Cientistas reportaram que "reviveram" vermes congelados há mais de 45 mil anos
Figura 1. Espécime adulto do nematódeo Panagrolaimus kolymaensis. |
Alguns organismos na natureza desenvolveram a habilidade de entrar em um estado de metabolismo suspenso chamado de criptobiose quando condições ambientais são desfavoráveis (ex.: seca ou frio extremo). Um animal notável nesse sentido é o tardígrado (1). Esse estado-transição requer a execução de uma combinação de caminhos genéticos e bioquímicos que permitam ao organismo sobreviver por prolongados períodos sob escassos ou inexistentes recursos como alimento ou água. Em 2018, pesquisadores anunciaram que haviam descoberto e reanimado dois tipos de vermes nematódeos encontrados em uma camada de terra congelada na Sibéria, estimando que esses animais teriam dezenas de milhares de anos. Agora, em um estudo publicado no periódico PLOS Genetics (Ref.1), pesquisadores reanalisaram esses vermes, descrevendo uma nova espécie (Panagrolaimus kolymaensis) e estimando que os nematódeos haviam sido preservados sob criptobiose por ~46 mil anos.
(1) Leitura recomendada: Por que os tardígrados são tão resistentes?
"A datação via radiocarbono é absolutamente precisa, e nós agora sabemos que esses vermes realmente sobreviveram por 46 mil anos," disse em entrevista o coautor do estudo Teymuras Kurzchalia, um biólogo celular no Instituto Max Planck de Biologia Molecular de Células e Genética em Dresden, Alemanha (Ref.2).
Organismos de diversos grupos taxonômicos podem sobreviver a condições ambientais extremas, como a completa ausência de água ou oxigênio, alta temperatura, congelamento ou salinidade extrema. As estratégias de sobrevivência de tais organismos incluem um estado conhecido como animação suspensa ou criptobiose, no qual o metabolismo é reduzido a um nível indetectável. Exemplos notáveis de criptobiose de longo prazo incluem um esporo de Bacillus (gênero de bactéria) preservado no abdômen de abelhas fossilizadas em âmbar por 25 a 40 milhões de anos, e uma semente de Lotus (gênero de planta angiosperma) de 1000 a 1500 anos de idade, encontrada em um antigo lago, que foi subsequentemente germinada.
Animais (Reino Metazoa) como tardígrados, rotíferos e vermes nematodes são também conhecidos por permanecer em criptobiose por prolongados períodos. Os recordes de mais longas criptobioses em nematódeos são reportados para as espécies Antárticas Plectus murrayi (25,5 anos em musgo congelado a 20°C negativos) e Tylenchus polyhypnus (39 anos dessecado em um espécime herbário).
Pergelissolos (camadas sedimentares permanentemente congelada no subsolo) são ecossistemas únicos preservando formas de vida - não necessariamente vivas - a temperaturas abaixo de 0°C ao longo de milhares de anos. O pergelissolo Siberiano pode preservar organismos em temperatura subzero por milhões de anos. Vários organismos têm sido reanimados no pergelissolo Siberiano, incluindo um alegado crustáceo da espécie Chydorus sphaericus que estava preservado por muitos milhares de anos e descoberto na década de 1930 na estação Skovorodino - aliás, descoberta feita por um cientista enquanto era prisioneiro em um GULAG Soviético. Em 2018, cientistas reportaram a descoberta de nematódeos (vermes do filo Nematoda) preservados no pergelissolo Siberiano - aparentemente por ~42 mil anos com base em análises geológicas preliminares - e que foram efetivamente reanimados. Análises morfológicas iniciais classificaram os vermes nos gêneros Panagrolaimus e Plectus.
