https://www.nature.com/articles/d41586-022-01458-9
- https://www.researchgate.net/figure/Figura-3-Secuencia-ceramica-del-Complejo-Casarabe_fig2_322437756
