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Aquecimento global está liberando antigos patógenos presos no gelo potencialmente muito perigosos

Figura 1. Polígonos de tundra no declive Norte do Alasca, uma área permeada por pergelissolo.

O atual processo de aquecimento global antropogênico está acelerando o derretimento de geleiras e solos congelados. Além do feedback climático acentuando o efeito estufa atmosférico (menos superfície branca para refletir a luz solar e maior liberação de gases estufas) (1), aumento no nível dos mares e perda de habitat para várias espécies, o intenso degelo na superfície terrestre pode liberar uma grande quantidade de organismos patogênicos preservados e presos por milênios no gelo. E a reemergência desses patógenos dormentes é uma ameaça ao meio ambiente global e até para a humanidade, alertou um estudo publicado esta semana no periódico PLOS Computational Biology (Ref.1). Os pesquisadores encontraram em simulações computacionais que antigos patógenos reanimados podem frequentemente sobreviver e evoluir no mundo moderno, com ~3% deles se tornando dominantes no novo ambiente. E cerca de 1% do total de invasores mostraram potencial de destruir até 30% das espécies pré-estabelecidas nas simulações.


(1) Leitura recomendada: Quais os mecanismos do efeito estufa atmosférico?


"Como sociedade, nós precisamos entender o potencial risco imposto por esses antigos micróbios para nos prepararmos para quaisquer consequências da liberação desses organismos no mundo moderno. Os resultados [do estudo] nos informa que o risco não é mais simplesmente uma fantasia," disse em entrevista o Dr. Corey Bradshaw, professor e pesquisador na Universidade de Flinders, Austrália, e um dos autores do estudo (Ref.2).


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Invasões biológicas constituem uma grande ameaça à biodiversidade e às sociedades humanas na forma de novos e emergentes patógenos, assim como massivos custos econômicos. Quando uma espécie é deslocada passivamente ou ativamente da sua zona natural de habitação para uma nova localidade com diferentes condições ambientais e ecológicas, as consequências para comunidades nativas são imprevisíveis, mas são frequentemente muito severas quando sucedem. Quando catastróficas invasões ocorrem, tipicamente é devido à falta de co-adaptação entre espécies invasoras e nativas. Essa ausência de co-adaptação é favorecida por longa separação espacial entre as espécies, mas também por longa separação temporal - ambos fatores que tendem a aumentar a divergência genética e fenotípica entre as populações. E, nesse último ponto, o acelerado degelo na superfície terrestre devido ao aquecimento global antropogênico está preocupando os cientistas.


Inúmeros estudos e modelos climáticos mostram que as emissões antrópicas excessivas de gases estufas na atmosfera neste pós-Industrial aumentaram a temperatura superficial do planeta em ~1,5°C relativo ao período de 1850-1900. Na região do Ártico, o aquecimento extra é particularmente notável, onde as temperaturas médias parecem aumentar >2-4 vezes mais rápido do que em regiões temperadas. Além da dramática perda de gelo marinho na região Ártica (2), uma das mais visíveis consequências é o rápido degelo global de pergelissolos (camadas no subsolo permanentemente congeladas) a profundidades cada vez maiores (3). Esse extensivo degelo causa mobilização de antiga matéria orgânica previamente preservada por milênios em profundas camadas de pergelissolo, um fenômeno mais visível na Sibéria, onde esse tipo de solo permanentemente congelado permeia a maior parte dos territórios ao Norte e Leste - e cobrindo uma área de 15-24% de todo o hemisfério Norte.


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(2) Para mais informações: Dinâmicas do gelo nos polos contradizem o aquecimento global?


(3) Pergelissolo pode ser definido como uma mistura de solo, sedimentos e cascalho unidos por gelo, e cuja temperatura permanece abaixo de 0°C por pelo menos 2 anos consecutivos.

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O degelo de geleiras e, principalmente, pergelissolos possuem significativas consequências climáticas, ambientais e microbiológicas. Primeiro, acima de temperaturas acima do ponto de congelamento da água, esta se torna liquefeita e engatilha a reativação metabólica de numerosos microrganismos de solo (bactérias, Archaea, protistas e fungos), expondo material orgânico previamente preso à decomposição e liberando mais CO2 e metano (CH4), finalmente exacerbando ainda mais o efeito estufa atmosférico. Resíduos tóxicos de atividade industrial e radioativa acumulados no pergelissolo também são esperados de serem liberados e dispersados com o degelo, potencialmente causando disrupção ecológica. Nesse último ponto, o degelo pode inclusive desestabilizar as bases onde estruturas industriais e de depósito no Ártico estão instaladas, aumentando o risco de danos estruturais e liberação de contaminantes (Ref.3). E outra consequência mais imediata em termos de saúde pública e equilíbrio ecológico é a liberação e reativação de bactérias, Archaea e vírus preservados e isolados da superfície terrestre por até 2 milhões de anos (apesar de um limite consensual ser de 500 mil anos).


