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Formigas-loucas quebram uma regra reprodutiva: todos os machos são quimeras haploides!

Figura 1. Formigas-loucas amarelas trabalhadoras. Foto: Science/Divulgação
 

A formiga-louca amarela (Anoplolepis gracilipes) é uma das mais danosas espécies invasivas de formigas ao redor do mundo. Altamente adaptável a novos ambientes, essa espécie é geralmente encontrada entre as latitudes de 27° N e 27° S na Ásia, apesar de ter sido introduzida efetivamente em outros continentes. A invasão pela A. gracilipes possui sérias e diversas consequências ecológicas, especialmente para invertebrados, vertebrados e comunidades de plantas nativas, alterando as funções e dinâmicas ecossistêmicas. E um dos mecanismos de sucesso invasivo dessa espécie parece ter sido revelado em um estudo publicado hoje na Science (Ref.1). 


No estudo, os pesquisadores revelaram que todos os adultos machos da A. gracilipes são quimeras haploides. Diferente de outros seres multicelulares que se formam a partir de divisões de uma única célula-ovo com um único material genético, os machos dessa formiga obrigatoriamente se desenvolvem de divisões independentes de células com material genético ou "paterno" ou "materno", criando uma coleção de células geneticamente distintas no indivíduo. Essa anômala estratégia reprodutiva pode ter otimizado a natureza invasiva dessa formiga.


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"É um traço biológico sem paralelo até onde sabemos," disse em entrevista o Dr. Daniel Kronauer, um biólogo da Universidade de Rockefeller, EUA, comentando sobre o novo achado (Ref.1).


FORMIGAS-LOUCAS AMARELAS


A formiga-louca amarela (A. gracilipes) está entre as 100 espécies mais invasivas conhecidas (Ref.3). Essa espécie é amplamente distribuída e têm sido dispersa globalmente através de vários caminhos humano-mediados - colonizando em especial regiões na Ásia e na Oceania. Por causa dos seus hábitos agressivos de coleta de alimento e grandes números populacionais, a A. gracilipes gera efeitos deletérios na biodiversidade e no ecossistema das regiões invadidas, especialmente nas comunidades de invertebrados e de pequenos vertebrados nativos, e acaba alterando fundamentalmente a estrutura, composição, dinâmicas e função ecossistêmicas naturais. Nas áreas urbanas Asiáticas de clima tropical, a A. gracilipes é considerada uma peste.


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> Na Ilha do Natal, um território Australiano no sul de Java, as formigas-loucas amarelas dizimaram populações de caranguejos-vermelhos (Gecarcoidea natalis), os quais são endêmicos da região.


> Importante apontar que nem todos os impactos ecológicos da A. gracilipes em novos territórios são negativos. A espécie também possui potencial como controle biológico em agroecossistemas, especialmente contra insetos considerados pragas em plantações.

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De origem evolutiva provavelmente no Sudeste Asiático, as formigas trabalhadoras dessa espécie possuem um longo corpo fino com 4-5 mm de comprimento, coloração amarelo-amarronzada (às vezes vermelho-amarronzada) e com um abdômen mais escuro, e são incapazes de ferroar. No ventre desses insetos, um poro estrutural permite a liberação de ácido fórmico na forma de spray como mecanismo de defesa. As pernas e antenas são notavelmente longas; as antenas possuem 11 segmentos. As mandíbulas possuem 8 dentes. Quando perturbadas, as trabalhadores se movimentam rapidamente e erraticamente - daí o nome popular "formigas-loucas".


A. gracilipes exibe atividade de coleta de alimento dia e noite em temperaturas entre 21°C e 35°C, com um pico de atividade na faixa de 26-30°C. As atividades de coleta de alimento cessam a temperaturas muito altas (~44°C) e durante períodos de forte chuva e de fortes ventos. A dieta é onívora, e inclui sementes, vegetação, matéria vegetal em decomposição e pequenos animais. Depende de néctar das plantas, frutas, secreções adocicadas em estruturas vegetais e insetos conhecidos como cochonilhas-farinhentas (família Pseudococcidae) para a obtenção de carboidratos. Recursos ricos em açúcares resultam em grandes colônias de formigas-loucas amarelas, altas taxas de reprodução e de sobrevivência das trabalhadoras, e elevada agressão contra oponentes.


