Luz visível nas faixas violeta e azul pode causar na pele efeitos similares aos da radiação ultravioleta
Agência FAPESP* – Estudo conduzido na Universidade de São Paulo (USP) reforçou que a luz visível nas faixas violeta e azul pode ter efeito tóxico para as células da pele dependendo do tempo de exposição. Entre as possíveis consequências estão a liberação de compostos oxidantes, lesões no DNA, danos em mitocôndrias e outras organelas e acúmulo do pigmento lipofuscina, que aumenta a sensibilidade celular à luz. Segundo os autores, portanto, os filtros solares comercialmente disponíveis, que protegem contra radiação ultravioleta (UVB e UVA), não são suficientes para a proteção efetiva da pele.
Os resultados da pesquisa, conduzida com apoio da FAPESP durante o pós-doutorado de Paulo Newton Tonolli, foram publicados no Journal of Photochemistry & Photobiology, B: Biology.
A investigação foi conduzida no âmbito do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), sob a coordenação do professor Maurício Baptista, do Instituto de Química (IQ-USP). O Redoxoma é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.
Essa é primeira vez que são comparados os efeitos das diferentes faixas de luz visível em relação à fototoxicidade em queratinócitos – as células da pele responsáveis pela produção de queratina.
“Nosso artigo mostra que o high energy blue, que chamamos aqui de violeta, deveria ser um dos alvos importantes para o desenvolvimento de protetores solares. O violeta é bem próximo de 400 nanômetros, que é a linha que separa o UVA do visível. Essa linha não tem uma razão específica para a pele. Ela tem uma razão para os nossos olhos, porque temos receptores que ‘enxergam’ o violeta e o azul, mas não ‘enxergam’ o UVA. Porém, em termos de comprimento de onda e de efeito biológico, essas faixas da radiação são muito parecidas entre si”, afirma Baptista.
Infelizmente, segundo os pesquisadores, a maioria das pessoas, incluindo profissionais de saúde, continua desconhecendo os efeitos da luz visível na pele, e a maioria das empresas que produz filtros solares desconsidera o fato de que a luz visível penetra mais profundamente na pele e induz desequilíbrios redox (entre substâncias oxidantes e antioxidantes) e outras respostas celulares semelhantes às induzidas por UVA.
Pegar sol é saudável, o que faz mal é o excesso, alerta Baptista, que também está estudando os benefícios da luz para a saúde humana. A luz visível exerce efeitos positivos, como regeneração tecidual e alívio da dor, e mesmo a radiação ultravioleta tem papéis benéficos, como, por exemplo, na síntese de vitamina D. Tudo é uma questão de dose.
O problema é que as pessoas se sentem protegidas pelo filtro solar e abusam do tempo sob o sol. Com o filtro, elas podem estar protegidas contra a radiação ultravioleta, mas não contra a luz visível. Um indicador de que algo não vai bem é que, apesar dos esforços para a detecção precoce e prevenção do câncer de pele, a prevalência desse câncer vem aumentando sistematicamente no mundo.
Efeitos tóxicos
A luz visível compreende grande parte da energia da luz solar que alcança a superfície terrestre, envolvendo a faixa de comprimentos de onda de 400 a 750 nanômetros. Para investigar as diferenças entre essas faixas de luz visível, os pesquisadores irradiaram queratinócitos de pele humana imortalizados (HaCaT) com doses fisiologicamente relevantes das quatro principais regiões da luz visível: violeta, azul, verde e vermelha.
Eles viram que o componente violeta/azul da luz visível se comporta de forma semelhante à radiação UVA em queratinócitos, produzindo lesões no DNA. Além disso, o violeta/azul nas doses analisadas causa o mau funcionamento das mitocôndrias e lisossomos, duas organelas-chave para a manutenção da viabilidade celular, inibindo o fluxo autofágico e provocando o acúmulo de lipofuscina – um agregado de biomoléculas e membranas oxidadas resultante da digestão incompleta pelos lisossomos danificados pela exposição ao violeta/azul, que aumenta a sensibilidade das células à luz visível.
Em todos os experimentos, a luz violeta se mostrou mais tóxica do que a azul, que, por sua vez, é mais tóxica do que a verde. Apenas a luz vermelha, na dose utilizada, não causou danos significativos aos alvos biológicos estudados. “Isso acontece porque há mais fotossensibilizadores endógenos que absorvem no violeta do que no azul e no verde, e quase nenhum no vermelho. Esses fotossensibilizadores são a chave de tudo isso”, explica Baptista.
A pele humana é constantemente atingida pela luz. São bilhões de fótons que penetram nas diferentes camadas da pele, influenciando sua fisiologia. Os mecanismos de dano induzidos pela radiação solar se devem principalmente à fotossensibilização, um processo no qual fotossensibilizadores transformam a energia da luz em reatividade química. Fotossensibilizadores são moléculas que absorvem a energia dos fótons e passam do estado fundamental para o excitado, que é mais reativo.
Os raios UVB são os mais deletérios para o ser humano, porque são absorvidos pelo DNA e o efeito fotoquímico é mais direto. “O próprio DNA é o fotossensibilizador da radiação UVB”, conta o professor do IQ-USP.
No caso da luz visível, a fotossensibilização é indireta e depende dos vários fotossensibilizadores endógenos presentes na pele humana, que absorvem a radiação e geram oxidantes reativos. Os fotossensibilizadores são principalmente vitaminas, coenzimas e outros cofatores, incluindo flavina, ácido fólico, nicotinamida, porfirinas e seus derivados, e pigmentos endógenos como melanina e lipofuscina (!).
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(!) A luz visível compreende 45% da irradiação solar, enquanto o ultravioleta apenas 2% - e descontando que o UVC (200–280 nm) é completamente absorvido pela camada de ozônio; 95% do restante é UVA (320–400 nm) e 5% UVB (280–320 nm). Nesse sentido, a fototoxicidade da radiação na faixa do visível não deve ser subestimada como um todo, além do azul e violeta, e mesmo sendo bem menos energética do que o UV. Fotoexcitação de fotossensibilizantes endógenos na pele humana na faixa do visível culmina na formação de estado eletrônicos excitados (ex.: tripletos e singleto de oxigênio) e uma variedade de espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio (incluindo radicais livres). Melanina é o fotossensibilizante mais abundante e envolvido em mecanismos de proteção, enquanto a lipofuscina é um pigmento secundário na pele acumulado durante o envelhecimento celular ou estresse oxidativo. Ambos os pigmentos severamente aumentam a fototoxicidade da luz visível nas células da pele, induzindo danos oxidativos em ácidos nucleicos (RNA e DNA), lipídios e proteínas, engatilhando mecanismos regulados e desregulados de morte celular e também acumulando lesões pré-mutagênicas no DNA.
Referência e mais informações:
- Chiarelli-Neto et al. (2021). Melanin, lipofuscin and the effects of visible light in the skin. Journal of Photochemistry and Photobiology, Volume 7, 100044. https://doi.org/10.1016/j.jpap.2021.100044
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A suscetibilidade de células, tecidos e organelas a danos causado pela radiação solar depende da presença e da concentração desses fotossensibilizadores endógenos. “Mitocôndrias e lisossomos, por exemplo, têm uma grande quantidade de flavoproteínas e, portanto, de flavinas”, afirma o pesquisador.
O artigo The phototoxicity action spectra of visible light in HaCaT keratinocytes pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S101113442300057X.
* Com informações do Redoxoma, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP..
> Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.