Pílula do dia seguinte é mais efetiva quando tomada com o anti-inflamatório piroxicam, aponta estudo
Figura 1. Cartela contendo duas pílulas de levonorgestrel, visando contracepção de emergência. |
Entre os métodos farmacológicos de contracepção de emergência - usados após uma relação sexual desprotegida no sentido de prevenir uma gravidez indesejada -, a pílula do dia seguinte contendo levonorgestrel, uma progestina que atua primariamente no período pós-ovulatório (prevenindo ou atrasando a ovulação através de interferência no desenvolvimento folicular), é a mais comumente usada, em especial aqui no Brasil (1). A efetividade do levonorgestrel é baseada nos resultados de um teste clínico de 1998, no qual a administração desse hormônio preveniu 95% das gravidezes esperadas quando tomado dentro de 24 horas seguindo o sexo desprotegido, 85% se tomado dentro de 25-48 horas, e 58% se tomado dentro de 49-72 horas. No entanto, estudos mais recentes têm sugerido uma eficácia menor. Além disso, essa pílula não possui significativa eficácia caso a mulher tenha ovulado.
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(1) Existem dois tipos principais de pílulas do dia seguinte: a via que usa somente progestina (levonorgestrel 0,75 mg em dois tabletes, totalizando uma dose de 1,5 mg) e a via combinada (etinil-estradiol + progestina). Para mais informações sobre métodos de contracepção de emergência, fica a sugestão de leitura: Depois da relação sexual, quanto tempo até engravidar?
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Agora, em um estudo clínico de alta qualidade publicado no periódico The Lancet (Ref.1), pesquisadores encontraram forte evidência de que o consumo concomitante do fármaco piroxicam até 72 horas pós-relação sexual desprotegida aumenta de forma muito significativa a eficácia da pílula do dia seguinte.
"A pílula do dia seguinte é uma das escolhas mais populares de contracepção de emergência em várias partes do mundo, portanto encontrar que existe um medicamente amplamente disponível que aumenta a eficácia do levonorgestrel quando são tomados juntos é realmente excitante," disse em entrevista a Dra. Sue Lo, da Associação de Planejamento Familiar de Hong Kong, e uma coautora do novo estudo (Ref.2). "Nosso estudo é o primeiro a sugerir que um fármaco prontamente disponível e seguro usado concomitantemente com uma pílula de levonorgestrel pode prevenir mais gravidezes do que o levonorgestrel isolado."
O piroxicam é um anti-inflamatório não-esteróide, que atua inibindo a atividade da enzima ciclooxigenase, que catalisa a biossíntese das prostaglandinas e tromboxanos a partir do ácido araquidônico. O processo inflamatório consiste na resposta orgânica mais precoce diante de lesão tissular ou infecção, sendo que este processo fisiológico envolve uma ação coordenada entre o sistema imunológico e o tecido no qual ocorreu a lesão. Piroxicam é utilizado no tratamento de artrite gotosa aguda, artrite reumatoide, inflamação não-reumática e osteartrite.
O novo estudo clínico - randomizado, placebo-controlado e duplo-cego - incluiu 836 mulheres recrutadas entre 20 de agosto de 2018 e 30 de agosto de 2022, todas procurando um serviço de saúde reprodutiva em Hong Kong e requerendo pílula do dia seguinte [levonorgestrel] dentro de 72 horas após o sexo desprotegido. Do total, 418 mulheres foram aleatoriamente escolhidas para receber uma dose isolada de 1,5 mg de levonorgestrel + 40 mg de piroxicam, e o restante [418 mulheres] recebeu 1,5 mg de levonorgestrel + placebo. As participantes foram acompanhadas pelas próximas 1-2 semanas, avaliadas quanto ao status de gravidez.
Durante o acompanhamento, 1 gravidez foi confirmada entre as 418 mulheres do grupo piroxicam e 7 gravidezes foram confirmadas no grupo placebo. A porcentagem de gravidezes esperadas sem qualquer contraceptivo para ambos os grupos era de 4,5% (19/418). Nesse sentido, os pesquisadores encontraram que entre as mulheres que receberam levonorgestrel + piroxicam, 94,7% das gravidezes esperadas foram prevenidas (18/19). Já entre as mulheres que receberam levonorgestrel + placebo, apenas 63,4% das gravidezes esperadas foram prevenidas (12/19).
Nenhuma diferença significativa foi observada nas taxas de efeitos colaterais entre o grupo piroxicam e o grupo placebo. Somados, os achados sugerem que a coadministração de piroxicam e pílula do dia seguinte [levonorgestrel] é uma opção terapêutica válida quando o levonorgestrel é o método de contracepção de emergência escolhido.
Enquanto o levonorgestrel previne gravidez ao interferir na liberação de hormônio luteinizante (LH) - causando disrupção no processo ovulatório -, o piroxicam pode funcionar ao interferir em outro tipo de hormônio: prostaglandinas. Prostaglandinas facilitam vários processo reprodutivos, incluindo ovulação, fertilização e implantação embrionária. Portanto, os autores do novo estudo especularam que o piroxicam pode fornecer um efeito contraceptivo extra tanto no intervalo pré-ovulatório (ao bloquear a ovulação) quanto no pós-ovulatório (ao prevenir a implantação do embrião). Mais estudos laboratoriais e clínicos são necessários para esclarecer os mecanismos de ação do método combinado levonorgestrel + piroxicam (!).
"No geral, o estudo sugere que qualquer um administrando levonorgestrel 1,5 mg como contracepção de emergência deveria considerar a adição oral de 40 mg de piroxicam, à medida que melhora a eficácia com poucos efeitos colaterais," disse a Dra. Sue Lo. "[Porém] Essa conclusão pode não ser aplicável a todos os pacientes, à medida que esse estudo foi limitado a uma população específica, com a maioria dos participantes de etnicidade Asiática e com menos de 70 kg de massa corporal. Dado que o contraceptivo de emergência baseado em levonorgestrel é menos efetivo em pessoas com obesidade, a eficácia mostrada no estudo pode não ser generalizável para pacientes com alto IMC."
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> Importante realçar que o estudo, mesmo sendo de alta qualidade, ainda possui limitações e mais estudos são necessários com outras populações e critérios de inclusão para uma conclusão mais firme. Consulte um/a médico/a e converse sobre os achados do estudo antes de optar pelo uso concomitante de piroxicam como método de contracepção de emergência.
(!) Certas vias religiosas consideram a fertilização [união entre óvulo e espermatozoide] como início da vida, e condenam métodos contraceptivos que impendem a implantação do embrião formado. A pílula do dia seguinte isolada atua antes da fertilização; uso desse hormônio concomitante com piroxicam pode atuar após a fertilização. Mas lembrando que, em termos médicos, gravidez é iniciada apenas com a implantação efetiva do embrião. Nesse sentido, uso combinado de levonorgestrel + piroxicam NÃO causa aborto. O mesmo é válido para o uso de DIU como contraceptivo de emergência: DIU é seguro e efetivo como contraceptivo?
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REFERÊNCIAS
- Li et al. (2023). Oral emergency contraception with levonorgestrel plus piroxicam: a randomised double-blind placebo-controlled trial. The Lancet. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(23)01240-0
- https://www.eurekalert.org/news-releases/998588
- Parisotto et al. (2005). Análise exploratória aplicada no estudo de medicamentos contendo piroxicam. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, 41(4). https://doi.org/10.1590/S1516-93322005000400013