Humanos bombearam tanta água subterrânea a ponto de deslocar o eixo de rotação da Terra em quase 1 metro
A Terra é inclinada em sua rotação sobre o próprio eixo em relação ao plano do Sol (Fig.1). Essa inclinação varia entre 22,1 e 24,5°, durante um ciclo completo em torno de 41 mil anos. Devido a essa variação de inclinação (variação de obliquidade), a quantidade de energia solar que incide no hemisfério Sul e Norte também variam, resultando em estações mais ou menos quentes (1). A Terra também se movimenta ou balança em relação ao ponto de rotação, um processo chamado de movimento polar.
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(1) Diferente do comumente pensado, as diferentes estações do ano na Terra são causadas pela inclinação do planeta, e não pela maior ou menor distância em relação ao Sol. Para mais informações: O que causa as estações do ano?
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Porém, não apenas mecanismos naturais interferem no movimento polar. Em um estudo publicado esta semana no periódico Geophysical Research Letters (Ref.1), pesquisadores mostraram que a massiva retirada de água subterrânea por humanos no hemisfério Norte não apenas aumentou significativamente o nível dos mares como também inclinou a Terra em aproximadamente 80 cm no sentido leste!
O aumento dos níveis ou volume dos mares é um dos fenômenos mais significativos associados ao processo de aquecimento global antropogênico. No período de 2005-2015, altímetros em satélites mostraram uma taxa de aumento médio no nível [altura] marítimo de 3,5 mm/ano, onde 1,3 mm/ano está associado com a expansão térmica causada pelo aquecimento da superfície do planeta e o restante devido ao acréscimo de massa de água, oriunda em especial do derretimento das geleiras nos polos e em montanhas (2). Porém, outro importante contribuidor antropogênico para o aumento dos níveis dos mares geralmente ignorado pelo público é a depleção de água subterrânea visando primariamente irrigação na agricultura.
(2) Leitura recomendada: Derretimento do gelo nas regiões polares não aumenta o nível dos mares?
O polo rotacional da Terra é o ponto ao redor no qual o planeta rotaciona. Esse ponto se move durante um processo chamado de movimento polar, onde a posição do polo rotacional da Terra varia em relação à crosta. Imagine que você está girando uma bola de futebol sobre um dedo; a direção do dedo é o eixo de rotação da bola. Se você manter a bola balanceada, esta irá girar de forma uniforme ao redor do eixo. Porém, se você adicionar ou remover um pouco de peso/massa em um dos lados da bola, esta se tornará desbalanceada e começará a balançar, deslocando o eixo de rotação periodicamente. O eixo de rotação da Terra também balança, em um círculo de ~10 metros de extensão a cada ano ou próximo disso - o maior deslocamento já observado foi de 12 metros (Ref.2). O centro desse balanço também é deslocado a longo prazo (movimento polar). Nos últimos anos, esse centro deslocou-se ~9 cm no sentido da Islândia. Vários fatores influenciam no movimento polar, incluindo movimentos de ferro derretido no núcleo terrestre, derretimento das geleiras, correntes oceânicas e até mesmo furacões.
Observações no movimento polar durante o período de 2003-2015 mostram que quase toda a amplitude do movimento (~83%) e o deslocamento direcional médio (~5,9°) foram causados por mudanças no armazenamento de água terrestre e na criosfera global (variações na quantidade de gelo) (Ref.6).
No novo estudo, pesquisadores construíram um modelo explorando as dinâmicas e fatores associados ao movimento polar observado entre 1993 e 2010, com o auxílio de satélites precisos o suficiente para detectar mudanças de posicionamento nos polos tão pequenas quanto poucos milímetros.
Durante simulações, apenas mudanças da água armazenada em barragens e no derretimento de gelo na superfície do planeta não foram suficientes para explicar o movimento polar observado. Porém, quando a remoção de 2150 gigatolenadas de água subterrânea estimada para o período foi levada em conta, a simulação resultou em um cenário muito próximo daquele observado por satélites (Fig.2). A redistribuição de água dos aquíferos para os oceanos - através do ciclo da água (evaporação e chuvas) e escoamento - produziu um deslocamento do polo rotacional da Terra de ~78,48 cm no sentido Leste 64,16°, e a uma velocidade de 4,36 cm/ano. Além disso, o bombeamento de água subterrânea para a superfície terrestre aumentou o nível dos mares em 6,24 mm.
O efeito foi especialmente pronunciado devido ao fato da maior parte da água subterrânea no período (1993-2010) ter sido bombeada no oeste da América do Norte e no noroeste da Índia, ambos em latitudes médias ao norte. Se a maior perda de água tivesse ocorrido próximo dos polos ou do equador, o efeito teria sido menor. No entanto, ainda assim o deslocamento extra de quase 80 cm não é suficiente para mudar significativamente as estações do ano.
REFERÊNCIAS
- Seo et al. (2023). Drift of Earth's Pole Confirms Groundwater Depletion as a Significant Contributor to Global Sea Level Rise 1993–2010. Geophysical Research Letters, Volume 50, Issue 12, e2023GL103509. https://doi.org/10.1029/2023GL103509
- https://www.nasa.gov/feature/nasa-study-solves-two-mysteries-about-wobbling-earth
- https://svs.gsfc.nasa.gov/20196
- https://www.science.org/content/article/humanity-s-groundwater-pumping-has-altered-earth-s-tilt
- https://news.agu.org/press-release/weve-pumped-so-much-groundwater-that-weve-nudged-the-earths-spin
- Adhikari & Ivins (2016). Climate-driven polar motion: 2003–2015. Science Advances, Vol.2, Issue 4. https://doi.org/10.1126/sciadv.1501693
