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Cientistas descobrem enzima que transforma ar diretamente em eletricidade

Figura 1. Bactérias da espécie Mycobacterium smegmatis observadas sob microscopia de escaneamento eletrônico.
 

Várias bactérias aeróbicas usam hidrogênio atmosférico (H2) como fonte de energia metabólica, um processo global que regula de forma significativa a composição de gases na atmosfera, sustenta biodiversidade no solo e dirige produção primária em ambientes extremos. Porém, até o momento, cientistas não sabiam muito bem como esses organismos faziam isso, especialmente considerando o ar rico em oxigênio atmosférico (O2). Em um estudo publicado no periódico Nature (Ref.1), pesquisadores Australianos reportaram a descoberta de uma enzima derivada dessas bactérias capaz de converter H2 do ar em eletricidade, e de forma altamente eficiente e seletiva. Isso abre caminho para a criação de dispositivos ("baterias orgânicas") que podem ser eletricamente carregados a partir de simples contato com o ar.


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A oxidação do hidrogênio atmosférico pelo solo é um processo biogeoquímico crucial que molda o estado redox da atmosfera. Até recentemente, esse processo era pensado ser abiótico (sem envolvimento de organismos vivos), mas agora a comunidade científica sabe que bactérias aeróbicas diversas de pelo menos nove filos oxidam H2 atmosférico e respondem por 75% - cerca de 60 teragramas (Tg) - do total de H2 removido da atmosfera anualmente. Oxidação atmosférica desse gás fornece energia suplementar em solos limitados em nutrientes, permitindo que as bactérias ou cresçam via mixotrofismo (produzindo seu próprio alimento e consumindo nutrientes no ambiente), ou persistam sustentadas apenas pelo ar atmosférico em um estado dormente mas viável por longos períodos.


Por exemplo, células de bactérias do gênero Mycobacterium e esporos do gênero Streptomyces sobrevivem à escassez de nutrientes através da transferência de elétrons de moléculas de H2 (redutor) para moléculas de O2 (oxidante) em uma cadeia respiratória aeróbica. A habilidade de oxidar H2 atmosférica é amplamente disseminada em bactérias de ambientes diversos, e alguns ecossistemas - como solos polares hiper-áridos - parecem ser alimentados primariamente por fontes atmosféricas de energia.


Porém, enquanto as bactérias conseguem oxidar tranquilamente traços ínfimos de H2 na atmosfera (concentrações tão baixas quanto 0,00005%), nós humanos não conhecemos nenhum catalisador que consegue fazer o mesmo serviço. Um catalisador nesse sentido requereria seletiva oxidação de baixíssimas concentrações de substrato (530 partes por bilhão por volume, ou ppbv) presente em uma atmosfera contendo uma alta concentração (~21%) de O2, um notável veneno catalítico oxidante. Enzimas responsáveis por essa proeza em bactérias têm permanecido enigmáticas.


Recentemente, várias linhagens de enzimas hidrogenases [NiFe] grupos 1 e 2 têm sido identificadas que conseguem extrair elétrons de H2 atmosférico e colocá-los na cadeia respiratória aeróbica. Estudos citológicos têm sugerido que essas enzimas possuem alta afinidade por H2 e parecem ser insensitivas à inibição por O2. Porém, essas hidrogenases não haviam ainda sido isoladas e detalhadamente caracterizadas, e permanecia incerto se de fato essas enzimas evoluíram para seletivamente oxidar H2, tolerar a exposição ao O2 e interagir com a cadeia de transporte de elétrons. Outra dúvida importante era se essas enzimas possuem alta afinidade por H2 isoladamente (algo inerente à estrutura enzimática) ou se a alta afinidade era modulada pelas interações com a cadeia respiratória bacteriana.


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Para esclarecer essas dúvidas, pesquisadores da Universidade de Monash, na Austrália, investigaram a estrutura e os mecanismos moleculares associados à oxidação do H2 atmosférico na bactéria Mycobacterium smegmatis. Essa bactéria possui duas hidrogenases filogenicamente distintas - Huc (grupo 2a) e Hhy (grupo 1h) - que são capazes de oxidar H2 em níveis inclusive sub-atmosféricos. Os pesquisadores focaram a análise na enzima Huc.


