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Masturbação possui funções adaptativas e reprodutivas, aponta estudo

Figura 1. Um chimpanzé-comum macho (A) e um bonobo fêmea (B) durante atos de masturbação. Ref.1

- Atualizado no dia 27 de setembro de 2023 -


Masturbação é comum ao longo do Reino Animal, particularmente vertebrados, mas é especialmente prevalente entre primatas, incluindo humanos. Historicamente, sob uma perspectiva evolutiva, esse comportamento tem sido considerado ser ou patológico ou um subproduto de excitamento sexual excessivo, e observações registradas têm sido muito fragmentadas para o entendimento da distribuição, história evolucionária ou significância adaptativa da masturbação. Agora, um estudo publicado no periódico Proceedings of The Royal Society B (Ref.2) encontrou que, contrário ao tradicionalmente suposto, o comportamento masturbatório parece ter um propósito adaptativo e reprodutivo no curso evolucionário. Os achados do estudo indicam que a masturbação é um traço antigo em primatas, e que - pelo menos nos machos - aumenta o sucesso reprodutivo e ajuda a evitar infecções sexualmente transmissíveis.


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Comportamento autossexual, ou masturbação, a princípio, traz um desafio frente à teoria evolucionária. Esse comportamento não parece aumentar as chances de sobrevivência e, por definição, ocorre de forma isolada, sem interação com um parceiro sexual, e, ao mesmo tempo, requer gasto de tempo, atenção e significativa energia. Mesmo assim, é um comportamento filogenicamente muito conservado e presente em várias espécies de mamíferos, desde cães e gatos até camelos e elefantes (Ref.6). Consequentemente, masturbação tem sido historicamente considerada, no pior cenário, um comportamento patológico exibido por indivíduos aberrantes (tipicamente em cativeiro), ou, em um cenário mais otimista, um meio de exaustão sexual resultante de alto libido (subproduto de especialização neuroendocrinológica para alto excitamento sexual). 


No entanto, a Hipótese Patológica falha em explicar a masturbação observada naturalmente e frequentemente em populações selvagens e em humanos modernos (Homo sapiens). Já a Hipótese da Exaustão pode não explicar masturbação observada imediatamente pré- ou pós-copulação, ou na presença de parceiros dispostos, particularmente em machos de espécies com um período refratário estendido (intervalo de tempo pós-ejaculatório onde excitamento e atividade sexuais são reduzidos) (1). De qualquer forma, a ideia da masturbação servindo como um exaustor sexual não é mutualmente exclusiva com explicações baseadas em seleção positiva (ex.: maior nível de excitamento favorecendo reprodução).


(1) Para mais informaçõesPor que a vontade sexual desaparece após o orgasmo masculino?


A Hipótese da Seleção Pós-Copulatória defende que a masturbação aumenta as chances de fertilização e é composta de duas sub-hipóteses: a Hipótese do Excitamento Sexual e a Hipótese da Qualidade do Espermatozoide. A Hipótese do Excitamento Sexual argumenta que a masturbação não-ejaculatória em machos pode acelerar subsequente ejaculação, beneficiando machos de baixo nível social em perigo de entrarem em conflito com machos rivais durante tentativas de acasalamento (ex.: iguanas, Amblyrhynchus cristatus; e macacos-Japoneses, Macaca fuscata), ou aumentando a qualidade do ejaculado (ex.: H. sapiens). De forma similar, a Hipótese da Qualidade do Espermatozoide argumenta que a masturbação nos machos pode expelir espermatozoides e esperma de qualidade inferior, melhorando a qualidade do ejaculado subsequente (ex.: humanos; macacos-Japoneses; e macacos-Rhesus, Macaca mulatta). 


A Hipótese do Excitamento Sexual pode também ajudar a explicar a masturbação feminina, já que excitamento sexual e orgasmo podem melhorar as funções do trato reprodutivo feminino. O excitamento feminino aumenta o pH vaginal, criando um ambiente mais convidativo aos espermatozoides. O transudato vaginal associado com excitamento filtra e descarta espermatozoides , enquanto facilita a transferência de espermatozoides de alta qualidade na direção do útero (2). De forma similar, as contrações associadas com o orgasmo feminino podem facilitar a passagem de espermatozoides através da cavidade uterina, e secreções associadas de prolactina capacitam os espermatozoides. Enquanto pouco é conhecido sobre o tempo de armazenamento e sobrevivência de espermatozoides dentro do trato reprodutivo de primatas não-humanos, espermatozoides podem estar viáveis por mais de 5 dias (3).