Vários estudos prévios têm demonstrado que várias espécies de vermes do gênero Panagrolaimus exibem a capacidade de criptobiose na forma de anidrobiose (através de dessecação) e criobiose (através de congelamento). Em vários nematódeos, entrada em anidrobiose é frequentemente acompanhada por uma fase preparatória de exposição a leve dessecação, conhecida como pré-condicionamento; isso induz um remodelação específica do transcriptoma, proteoma e de caminhos metabólicos que otimizam a habilidade de sobrevivência. Alguns desses vermes possuem mecanismos adaptativos para rápida dessecação - onde a maior parte da água celular é perdida - enquanto outros possuem tolerância ao congelamento sem perda de água a temperaturas abaixo de 0°C ao inibir o crescimento e a recristalização de cristais de gelo.
No novo estudo, através de análises genômicas e filogenéticas, os pesquisadores reanalisaram os vermes nematódeos coletados do pergelissolo Siberiano, comparando-os com espécies modernas de nematódeos, e concluíram que os vermes pertenciam a uma nova espécie: Panagrolaimus kolymaensis - algo esperado caso estimativas de idade de >40 mil anos fossem confirmadas. Nesse último ponto, os pesquisadores usaram o método de radiocarbono (2) para datar matéria orgânica vegetal nos sedimentos congelados onde os vermes foram encontrados (40 metros abaixo da superfície), e concluíram que esses animais estavam ali preservados desde o Pleistoceno Tardio, entre 45839 e 47769 anos atrás (~46 mil anos atrás).
(2) Leitura recomendada: Como calcular a idade dos fósseis e da Terra?
Comparando o genoma do P. kolymaensis com um organismo modelo muito usado em estudos laboratoriais - o nematódeo Caenorhabditis elegans - os pesquisadores identificaram genes em comum envolvidos em criptobiose. Quando levemente dessecados no laboratório, ambas as espécies mostraram aumentar a produção de um carboidrato chamado de trealose, o qual pode ajudá-las a sobreviver em ambientes de severa secura e congelamento. Testando as capacidades de sobrevivência do P. kolymaensis, os pesquisadores encontraram que a exposição a leve dessecação antes do congelamento ajudava a preparar os vermes para criptobiose e aumentavam a sobrevivência a -80°C. Esse tratamento também beneficiou larvas [dauer] de C. elegans, as quais então sobreviveram 480 dias a -80°C sem reduções na viabilidade ou reprodução após degelo e reanimação.
O estudo estende a mais longa criptobiose em nematódeos em dezenas de milhares de anos. Ao se adaptar a condições extremas, como o pergelissolo Siberiano, por curtos períodos de tempo, os nematódeos podem ter ganhando o potencial de permanecer dormentes ao longo de escalas geológicas de tempo. Além disso, os pesquisadores encontraram evidência de que flutuações no ambiente também determinam o tempo que um organismo pode permanecer em um estado criptobiótico. Somados, os achados do estudo também podem contribuir com o desenvolvimento de novos métodos otimizados de preservação laboratorial de células e tecidos a longo prazo.
Porém, alguns cientistas não envolvidos com o novo estudo ainda estão céticos quanto ao tempo extremamente longo de sobrevivência dos nematódeos Siberianos (Ref.2). Eles argumentam que existe uma significativa chance de que as amostras coletadas no pergelissolo Siberiano tenham sido contaminados com nematódeos modernos do ambiente superficial, e que mais análises precisam ser feitas para identificar ou não a espécie P. kolymaensis no solo associado à área de coleta. Os autores do novo estudo não participaram da coleta inicial de amostras - feitas em 2002 como parte de uma série de excursões científicas na Sibéria - mas reforçaram acreditar que os procedimentos de esterilização conduzidos na época evitaram contaminação moderna.
REFERÊNCIAS
- Shatilovich et al. (2023) A novel nematode species from the Siberian permafrost shares adaptive mechanisms for cryptobiotic survival with C. elegans dauer larva. PLoS Genetics 19(7): e1010798. https://doi.org/10.1371/journal.pgen.1010798
- https://www.scientificamerican.com/article/46-000-year-old-worm-possibly-revived-from-siberian-permafrost/