Cientistas descobriram novo tipo de célula no cérebro

Figura 1. Proporção de astrócitos glutamatérgicos (segmentado em amarelo) e não-glutamatérgicos (azul-celeste) ao longo do eixo dorsal-ventral do hipocampo de um rato. Barra de escala: 100 µm. Ref.1

Tradicionalmente, as duas principais famílias de células que constituem o cérebro são os neurônios e suas células de suporte, as células gliais. Agora, em um estudo publicado no periódico de alto impacto Nature (Ref.1), pesquisadores reportaram e descreveram uma célula híbrida entre neurônios e células gliais. No caso, os pesquisadores identificaram um tipo de astrócito especializado - e nomeado astrócito glutamatérgico - que mostrou ter papel ativo no processo de transmissão sináptica. O achado pode ter importante impacto no entendimento fisiológico do sistema nervoso central e de doenças neurais, potencialmente ajudando no desenvolvimento de novas vias terapêuticas.

"Nós identificamos um subgrupo de astrócitos respondendo a estimulações seletivas com rápida liberação de glutamato, a qual ocorria em áreas espacialmente delimitadas dessas células reminiscentes de sinapses. Essas células modulam atividade neuronal, e controlam o nível de comunicação e excitação dos neurônios," comentaram em entrevista duas autoras do novo estudo, Dra. Andrea Volterra e Dra. Roberta de Ceglia (Ref.2).

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É bem estabelecido na Neurociência que o cérebro funciona primariamente devido à atividade dos neurônios e a habilidade dessas células de rapidamente elaborar e transmitir informação através das suas redes de conexões. Para suportar essa tarefa, células gliais realizam uma série de funções estruturais, energéticas e imunes, assim como agem estabilizando constantes fisiológicas (Fig.2). Algumas dessas células gliais, conhecidas como astrócitos, intimamente cercam sinapses, os pontos de contato onde neurotransmissores são liberados para transmitir informação entre neurônios. Nesse último ponto, há muito tempo neurocientistas têm suspeitado que astrócitos podem ter um papel ativo na transmissão sináptica e participação no processamento de informações. Porém, estudos conduzidos para investigar essa questão têm produzido resultados conflitantes, falhando em alcançar um consenso científico definitivo.

Figura 2. Células gliais interagem com neurônios de variadas formas para manter a saúde do tecido nervoso, para as quais citoarquiteturas peculiares são requeridas. Os astrócitos nutrem os neurônios motores através da síntese de aminoácidos, neutrotransmissores e moléculas neurotróficas; eliminam [limpeza] glutamato extracelular via transportadores específicos (EAAT2); e oferecem defesas antioxidantes. As micróglias expressam ligantes e receptores com papéis neuroprotetores. Oligodendrócitos, em especial, realizam a produção e manutenção das bainhas de mielina no sistema nervoso central. Ref.3

Nesse sentido, um time de neurocientistas na Suíça - Universidade de Lausanne e Centro Wyss para Bio e Neuroengenharia - resolveram investigar em específico se astrócitos, assim como neurônios, são capazes de liberar neurotransmissores. O objetivo primário era encontrar traços do maquinário celular necessário para a rápida secreção de glutamato, o principal neurotransmissor usado por neurônios. Através de uma série de experimentos in vitro e in vivo, os pesquisadores conseguiram identificar e descrever uma subpopulação de astrócitos especializados com uma assinatura molecular discreta lembrando aquela de sinapses glutamatérgicas. Análise do transcriptoma* de células únicas demonstrou a presença de proteínas vesiculares (VGLUT) encarregadas de encher vesículas neuronais específicas para a liberação de glutamato. Perfil transcriptômico de VGLUT foi encontrado em células de ratos, e aparentemente também preservado em células humanas. Os pesquisadores também identificaram outras proteínas especializadas nessas células, as quais são essenciais para a função de vesículas glutamatérgicas e para a capacidade de rápida comunicação com outras células.

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* Transcriptoma é o conjunto completo de transcritos (RNAs mensageiros, RNAs ribossômicos, RNAs transportadores e os microRNAs) de um dado organismo, órgão, tecido ou linhagem celular. Portanto, ele é o reflexo direto da expressão dos genes.

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Técnicas avançadas de imagens sobre tecidos cerebrais e ratos vivos também confirmaram que os astrócitos com perfil neural [glutamatérgicos] identificados exibiam velocidade de liberação de glutamato comparável àquela de transmissão entre sinapses de neurônios, e mostraram que a liberação de glutamato pelos astrócitos glutamatérgicos exercia uma influência na transmissão sináptica e regulava circuitos neurais. Aliás, quando o maquinário desses astrócitos era experimentalmente sabotado em ratos (perdia sua função), potenciação de longo prazo - um processo neural envolvido nos mecanismos de memorização - era prejudicada e a memória dos roedores era impactada.

Nesse último ponto, a descoberta do novo tipo de célula neural pode ser de grande importância para o entendimento e novos tratamentos de desordens neurais. Ao causar disrupção específica nos astrócitos glutamatérgicos, os pesquisadores demonstraram não apenas efeitos sobre a consolidação de memória, mas também associações com patologias como epilepsia, cujas convulsões eram exacerbadas. Finalmente, o estudo mostrou que os astrócitos glutamatérgicos também possuem um papel na regulação de circuitos cerebrais envolvidos no controle de movimentos, algo que pode significar novos alvos terapêuticos para a doença de Parkinson.

REFERÊNCIAS