Usando avançados métodos analíticos, incluindo microscopia crio-eletrônica (1) e espectrometria de massa, os pesquisadores mostraram que a enzima Huc consiste de três subunidades proteicas: HucL (aproximadamente 58 kDa), HucS-2xStrep (aproximadamente 39 kDa) e uma terceira subunidade (proteína MSMEG_2261) antes desconhecida (aproximadamente 18 kDa). Com uma coloração vermelho-amarronzada, consistente com a presença de múltiplos agrupamentos metálicos, o Huc mostrou-se estável a temperatura ambiente e com uma temperatura de fusão de 78,3ºC. A forma estrutural geral da Huc mostrou-se similar a um trevo de quatro folhas (Fig.2), com o local ativo (catalítico) constituído de níquel e ferro [NiFe].

Figura 2. A enzima Huc forma um oligômero 833 kDa constituídos das subunidades HucS, HucL e HucM. Mapas de densidade produzidos via Cryo-EM do oligômero Huc mostrando seus quatro lobos, cada um contendo dois dímeros HucSL, com quatro subunidades HucM centralmente localizadas.

(1) Leitura recomendadaTécnica revolucionária agora permite ver átomos individuais em uma proteína


Em experimentos eletroquímicos, os pesquisadores testaram a habilidade da enzima Huc purificada de oxidar H2 em concentração de 3 partes em 100 partes por milhão (ppm) associada a ar ambiente (rico em O2). A enzima rapidamente consumiu o H2 até níveis indetectáveis em cromatografia gasosa (~40 ppbv). Análises subsequentes confirmaram a alta afinidade do Huc ao H2 (Km = 129 nM) mesmo em níveis muito baixos de H2 (<31 pM) e fora da célula bacteriana, além da alta tolerância ao O2. Aliás, as análises demonstraram total insensibilidade da enzima ao O2, mesmo em concentrações de ~100%. No caso, o O2 mostrou apenas estimular a oxidação do H2 pelo Huc. 


As análises estruturais indicaram que a insensibilidade ao O2 é devido ao fato dos canais hidrofóbicos de gás da Huc serem muito estreitos, permitindo acesso ao local catalítico [NiFe] apenas ao H2.


Os pesquisadores também mostraram que a enzima Huc transfere elétrons arrancados de moléculas H2 diretamente para o cofator menaquinona, a principal quinona respiratória das micobactérias. Dentro da bactéria, a enzima extrai a menaquinona da membrana plasmática e diretamente se liga a esse composto, reduzindo-o.


Somados, os achados, além de melhor esclarecer como as bactérias no solo oxidam seletivamente e com alta eficiência H2 do ar, suportam que a enzima Huc fornece a base para o desenvolvimento de biocatalisadores capazes de operar sob condições ambientes (temperatura, pressão) e sob exposição do ar atmosférico sem sofrer prejuízos de atividade devido às altas concentrações de O2


"[A enzima Huc] possui impressionante estabilidade. É possível congelar a enzima ou aquecê-la até 80°C, e ainda reter seu poder de gerar energia," disse em entrevista a pesquisadora Ashleigh Kropp, uma das autoras do estudo (Ref.2). "Isso reflete que essa enzima ajuda as bactérias a sobreviver nos mais extremos ambientes."


Basicamente, a Huc é uma "bateria natural" que produz uma corrente elétrica sustentada a partir de hidrogênio gasoso do ar ou artificialmente injetado. Enquanto pesquisas nesse sentido estão em estágio inicial, a descoberta da enzima Huc possui considerável potencial para o desenvolvimento de pequenos dispositivos de energia elétrica alimentados com ar, por exemplo servindo como uma alternativa a painéis solares.


As bactérias que produzem enzimas similares à Huc são comuns e podem ser cultivadas em grandes quantidades, significando fácil acesso a fontes sustentáveis dessas enzimas para produção em escala industrial.


REFERÊNCIAS

  1. Grinter et al. (2023). Structural basis for bacterial energy extraction from atmospheric hydrogen. Nature. https://doi.org/10.1038/s41586-023-05781-7
  2. https://www.monash.edu/news/articles/scientists-discover-enzyme-that-turns-air-into-electricity,-providing-a-new-clean-source-of-energy

Cientistas descobrem enzima que transforma ar diretamente em eletricidade Cientistas descobrem enzima que transforma ar diretamente em eletricidade Reviewed by Saber Atualizado on março 11, 2023 Rating: 5

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