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Alternativamente, masturbação pode também servir como uma forma de exibição pré-copulatória ou comportamento de corte em ambos os sexos, similar às 'exibições penianas' em chimpanzés (gênero Pan).


Figura 2. Masturbação em primatas não-humanos pode ser também engatilhada com estimulação visual, incluindo visualização de outros indivíduos da mesma espécie realizando atos sexuais. Por exemplo, em 2022, pesquisadores Brasileiros reportaram um macho de macaco-prego-amarelo (Sapajus libidinosus) em três eventos de masturbação com duração de até 2 minutos e 40 segundos enquanto via outros macacos-pregos-amarelos realizando atos sexuais (Ref.3). O macho em questão possuía baixo nível hierárquico e menos oportunidades de copular com fêmeas no seu grupo; macacos dessa espécie estão inseridos em um sistema de acasalamento com múltiplos machos e fêmeas. As fêmeas de S. libidinosus costumam usar partes de plantas para estimulação vaginal.

Por fim, a Hipótese de Prevenção a Patógenos defende que a masturbação é uma forma de limpeza genital pós-copulatória, ajudando a prevenir infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Estratégias comportamentais são frequentemente a primeira linha de defesa contra infecções, seguida por respostas psicológicas e imunes. Estratégias pós-copulatórias, como autolimpeza oral ou urinação, têm sido adotadas por vários mamíferos (morcego-da-fruta, Cynopterus sphinx; certos primatas calitriquídeos e estrepsirrinos; humanos; e roedores da família Murinae). Uma estratégia alternativa é usada por machos de esquilos da espécie Xerus inauris, os quais masturbam após o acasalamento, limpando o trato reprodutivo com o ejaculado.


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> Aliás, é pensado que a alta prevalência de incontinência de coito nos humanos (população feminina) é uma estratégia de defesa contra ISTs. Sugestão de leitura: Quais as causas, prevalência e fatores de risco para a incontinência urinária?

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No novo estudo, a pesquisadora Dra. Matilda Brindle, do departamento de Antropologia da University College London, e colaboradores reuniram um enorme banco de dados sobre masturbação em primatas, compilando informações de quase 400 fontes, incluindo 246 publicações acadêmicas e 150 questionários e relatos pessoais de primatologistas e tratadores de zoológicos. Esses dados foram combinados com uma distribuição posterior de 10 mil filogenias moleculares associadas à ordem dos primatas, cobrindo 105 das ~272 espécies descritas de primatas não-extintos, 54 gêneros (~81% do total) e 18 subfamílias (~95%) A partir dos dados combinados, os pesquisadores traçaram a distribuição de comportamentos autossexuais de primatas diversos, buscando entender quando e por que a masturbação evoluiu tanto em machos quanto em fêmeas.


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> No estudo, os pesquisadores definiram masturbação como a auto-estimulação da região anal-genital ou das mamas, conduzida com as próprias partes corporais do indivíduo (ex.: mãos) ou ferramentas externas.

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As análises mostraram que a masturbação possui uma longa história evolucionária entre os primatas e provavelmente estava presente no ancestral comum de todos os macacos e primatas superiores (incluindo humanos) (Fig.3). Ficou menos claro se o ancestral dos outros primatas (lêmures, lóris e társios) também exibia masturbação, em grande parte porque os dados eram mais escassos para esses grupos.

Figura 3. Filogenia de 67 gêneros de primatas, ilustrando nódulos ancestrais reconstruídos e traços de interesse. Presença (retângulos pretos) ou ausência (retângulos cinzas) reportada de masturbação em primatas fêmeas (♀) e machos (♂) não-extintos em pelo menos uma espécie de cada gênero, na ponta das ramificações filogenéticas. Retângulos vazios indicam falta de dados. Nos nódulos do esquema filogenético, sombreado preto indica presença de masturbação, sombreado cinza indica ausência de masturbação e sombreado branco indica reconstruções incertas. As reconstruções do estado ancestral mostraram amplamente o mesmo padrão nos primatas machos e fêmeas, com as exceções do nódulo C, o qual indicou que masturbação estava presente nas fêmeas (metade esquerda do círculo) mas era incerta para machos (metade direita do círculo), e nódulo B, o qual indicou que masturbação estava ausente nas fêmeas (metade esquerda do círculo) mas era incerta para machos (metade direita do círculo). Ref.2

