Humanos não são os únicos primatas propensos à obesidade, conclui estudo
Figura 1. Tio Gordo, um macaco da espécie Macaca fascicularis, ficou obeso de tanto turistas o alimentarem com alimentos muito calóricos. - Atualizado no dia 13 de setembro de 2023 - |
É tradicionalmente alegado que humanos, entre os primatas, evoluíram de forma única no sentido de maximizar o acúmulo de gordura corporal, através de genes que otimizam a transformação "calorias → expansão do tecido adiposo" ou a partir do consumo excessivo de alimentos ricos em lipídios e açúcares. Mas um novo estudo publicado no periódico Philosophical Transactions of the Royal Society B (Ref.1), analisando 40 espécies de primatas não-humanos, encontrou que vários primatas acumulam gordura corporal tão facilmente quanto nós, e independentemente da dieta, habitat ou diferenças genéticas. Basta apenas alimentá-los com comida extra.
"Vários primatas engordam como humanos," disse em entrevista o biólogo antropologista Herman Pontzer da Universidade de Duke, Reino Unido, e autor do novo estudo (Ref.2). "Humanos não são especiais."
A obesidade é um desafio de saúde pública tanto para crianças quanto para adultos, e já ganhou o status de epidemia ao redor do mundo. Evidências mais recentes sugerem que essa epidemia teve início na década de 1930, e por causas ainda pouco esclarecidas (Ref.8). Nos EUA, em torno de 42% da população adulta está obesa (Ref.3). As causas da obesidade são complexas, multifatoriais e um foco de contínuo e intenso debate na literatura acadêmica. Tem sido sugerido, em especial, que a nossa espécie (Homo sapiens) é propensa à obesidade por que nossos ancestrais evoluíram no sentido de garantir extrema eficiência no armazenamento de calorias. Essa adaptação teria ajudado antigos humanos desde a última Era do Gelo, esses os quais frequentemente enfrentavam fome após a transição para a agricultura, em épocas desfavoráveis à produção de alimentos no contexto da Revolução Neolítica e subsequente estabelecimento do sedentarismo (Ref.4). Essa pressão seletiva para os assim chamados "genes econômicos" teria nos separado de outros primatas em termos de adipogênese (1).
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(1) O tecido adiposo cresce através de um processo conhecido como adipogênese, o qual pode ser definido como a habilidade de pré-adipócitos se multiplicar e se diferenciar em adipócitos maduros (células de gordura). Durante o desenvolvimento da obesidade, como resultado de um balaço energético crônico positivo (maior consumo calórico do que gasto calórico a longo prazo), o volume do tecido adiposo aumenta através de dois principais processos: hipertrofia (aumento do tamanho da célula de gordura) e hiperplasia (aumento do número de células de gordura). O processo de hipertrofia está particularmente ligado aos efeitos deletérios do acúmulo adiposo no corpo, incluindo piora na sensibilidade de insulina e problemas cardiovasculares. Ref.5
> A quantidade de células de gordura (adipócitos) no corpo humano é determinada logo após o nascimento e durante a adolescência, e tende a ser estável ao longo da fase adulta se a massa corporal se mantiver relativamente estável. O número de adipócitos aumenta significativamente desde a infância até a adolescência, e mais intensamente com o desenvolvimento de obesidade nesse mesmo período. Na fase adulta, ganho de gordura corporal ou emagrecimento está ligado primariamente com um aumento ou redução do volume das células adiposas (maior ou menor acúmulo de gordura nos adipócitos individuais). Ref.6-7
> O tecido adiposo não serve apenas para acumular gordura; é um órgão muito ativo em termos metabólicos e endócrinos. Esse é o motivo primário para a obesidade ser prejudicial ao corpo. Acúmulo excessivo de gordura corporal no pescoço e na cavidade abdominal [visceral] está associado a mais sérios prejuízos para a saúde humana. Entenda: Acúmulo de gordura no pescoço está associado com forte risco de problemas cardiometabólicos
> Excesso de tecido adiposo no corpo é um importante fator de risco modificável para múltiplos cânceres. Entenda: Fique alerta: a obesidade caminha junto com o câncer
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Porém, até o momento, a vasta maioria das pesquisas sobre obesidade têm ou examinado diretamente humanos ou testado mecanismos propostos usando roedores como modelos. Primatas não-humanos são, obviamente, muito mais próximo relacionados a humanos por pertencerem à mesma ordem que inclui nossa espécie, e, portanto, fornecem um modelo biológico mais promissor para o entendimento da obesidade. No entanto, escasso trabalho experimental tem sido conduzido em outros primatas nesse campo de pesquisa. E dentro desse escasso trabalho, o foco tem recaído quase inteiramente em dois grupos de primatas: macacos do gênero Macaca e babuínos (Papio spp.). Nossos parentes evolutivos mais próximos, como chimpanzés (Pan spp.), têm sido negligenciados.
