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Cientistas podem estar flagrando um processo evolutivo de perda de visão em um peixe de caverna

Figura 1. Espécime macho de Uropterygius cyamommatus sem o olho esquerdo visível, mas com estrutura orbital ainda presente sob a pele. Ref.1
 

Explorando cavernas subaquáticas nas Ilhas de Christmas (Austrália) e de Panglao (Filipinas), pesquisadores descobriram uma nova espécie de moreia (Uropterygius cyamommatus) que parece estar se adaptando ao seu habitat escuro através de um bem estabelecido fenômeno observado em diversos outras espécies de peixes com nichos ecológicos similares. De quatro espécimes capturados de U. cyamommatus, dois tinham o olho esquerdo coberto por pele, enquanto os outros dois conservavam ambos os olhos [reduzidos] de cada lado da cabeça. As estruturas oculares parecem estar perdendo a funcionalidade e desaparecendo gradualmente, em meio à falta de forte pressão seletiva para mantê-las - talvez em favor de outros traços fenotípicos mais vantajosos, como olfato mais aguçado.


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Moreias (ou moreões) são peixes ósseos da família Muraenidae caracterizados por um corpo longo e cilíndrico, similar àquele de cobras. Exibem hábitos noturnos e são predadores que tipicamente caçam peixes e crustáceos em cavidades rochosas, sendo orientados primariamente pelo olfato. A família Muraenidae divide-se em duas subfamílias, a Muraeninae e a Uropterygiinae, de acordo com a ausência e presença de musculatura hipobranquial no primeiro e no último, respectivamente. Além disso, os peixes da subfamília Uropterygiinae possuem dorsais e nadadeiras anais muito curtos que são restritos à porção posterior da região caudal. 


A maioria das moreias na subfamília Uropterygiinae são espécies de relativo pequeno porte (<80 cm) que habitam solitariamente águas rasas (<60 metros), e que geralmente possuem um padrão de coloração ou reticulado (constituído de manchas pálidas similares a flocos de neve) ou uniformemente amarronzado, dificultando a identificação e levando a uma alta subestimação de diversidade. Comparado com as 188 espécies válidas (22 foram descritas na última década) na subfamília Muraeninae, existem apenas 36 espécies conhecidas dentro da Uropterygiinae, e a última descrita foi há mais de 10 anos. Do total de espécies descritas na subfamília Uropterygiinae, 21 pertencem ao gênero Uropterygius.


Agora, no periódico Raffles Bulletin of Zoology (Ref.1), pesquisadores reportaram e descreveram mais uma espécie do gênero Uropterygius (U. cyamommatus), caracterizada a partir de 4 espécimes capturadas em duas cavernas Australianas da Ilha Christmas e de uma caverna Filipina na Ilha de Panglao, em Bohol. As capturas foram feitas através de armadilhas com iscas colocadas em camadas superiores das cavernas com águas de baixa salinidade. A nova espécie descrita exibe olhos muito pequenos, uma cauda relativamente longa e um relativo grande número de vértebras - esse último fenótipo tornando o U. cyamommatus distinto de todas as outras espécies do mesmo gênero (Fig.2). Os espécimes capturados exibiam comprimento corporal total variando de 29,1 a 35,2 cm.


Figura 2. Em (A), um macho de Uropterygius cyamommatus com pouco mais de 36 cm de comprimento. A seta branca indica a posição do ânus. Em (B), radiografia mostrando a estrutura esquelética de uma fêmea de >35 cm; seta branca indicando o ânus. O número total de vértebras entre os espécimes analisados variou de 141 a 149. Ref.1

Mas o mais interessante é que dois espécimes de U. cyamommatus - um macho e uma fêmea - tinham olhos reduzidos e embebidos na pele (Fig.1), ou seja, na prática, disfuncionais. Várias das quase 300 espécies de peixes que habitam cavernas perderam completamente seus olhos (!), mas a natureza "ciclope" do U. cyamommatus é anômala, apontando um possível processo em andamento de evolução convergente de perda ocular. Os próprios olhos muito reduzidos na espécie já sugerem uma adaptação a ambientes afóticos ou de baixa luminosidade, talvez em favor de um olfato ainda mais aguçado.


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(!) Esse tipo de processo - apelidado de "regressão evolutiva" - resulta tipicamente em estruturas vestigiais. Para mais informações: Quais as evidências da evolução biológica?

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Há muito tempo, os ancestrais mais próximos do U. cyamommatus provavelmente precisavam dos olhos para caçar e detectar predadores. Mas após ocupação do ambiente de cavernas caracterizado por intensa escuridão e turbulência, olhos se tornaram desnecessários - e um alto custo também desnecessário para o corpo. Sem pressão seletiva para manter olhos funcionais, mutações e/ou mecanismos epigenéticos de desativação de genes começaram a atuar, reduzindo os olhos e, eventualmente, tornando um dos olhos [esquerdo, no caso] disfuncionais em parte significativa da população.


REFERÊNCIAS

  1. Huang et al. (2023). Uropterygius cyamommatus, a new moray eel (Anguilliformes: Muraenidae) from anchialine caves in Christmas Island, Australia, and Panglao Island, the Philippines. Raffles Bulletin of Zoology 71: 268-278. https://doi.org/10.26107/RBZ-2023-0021
  2. https://www.science.org/content/article/cave-dwelling-eel-going-blind-losing-one-eye-time
  3. https://www.scielo.br/j/bn/a/gKjCDDtzbrXqsBW4vB4zTVg/

Cientistas podem estar flagrando um processo evolutivo de perda de visão em um peixe de caverna Cientistas podem estar flagrando um processo evolutivo de perda de visão em um peixe de caverna Reviewed by Saber Atualizado on maio 27, 2023 Rating: 5

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