Homem de Gelo Europeu de 5 mil anos atrás era calvo e possuía pele escura, aponta estudo
Figura 1. Cientistas analisando a múmia de Ötzi. |
O Homem de Gelo Tiroleano, também conhecido como "Ötzi", é a mais antiga múmia glacial conhecida, descoberta nos Alpes Italianos e preservada por ~5300 anos. Desde sua descoberta décadas atrás, várias reconstruções têm sido feitas sobre a aparência desse antigo humano (Homo sapiens) e tipicamente refletindo traços fenotípicos de Europeus mais modernos, em especial pele clara. Agora, em um estudo publicado no periódico Cell Genomics (Ref.1), pesquisadores conduziram uma compreensiva e detalhada análise genômica de amostras de DNA recuperadas da múmia e encontraram forte evidência de que o Ötzi possuía olhos escuros, pele escura e era afetado por extensiva calvície.
"A análise genômica revelou traços fenotípicos como alta pigmentação cutânea, olhos com cor escura, e calvície de padrão masculino que são totalmente contrastantes em relação a reconstruções prévias trazendo pele clara, olhos claros e um macho com bastante cabelo no escalpo," disse em entrevista o Dr. Johannes Krause do Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária, na Alemanha (Ref.2). "A múmia em si, no entanto, é escura e não possui cabelo."
Segundo datação via radiocarbono e análise de isótopos estáveis (1), Ötzi viveu durante o Calcolítico (Idade do Cobre), em 3350-3120 a.C., no Alpe de Ötztal, na Itália. Com 1,50 cm de altura, mais de 40 anos de idade, sexo masculino e preservado em camadas de gelo desde sua morte, Ötzi possuía vários problemas de dentição (molar quebrado, dentes muito desgastados, incisivo danificado, várias cáries) e sua última refeição continha carne de veado-vermelho (Cervus elaphus) e íbex (Capra ibex). A péssima condição dentária do homem de gelo provavelmente foi resultado do uso dos dentes para manipular ferramentas de pedra e mastigar grãos duros - aliás, um maior consumo de carboidratos na forma de grãos pode explicar as cáries (uma doença que se tornou comum no H. sapiens desde o estabelecimento da agricultura). Além disso, Ötzi exibe várias tatuagens no corpo, as mais antigas conhecidas em humanos (Fig.3).
(1) Leitura recomendada: Como calcular a idade dos fósseis e da Terra?
A causa específica de morte de Ötzi é incerta, mas parece ter sido assassinado por outros humanos. No seu ombro esquerdo foi encontrada uma ponta de flecha associada a uma entrada de 2 cm a partir das costas. A flecha partiu a artéria subclavicular, indicando que Ötzi sangrou até a morte em uma questão de minutos. Ötzi também sofreu um severo trauma na cabeça, provavelmente no mesmo evento da ferida causada pela flecha. Esse trauma pode ter sido causado por uma queda quando foi atingido pela flecha ou por uma pancada na cabeça por outro humano atacante. Alguém - talvez o próprio Ötzi ou o seu assassino - removeu a flecha do corpo, mas com a ponta ficando retida durante a remoção. Alguns dias antes da sua morte, Ötzi também se envolveu em um combate corpo-a-corpo e recebeu um profundo corte na mão direita, sugerindo que o ataque letal foi resultado de um conflito que se escalou. Talvez o conflito tenha forçado ele a se refugiar nas geleiras alpinas.
Os vestígios de Ötzi foram encontrados em 1991 por um duas pessoas que faziam trilha nos alpes e, em 2012, o primeiro sequenciamento de genoma inteiro foi publicado relativo ao espécime. Análises comparativas baseadas em dados autossômicos sugeriram uma afinidade genética próxima com os atuais habitantes da ilha Italiana de Sardenha. Nesse sentido, a mais famosa reconstrução de Ötzi, exibida no Museu de Arqueologia de Tirol do Sul, na Itália, traz um indivíduo de pele clara (Fig.5). Porém, essa análise genética comparativa foi feita com um número limitado de genomas e a partir de uma amostra com significativa contaminação de DNA moderno.