Em seguida, os pesquisadores testaram as principais hipóteses propostas para explicar a alta prevalência de masturbação entre os primatas. Primeiro, a Hipótese Patológica foi descartada, desde que o comportamento autossexual mostrou-se comumente presente em populações selvagens e para ambos os sexos. Os resultados das análises deram suporte para a Hipótese da Seleção Pós-Copulatória em primatas machos, com a masturbação covariando com o sistema de acasalamento (ex.: poligamia ou monogamia), mas não com a massa dos testículos. A presença de masturbação nos machos mostrou-se instável em sistemas de acasalamento com um único macho, mas evoluiu e manteve-se conservada em sistemas de acasalamento com múltiplos machos. É incerto, porém, qual a importância relativa da Hipótese do Excitamento Sexual e da Hipótese da Qualidade do Espermatozoide.


Os pesquisadores também encontraram forte suporte para a Hipótese da Prevenção a Patógenos nos machos, com a masturbação coevoluindo com a presença [carga] de patógenos. Similar aos resultados da masturbação masculina e sistema de acasalamento, quando patógenos estão ausentes, a masturbação masculina é lábil, mas quando está presente, masturbação evolui e é retida. É incerto, porém, se a intensidade ou frequência da masturbação aumenta com o aumento da carga patogênica em diferentes espécies de primatas.


Existem várias explicações para o porquê a masturbação poderia coevoluir com a presença de patógenos em machos mas não fêmeas. Uma das principais funções do plasma seminal presente no esperma é fornecer defesa antibacteriana para os espermatozoides quando estes alcançarem o trato reprodutivo feminino, mas essas propriedades bactericidas também protegem hospedeiros de ISTs. Em machos, ejaculado é expelido a força através da uretra, enquanto que durante o excitamento nas fêmeas, transudato vaginal passa gradualmente através da parede vaginal, coalescendo para formar um filme o qual é eventualmente secretado. Como a uretra é o local primário de infecção para várias ISTs, a poderosa expulsão de ejaculado bactericida através da abertura uretral é provavelmente um meio mais efetivo para evitar infecção do que a lenta secreção de transudado do canal vaginal, o qual não necessariamente lava a uretra (4). 


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(4) Interessante notar que que nas fêmeas da nossa espécie (H. sapiens) existe o fenômeno da ejaculação feminina, um real fluido prostático associado ao orgasmo, e cuja função é incerta. Entenda: Ejaculação feminina existe?

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Além disso, ao contrário dos machos, as Hipóteses da Seleção Pós-Copulatória e da Prevenção a Patógenos podem ser mutualmente exclusivas em fêmeas. Sob condições normais, quando uma fêmea não está excitada, pH vaginal é moderadamente ácido, visando defesa contra infecções. No entanto, durante excitamento sexual, o pH vaginal aumenta para se tornar mais neutro. Enquanto isso cria um ambiente mais hospitaleiro para os espermatozoides, permitindo que as fêmeas favoreçam certos machos escolhidos (e suportando a Hipótese da Seleção Pós-Copulatória), também torna o canal vaginal menos hostil contra patógenos, deixando as fêmeas vulneráveis à infecção (desfavorecendo a Hipótese da Prevenção a Patógenos).  


Porém, os pesquisadores não encontraram suporte para a Hipóteses da Seleção Pós-Copulatória em fêmeas, e a masturbação feminina não mostrou coevoluir com os sistemas de acasalamento. Enquanto nenhuma aparente função adaptativa foi encontrada para a masturbação feminina, os dados coletados sobre masturbação em fêmeas foram muito limitados - isso em parte porque excitamento e masturbação em fêmeas podem ser menos explícitos do que nos machos, mas também reflete uma menor quantidade de trabalhos científicos explorando os comportamentos sexuais e morfologia do corpo feminino no Reino Animal (incluindo humanos) ao longo da história. É possível que a masturbação feminina não esteja associada com um alto grau de pressão seletiva pós-copulatória, mas mais dados de boa qualidade são necessários para tal alegação.