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> No Hemisfério Norte, é estimado que o pergelissolo contém >1000 petagramas de carbono a uma profundidade de até 3 metros. Solos no pergelissolo Ártico armazenam cerca de 2 vezes a quantidade de carbono presente na atmosfera. No atual processo de aquecimento global antropogênico e emissões de gases estufas, é estimado que 22-64% desse tipo de solo sofra degelo até 2100, liberando enormes quantidades de mais gases estufas e alimentando o aquecimento global (feedback positivo). Aliás, em setembro de 2020, um buraco gigante com mais de 50 metros de profundidade se formou na Península de Yamal devido ao rápido degelo do pergelissolo, liberando toneladas de metano na atmosfera (Ref.4).

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Podemos citar um episódio marcante em 2016, na Península de Yamal, no Círculo Ártico, quando uma rena preservada no solo congelado foi exposta à superfície via degelo - durante uma anômala onda de calor no verão - e parece ter liberado esporos infecciosos da bactéria antraz (Bacillus anthracis) presos no gelo por 75 anos. Isso teria causado um surto epidêmico na região, matando milhares de renas e infectando seriamente dezenas de pessoas, incluindo uma morte (Ref.5). E outros surtos similares na Sibéria estão ligadas ao mesmo tipo de evento (Ref.6).


Em um estudo publicado no começo deste ano no periódico Viruses (Ref.6), pesquisadores reportaram a reanimação de 13 vírus de DNA de sete diferentes amostras de antigos pergelissolos Siberianos - datados de 27 mil até >48500 anos anos atrás - e pertencentes a cinco diferentes clados (Pandoravirus, Megavirus, Pacmanvirus, Pithovirus e Cedratvirus). Mesmo após dezenas de milhares de anos congelados, esses vírus reanimados mostraram-se infecciosos em células eucarióticas. E o mesmo grupo de pesquisa que conduziu o estudo já havia reportado em 2014 e 2015 a reanimação de vírus preservados em pergelissolos datados em ~30 mil anos - e também infecciosos em células eucarióticas. Antigos vírus reanimados são muito mais perigosos do que bactérias porque não existem medicamentos equivalentes a "antibióticos de espectro amplo" contra esses organismos.

Figura 2. Emergência de potenciais patógenos ao longo do gradiente de degelo do pergelissolo. No destaque à esquerda, exemplo de micróbios no pergelissolo, incluindo não-patogênicos (ex.: bacteriófagos e vírus gigantes com bactérias e protozoários como hospedeiros, respectivamente) e potencialmente patogênicos (ex.: esporos de fungos, esporos de antraz, outros vírus). No destaque à direita: exemplos de patógenos emergindo no pergelissolo descongelado, incluindo esporos de antraz liberados de carcaças de animais e potenciais transmissores de doenças, como mosquitos. Inúmeros microrganismos, infeciosos ou não, têm sido recuperados de amostras datadas até 140-750 mil anos atrás. Ref.7 

Mais recentemente, pesquisadores reportaram a reanimação de organismos muito mais complexos do que bactérias e protistas de uma amostra de pergelissolo de ~46 mil anos atrás: vermes nematódeos! Para mais informações: Cientistas reportaram que "reviveram" vermes congelados há mais de 45 mil anos 


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No novo estudo, pesquisadores resolveram explorar cenários de degelo e liberação de antigos patógenos no ambiente moderno, através de experimentos de evolução artificial onde patógenos digitais similares a vírus do passado invadem comunidades de hospedeiros similares a bactérias e seus patógenos contemporâneos. Para isso, eles usaram um robusto e complexo software chamado de Avida, o qual simula interações ecológicas - incluindo evolução - entre microrganismos. 