Apesar da ideia de que apenas primatas humanos ficam obesos, temos notáveis exemplos contradizendo essa narrativa. Kanzi, famoso por ser o primeiro primata superior a entender a língua [falada] Inglesa, é um bonobo (Pan paniscus) macho que acabou ficando muito obeso após anos sendo recompensado com bananas, amendoins e outros agrados durante pesquisas (Fig.2a). Após cientistas colocarem Kanzi sob dieta, ele emagreceu e perdeu quase 35 kg (Ref.2b). Bonobos são considerados os primatas anatomicamente e fisiologicamente mais próximos dos humanos modernos (H. sapiens) (2). Outro exemplo famoso é o Tio Gordo, um macaco obeso da espécie Macaca fascicularis vivendo em Bangkok que acabou ficando obeso de tanto turistas o alimentarem com alimentos muito calóricos, como salgadinhos e refrigerante (Fig.1). Antes de entrar em uma dieta vegetariana, Tio Gordo chegou a pesar 26 kg, quase o triplo de um típico macaco adulto M. fascicularis.
Figura 2. Bonobo Kanzi antes da intervenção (a) e após a intervenção com dieta apropriada e maior oportunidade de atividades físicas, nessa foto de 2019 (b). Hoje Kanzi está com 42 anos de idade. Além de exibir entendimento de Inglês falado, Kanzi compreende novas sentenças e combina símbolos de lexigrama para descrever novos objetos e alimentos. Aliás, Kanzi usa um teclado com símbolos para pedir por alimentos específicos. Referência e mais fotos: ApeInitiative.org |
(2) Leitura recomendada: Principais argumentos Criacionistas contra a Evolução Biológica esclarecidos
De qualquer forma, é incerto se Kanzi, Tio Gordo e outros primatas obesos representam exceções ou se primatas como chimpanzés e macacos são tão propensos à obesidade quanto humanos.
No novo estudo, Pontzer analisou medidas corporais publicadas na literatura acadêmica de 40 espécies de primatas não-humanos - totalizando cerca de 3500 indivíduos - vivendo em zoológicos, ambientes de pesquisa e no meio selvagem. Os resultados das análises mostraram que vários primatas em cativeiro exibiam sobrepeso, e várias espécies - incluindo chimpanzés - tinham massa corporal relativa similar àquela de humanos. Em particular, as fêmeas de 13 espécies e machos de 6 espécies tinham massas corporais relativas 50% maiores na média no contexto de cativeiro do que indivíduos no ambiente natural e estilo de vida selvagem. Espécies com maior dimorfismo sexual (no caso, diferença de massa corporal entre machos e fêmeas) em populações selvagens exibiam fêmeas com maior massa corporal em cativeiro.
Nesse sentido, na próxima etapa do estudo, Pontzer analisou dados de 4400 adultos nos EUA sob uma dieta Ocidental, assim como adultos em 9 populações de subsistência que coletavam, caçavam e produziam o próprio alimento. Após controle para altura, ele encontrou que as pessoas nos EUA eram 50% mais massivas na média do que populações de subsistência - a mesma razão observada nos primatas em cativeiro.
Esses achados sugerem que apesar de fatores genéticos existirem tornando as pessoas mais ou menos propensas à obesidade, não parece existir uma diferença notável ou única entre humanos e outros primatas no quesito "ficar gordo".
Além disso, um consumo excessivo de carboidratos e potenciais diferenças no nível diário de atividades físicos não mostraram ser a causa para a maior taxa de obesidade nos primatas em cativeiro. Pelo contrário, Pontzer apontou que no meio selvagem primatas se alimentam de uma quantidade significativamente maior de carboidratos associados a frutas, folhas e outras partes vegetais do que primatas em cativeiro, esses últimos tipicamente consumindo uma dieta com alto conteúdo proteico e calórico. Quanto ao gasto calórico diário, Pontzer realçou que esse era similar entre os dois grupos. A questão é o excesso calórico, e não o tipo de alimento ou macronutriente sendo preferencialmente consumido.
Somados, os achados apontam que primatas podem ser um bom modelo para o entendimento da obesidade humana e um caminho para a descoberta de novas intervenções visando tratá-la. Além disso, podem fornecer importantes pistas para um correto entendimento da atual epidemia de obesidade ao redor do mundo. Cientistas podem também testar dietas ou se mudanças no comportamento - como redução do tédio - são efetivas no emagrecimento e manutenção da perda de peso por longo prazo, e melhor esclarecer por que indivíduos humanos do sexo feminino são mais suscetíveis ao sobrepeso e obesidade.
REFERÊNCIAS
- Pontzer, H. (2023). The provisioned primate: patterns of obesity across lemurs, monkeys, apes and humans. Philosophical Transactions of the Royal Society B, Volume 378, Issue 1888. https://doi.org/10.1098/rstb.2022.0218
- https://www.science.org/content/article/humans-aren-t-only-fat-primate
- https://www.cdc.gov/obesity/data/adult.html
- Wells, J. C. K. (2023). Natural selection and human adiposity: crafty genotype, thrifty phenotype. Philosophical Transactions of the Royal Society B, Volume 378, Issue 1885. https://doi.org/10.1098/rstb.2022.0224
- Ye et al. (2022). Fat Cell Size: Measurement Methods, Pathophysiological Origins, and Relationships With Metabolic Dysregulations, Endocrine Reviews, Volume 43, Issue 1, Pages 35–60. https://doi.org/10.1210/endrev/bnab018
- Spalding et al. (2008). Dynamics of fat cell turnover in humans. Nature 453, 783–787. https://doi.org/10.1038/nature06902
- https://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/healthy-weight/measuring-fat/
- Pedersen et al. (2023). Emergence of the obesity epidemic preceding the presumed obesogenic transformation of the society. Science Advances, Vol.9, No.37. https://doi.org/10.1126/sciadv.adg6237