No novo estudo, os pesquisadores usaram amostras do mesmo osso ilíaco usado no estudo de 2012, mas reduziram o máximo possível a contaminação do DNA antigo (presença de ~0,5% de DNA humano moderno como contaminante). Eles então remapearam mais de 90% do genoma de Ötzi usando as mais avançadas técnicas disponíveis de análise genômica. Os resultados das análises mostraram que 92% da ancestralidade do homem de gelo era oriunda de antigos agricultores Anatolianos que começaram a migrar para fora da região atualmente pertencente à Turquia, há cerca de 8 mil anos. Essa é a maior porcentagem de herança genética Anatoliana [Ásia Menor] já registrada para um antigo Europeu no 4° milênio a.C. O restante do genoma explorado (8%) mostrou ser oriundo de um grupo distinto de caçadores-coletores do lado ocidental da Europa.
Esses achados sugerem que os ancestrais mais próximos de Ötzi podem ter tido origem direta da Anatólia, os quais formaram grupos que se estabeleceram em regiões montanhosas da Europa e mantiveram pouco contato com outros grupos (elevações alpinas como barreira geográfica limitando o fluxo genético). De fato, os pesquisadores encontraram que a última vez que os dois grupos interagiram (Anatolianos e Europeus Ocidentais) foi cerca de 56 gerações antes da morte de Ötzi. Os achados também apontam que grupos de caçadores-coletores Europeus sobreviveram no sul dos Alpes até tão tarde quanto 5 mil a 4 mil anos a.C.
Analisando marcadores genéticos associados a traços físicos de Ötzi, os pesquisadores encontraram assinaturas alélicas sugerindo fortemente que esse antigo Europeu possuía cabelo crespo e preto, uma pele escura, calvície comum (androgênica) (2) e um risco aumentado para diabetes e obesidade (Fig.6). Considerando que Ötzi tinha em torno de 45 anos de idade, é provável que seu escalpo possuía pouco cabelo ou era quase totalmente careca. O fenótipo de pele escura corrobora evidências genéticas prévias de outros antigos Europeus datados em mais de 5 mil anos e reforçam o acúmulo de evidências científicas fortemente sugerindo que o fenótipo de pele branca se tornou frequente na Europa apenas dentro dos últimos 5 mil anos, devido principalmente a migrantes da Ásia (3).
Figura 6. Representação artística de Ötzi segurando seu machado com lâmina de cobre, com base nos achados genômicos do novo estudo. Arte: Tom Björklund/@TomBjorklundArt |
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> A cor escura da pele de Ötzi também entra em linha com análise histológica prévia que identificou uma pequena camada de grânulos de melanina marrom na epiderme da múmia. Já o fenótipo calvo entra em linha com o fato de que, mesmo a múmia tendo sido bem preservada no gelo, quase nenhum fio de cabelo humano foi encontrado na cabeça ou junto ao corpo.
(2) Calvície comum ou androgênica é determinada primariamente por fatores genéticos e nível de andrógenos circulantes. Para mais informações: Calvície comum: Causas, mitos e tratamentos
(3) A evolução da cor de pele nos humanos modernos (H. sapiens) é muito mais complexa do que comumente pensado, e envolve mais fatores do que simples exposição solar e níveis circulantes de vitamina D. Para mais informações: Cor da pele, Vitamina D, Ácido Fólico e Evolução
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Assim como esperado pela alta ancestralidade de agricultores Neolíticos, os pesquisadores também encontraram que Ötzi possuía adaptações metabólicas para uma dieta agrícola, com menos carne e mais alimentos derivados de plantas, como grãos e cereais. Apesar dos riscos aumentados para doenças metabólicas, provavelmente Ötzi não sofreu com diabetes ou obesidade, devido ao seu estilo de vida mais ativo e dieta saudável.
REFERÊNCIAS
- Krause et al. (2023). High-coverage genome of the Tyrolean Iceman reveals unusually high Anatolian farmer ancestry. Cell Genomics. https://doi.org/10.1016/j.xgen.2023.100377
- https://www.mpg.de/20711365/0804-evan-dark-skin-bald-head-anatolian-ancestry-150495-x
- https://www.science.org/content/article/otzi-tyrolean-iceman-had-dark-skin-and-receding-hairline
- Deter-Wolf, A., Robitaille, B., Krutak, L., & Galliot, S. (2016). The world’s oldest tattoos. Journal of Archaeological Science: Reports, 5, 19–24. https://doi.org/10.1016/j.jasrep.2015.11.007
- https://www.iceman.it/en/the-iceman/