Figura 4. Estimulação genital assistida por graveto em uma fêmea adulta da espécie Macaca fascicularis, a qual usa ambas as mãos em frente à região genital (A), e usa uma mão na frente e a outra atrás da região genital (B). A fêmea em questão usa gravetos e pedaços de casca de árvore para estimular a genitália, mantendo essas ferramentas horizontalmente ou diagonalmente em contato com a vulva (e ocasionalmente com o clitóris, quando particularmente dilatado); ela às vezes simultaneamente inseria seus dedos dentro da vagina. Macacos M. fascicularis machos e fêmeas vivendo em Ubud, Indonésia, são reportados de comumente realizarem estimulação genital com a assistência de gravetos (!). Ref.7

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(!) O padrão de estimulação genital nessa espécie não parece ser acidental e pode ser sexualmente motivado (com fim possivelmente de prazer), ou seja, pode ser uma forma de masturbação assistida por ferramenta nessa população de primatas. Apesar de nenhuma resposta orgásmica ter sido reportada até o momento entre machos e fêmeas nesses cenários de potencial masturbação, machos exibem ereção peniana nesses eventos (resposta fisiológica sexualmente motivada). Além disso, em quase todos os episódios observados de estimulação genital em fêmeas, esse comportamento está associado com pistas comportamentais e anatômicas de putativo período fértil. E a estimulação genital assistida por graveto é frequentemente intercalada ou seguida por comportamentos sexualmente motivados, como solicitação sexual, inspeção sexual, monta sexual ou limpeza de pelos intersexual.


> Vídeo mostrando uma fêmea em vários episódios de estimulação genital com um graveto: 

            


> Existe também uma recente hipótese (Hipótese do Prazer Sexual) sugerindo que a ampla prevalência de masturbação em ambos os sexos de espécies diversas - primatas e não-primatas - pode ser explicado primariamente pela busca de prazer no ato (Ref.6). Essa hipótese pode se somar a outros benefícios além da gratificação de prazer.

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Conclusão: No geral, o estudo conduzido por Brindle et al. trouxe a primeira sólida evidência científica de que a masturbação possui funções adaptativas e sexuais nos primatas, evoluindo sob pressão seletiva de patógenos (seleção natural) e favorecendo reprodução efetiva (seleção sexual). Considerando a complexidade comportamental e socioecológica das sociedades primatas, é provável que esses animais empregam masturbação como uma estratégia flexível dependendo das circunstâncias ambientais e sociais - incluindo provavelmente busca de prazer. O estudo é também mais um forte argumento contra vozes ideológicas que condenam a masturbação em humanos como algo "não-natural" (Ref.1).


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(!) CURIOSIDADE: Em 2021, pesquisadores reportaram um chimpanzé-comum macho (subespécie Pan troglodytes schweinfurthii), no seu habitat natural, em Uganda, se masturbando com uma garrafa de plástico abandonada (Fig.4). Ref.4

Figura 4. (A) "Araali", um macho subadulto inspecionando seu pênis após ter se acasalado com uma fêmea adulta. (B) Garra de plástico descartada usada como uma ferramenta masturbatória por Araali. (C) Ilustrações de Araali "copulando" com a garrafa plástica, baseadas em um registro em vídeo. Ref.4

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REFERÊNCIAS

  1. Sommer et al. (2022). 5 - Masturbation in Primates [from Part I - Controversies and Unresolved Issues]. The Cambridge Handbook of Evolutionary Perspectives on Sexual Psychology , pp. 133-170. https://doi.org/10.1017/9781108943581.007
  2. Brindle et al. (2023). The evolution of masturbation is associated with postcopulatory selection and pathogen avoidance in primates. Proceedings of The Royal Society B, Volume 290, Issue 2000. https://doi.org/10.1098/rspb.2023.0061
  3. Bezerra et al. (2022). Observation of Masturbation After Visual Sexual Stimuli From Conspecifics in a Captive Male Bearded Capuchin (Sapajus libidinosus). Archives of Sexual Behavior. https://doi.org/10.1007/s10508-022-02475-5
  4. McLennan & Dijk (2021). Use of a novel human object as a masturbatory tool by a wild male chimpanzee at Bulindi, Uganda. Pan Africa News, 28(1):8–11. http://dx.doi.org/10.5134/265354
  5. Cenni et al. (2023). Twig-assisted masturbation in Balinese long-tailed macaques. Behaviour, 160(7), 683-700. https://doi.org/10.1163/1568539X-bja10223
  6. Fuss et al. (2022). Masturbation in the Animal Kingdom. The Journal of Sex Research, Volume 60, Issue 6. https://doi.org/10.1080/00224499.2022.2044446

Masturbação possui funções adaptativas e reprodutivas, aponta estudo Masturbação possui funções adaptativas e reprodutivas, aponta estudo Reviewed by Saber Atualizado on junho 08, 2023 Rating: 5

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