Construindo ninhos em locais diversos, desde debaixo de pedras até dentro de estruturas ocas em árvores, o ciclo de vida da A. gracilipes varia na faixa de 54-74 dias (ovos: 18-20 dias; larva de trabalhadoras: 16-20 dias; pupa de trabalhadoras: 20 dias; pupa da rainha: 30-34 dias). Trabalhadoras vivem por ~3 meses, e as rainhas vivem por 4 a 5 meses. A rainha pode produzir até 2,25 mil ovos, geralmente sendo produzidos pouco antes ou pouco depois de temporadas chuvosas. Trabalhadoras também retêm seus ovários e são capazes de produzir ovos; ovos tróficos produzidos pelas trabalhadoras são primariamente utilizados como alimento na colônia. Em cada colônia, podem existir até 320 rainhas e uma média de quase 3,8 mil trabalhadoras. Supercolônias podem ocupar >30% de uma floresta úmida de 10 mil hectares, somando >2 mil formigas por metro quadrado e uma biomassa de 1,85 kg/m2 - somando um total estimado de 5-20 milhões de formigas por hectare. A taxa de expansão das fronteiras de uma supercolônia é de 12 até 402 metros por ano.


A habilidade das formigas-loucas amarelas de formarem supercolônias permite que mais recursos sejam investidos na coleta de alimentos e maior vantagem competindo com outros animais nativos (ex.: formigas nativas). Além disso, distintas supercolônias dividindo recursos de uma mesma região frequentemente não exibem agressividade entre si após estabelecimento invasivo, aumentando a agressividade contra outras espécies.


Porém, até o momento, os mecanismos reprodutivos da A. gracilipes a nível genético permaneciam pouco esclarecidos. Isso em especial devido à aparente presença de uma alta e inesperada proporção de machos diploides (células com os materiais genéticos somados de linhagens distintas) e taxa heterozigótica extremamente alta entre as formigas trabalhadoras. Na maioria das espécies de formigas, machos se desenvolvem de ovos não-fertilizados e, portanto, possuem uma única cópia genômica. Algumas espécies de formigas ocasionalmente produzem machos 'diploides' com duas cópias genômicas, mas geralmente são estéreis. Estudos desde 2007 já vinham apontando um anômalo sistema reprodutivo na A. gracilipes (Ref.4).


NOVO ESTUDO


Para esclarecer a "loucura" genética nas formigas-loucas amarelas, o biólogo evolucionário Dr. Hugo Darras, da Universidade Johannes Gutenberg, Alemanha, e seu time de pesquisa coletaram centenas de formigas A. gracilipes ao longo do Leste e do Sudeste Asiáticos, e analisaram células individuais dos espécimes coletados. Eles encontraram que as rainhas eram resultado da combinação de gametas masculino (espermatozoide) e feminino (óvulo) da mesma linhagem, chamada R. Trabalhadoras eram híbridos de duas linhagens diferentes (R e W). Em outras palavras, trabalhadoras tinham genomas R/W, enquanto rainhas tinham genomas RR. As trabalhadoras fêmeas carregavam uma cópia de cada linhagem em cada célula do corpo (RW), e eram estéreis.


Os machos, por sua vez, exibiam apenas um conjunto cromossômico nas células somáticas do corpo, ou seja, aparentemente eram haploides assim como machos de várias outras espécies de formigas. Porém, ao longo do corpo dos machos, as células mostraram carregar diferentes linhagens (R ou W). Algumas células carregavam a linhagem presente nas rainhas (R), enquanto outras células carregavam apenas a cópia genômica da linhagem W. Em outras palavras, todos os machos eram quimeras, formados por células com diferentes linhagens (Fig.2). A maioria das célula do corpo dos machos (quase 75%) mostraram carregar o genoma R, enquanto a relação mostrou ser quase inversa nos espermatozoides produzidos por esses machos (~65% com genoma W). 