Os resultados das simulações indicaram que patógenos invasores podem frequentemente sobreviver e continuar evoluindo e, em alguns poucos casos (3,1%), se tornarem excepcionalmente dominantes na comunidade invadida. Mesmo assim, invasores mostraram ter frequentemente efeitos não-significativos na composição da comunidade invadida; no entanto, em alguns poucos e altamente imprevisíveis casos (1,1%), invasores deflagraram substanciais perdas (até -32%) ou ganhos (até +12%) na diversidade total das espécies de vida livre comparado a grupos de controle.


Apesar desse valor de 1,1% parecer pequeno, a massiva quantidade de micróbios e potenciais patógenos nas formações criogênicas (geleiras e pergelissolos) torna o cenário preocupante. As geleiras podem hospedar 10-100 bactérias por mililitro (mL), e os pergelissolos podem comportar até 10 milhões de células por grama - e estima-se que anualmente são eluídos 4 x 10^21 células por gelo derretido de sistemas glaciais não-Antárticos. Somando-se a isso, ambientes glaciais também hospedem uma densidade de partículas virais na ordem de milhões a dezenas de milhões por mL. Portanto, mesmo que uma minúscula fração de organismos liberados no degelo a nível global tenha potencial de disrupção ecológica, o número absoluto é alto. Aliás, mudanças ecológicas significativas já podem estar ocorrendo por invasores reanimados e liberados no degelo de formações criogênicas.


Relevante também realçar que patógenos de sucesso no passado (grande número populacional e alta persistência ambiental) serão naturalmente mais comuns em amostras congeladas, e podem ser reanimados já carregando vantagens adaptativas favorecendo dominância.


"O debate científico sobre o tópico tem sido dominado por especulação, devido aos desafios na coleta de dados ou no design de experimentos para elaborar e testar hipóteses. Pela primeira vez, nós fornecemos uma extensiva análise do risco imposto às comunidades ecológicas por esses patógenos 'viajantes do tempo' através de avançadas simulações computacionais," disse em entrevista o autor principal do novo estudo, Dr. Giovanni Strona (Ref.2). 


"Nós encontramos que patógenos invasores podem frequentemente sobreviver, evoluir e, em alguns poucos casos, se tornar excepcionalmente persistente e dominante na comunidade, causando ou perdas substanciais ou mudanças no número de espécies vivas. Nossos achados, portanto, sugerem que ameaças imprevisíveis até o momento limitadas à ficção científica podem, de fato, impor sérios riscos como poderosas forças de danos ecológicos," completou Dr. Strona.


"A partir dessa perspectiva, nossos resultados são preocupantes, porque eles apontam para um real risco associado aos raros eventos onde patógenos atualmente presos no pergelissolo e gelo produzem severos impactos ecológicos. No pior cenário, mas ainda inteiramente plausível, a invasão de um único antigo patógeno reduziu o tamanho da sua comunidade hospedeira em 30% quando comparado aos nossos controles não-invasivos," alertou Dr. Bradshaw.


Obviamente simulações computacionais, mesmo que robustas, não espelham a enorme complexidade do real ecossistema terrestre, mas os surtos com antraz na Sibéria e a reanimação em laboratório de vários organismos infecciosos com dezenas de milhares de anos reforçam o alerta trazido pelo novo estudo.


REFERÊNCIAS

  1. Strona et al. (2023) Time-travelling pathogens and their risk to ecological communities. PLoS Computational Biology, 19(7): e1011268. https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.1011268
  2. https://news.flinders.edu.au/blog/2023/07/30/ancient-pathogens-risk-eroding-ecosystems/
  3. Langer et al. (2023). Thawing permafrost poses environmental threat to thousands of sites with legacy industrial contamination. Nature Communications 14, 1721. https://doi.org/10.1038/s41467-023-37276-4
  4. Yarzábal et al. (2021). Climate change, melting cryosphere and frozen pathogens: Should we worry…?. Environmental Sustainability 4, 489–501. https://doi.org/10.1007/s42398-021-00184-8
  5. https://www.npr.org/sections/goatsandsoda/2016/08/03/488400947/anthrax-outbreak-in-russia-thought-to-be-result-of-thawing-permafrost
  6. Claverie et al. (2023). An Update on Eukaryotic Viruses Revived from Ancient Permafrost. Viruses, 15(2), 564. https://doi.org/10.3390/v15020564
  7. Wu et al. (2022). Permafrost as a potential pathogen reservoir. One Earth, Volume 5, Issue 4, P351-360. https://doi.org/10.1016/j.oneear.2022.03.010

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