Figura 2. Machos da A. gracilipes herdam as duas linhagens genômicas, W e R (similar ao nosso sistema de X e Y). Porém, ao invés de ambas as linhagens estarem juntas em todas as células somáticas desses animais, uma ou outra são encontradas em cada célula, e são distribuídas de forma desigual ao longo do corpo. Além disso, a distribuição varia significativamente em cada formiga macho individual. Nas ilustrações acima, cinco machos representativos exibindo variações de células R ou W em diferentes tecidos do corpo. Referência: Darras et al., 2023

Todos os óvulos da rainha na A. gracilipes carregam uma cópia do genoma R. Se o óvulo é fertilizado por um espermatozoide com um genoma R, uma rainha se desenvolve. No entanto, se o óvulo é inseminado com um espermatozoide W, existem duas possibilidades: caso ocorra fusão entre os genomas R e W, uma trabalhadora fêmea diploide se desenvolve; caso não ocorra fusão entre os núcleos genômicos, o óvulo se desenvolve como um macho quimérico, com os gametas masculino e feminino se dividindo de forma independente para criar o indivíduo. Nesse sentido, nos machos (larvas e adultos) parte das células são R e parte são W, e esse quimerismo é obrigatório para o desenvolvimento dos machos.


Esse tipo de quimerismo pode ocorrer em diversas espécies de animais - inclusive em humanos (1) - mas tipicamente é resultante de acidentes na divisão celular dos gametas durante a fertilização. E como as fêmeas trabalhadoras de A. gracilipes são estéreis, apenas os machos são capazes de transmitir a linhagem genômica W. Isso também significa que os genomas R e W são transmitidos de forma independente ao longo das gerações dessa espécie de formiga. As duas linhagens podem ter evoluído de forma independente em duas populações separadas que eventualmente se uniram. Ou ambas as linhagens podem ter iniciado com genes similares que divergiram ao longo do tempo. Atualmente, ambos os genomas estão completamente isolados e não trocam material genético entre si - talvez dois genomas em conflito, mas que às vezes cooperam entre si.


(1) Leitura recomendada: Descrito raríssimo evento em humanos: Bebê (quimera partenogênica) com XX e com XY


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> O novo estudo estabelece as formigas-loucas amarelas como a única espécie conhecida na qual quimerismo determina o sexo (no caso, macho).

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Segundo os autores do estudo, os machos quiméricos podem contribuir para a grande capacidade de invasão dessas formigas. Rainhas possuem órgãos especializados que armazenam espermatozoides de múltiplos machos. Isso significa que uma única rainha armazenando espermatozoides R e W - bem distintos entre si em termos de carga genética - pode iniciar uma nova colônia marcada por grande diversidade genômica e, portanto, alto potencial adaptativo.


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É ainda incerto, porém, por que os núcleos de parte dos espermatozoides falham em fusionar com o genoma dos óvulos, dando origem aos machos quiméricos e mantendo o genoma W isolado e evoluindo de forma totalmente independente. Mais análises genômicas são necessárias para esclarecer o mecanismo molecular por trás do fenômeno. É também incerto se esse sistema reprodutivo pode estar presente em mais espécies de formigas próximo-relacionadas ou não em termos filogenéticos relativo à A. gracilipes.


REFERÊNCIAS

  1. Darras et al. (2023). Obligate chimerism in male yellow crazy ants. Science, Vol 380, Issue 6640, pp. 55-58. https://doi.org/10.1126/science.adf0419
  2. https://www.nature.com/articles/d41586-023-01002-3
  3. Lee & Yang (2022). Biology, Ecology, and Management of the Invasive Longlegged Ant, Anoplolepis gracilipes. Annual Review of Entomology, Vol.67:43-63. https://doi.org/10.1146/annurev-ento-033121-102332
  4. Drescher et al. (2007). Population structure and intraspecific aggression in the invasive ant species Anoplolepis gracilipes in Malaysian Borneo. Molecular Ecology, Volume 16, Issue 7, Pages 1453-1465. https://doi.org/10.1111/j.1365-294X.2007.03260.x

Formigas-loucas quebram uma regra reprodutiva: todos os machos são quimeras haploides! Formigas-loucas quebram uma regra reprodutiva: todos os machos são quimeras haploides! Reviewed by Saber Atualizado on abril 06, 2023 Rating: 5

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