Cientistas anunciam supercondutor viável para aplicação tecnológica [ESTUDO RETRATADO]
Figura 1. Um notável efeito da supercondutividade é o efeito Meissner, permitindo o supercondutor exibir diamagnetismo perfeito e levitar. |
- Atualizado no dia 14 de março de 2023 (!) -
Em um estudo publicado na Nature (Ref.1) (!), pesquisadores reportaram um extraordinário feito e possivelmente um marco histórico no campo tecnológico: supercondutividade em temperatura ambiente e a pressões praticáveis! O material supercondutor em questão - hidreto de lutécio dopado com nitrogênio (LNH) - foi criado sob pressões muito altas. Após dramática redução da pressão e aumento da temperatura, os pesquisadores encontraram evidência de supercondução no material resultante a uma temperatura de 21°C e sob pressão de 1 gigapascal (1 GPa, ou ~10 mil vezes a pressão atmosférica a nível do mar).
(!) ATENÇÃO: O paper foi retratado na Nature. Múltiplos problemas foram apontados no controverso estudo e o autor principal, Ranga Dias, está sob investigação pela sua instituição de pesquisa, Universidade de Rochester, em New York.
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> Lutécio (Lu) é um elemento químico metálico de número atômico 71, e faz parte dos elementos de grande interesse tecnológico chamados de "terras raras". É um metal macio, maleável, dúctil, denso e com brilhante coloração prateada, relativamente estável no ar e prontamente dissolvível em ácidos minerais. Ref.2
> Hidrogênio (H) é predito de exibir supercondutividade a temperaturas altas (ambientes), porém a pressão requerida para tal fase é extremamente elevada e impraticável. Nesse sentido, cientistas têm apostado em materiais combinados com hidrogênio (ex.: hidreto de lutécio) como uma ponte para supercondutividade a pressões muito mais baixas (sub-megabar). Os íons metálicos de lutécio funcionam como doadores especiais de elétrons, melhorando a dissociação das moléculas de H2 e o acoplamento elétron-fônon necessários para a supercondutividade; nitrogênio ou carbono ajudam a estabilizar o material.
> A supercondutividade é um fenômeno no qual elétrons podem se movimentar em certos materiais com zero resistência e expulsão de fluxo magnético nulo (efeito Meissner) (Fig.1). Para mais informações: Qual é a relação entre grafeno e supercondutividade?
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Um material supercondutor conduz eletricidade com resistência zero (!) e possui inúmeras aplicações tecnológicas revolucionárias caso funcione em condições práticas, idealmente a temperaturas e pressões ambientes. O novo estudo pode ter dado um passo extremamente importante nesse sentido, e a pressão para supercondutividade reportada permite muitas aplicações tecnológicas! Apesar de 1 GPa (ou 10 kilobars) parecer à primeira vista uma pressão proibitiva para aplicações práticas, técnicas de alta compressão rotineiramente são usadas na engenharia na produção de chips eletrônicos, onde materiais incorporados são presos juntos por pressões químicas internas que são ainda maiores do que 1 GPa.
"Com esse material, a alvorada da supercondutividade ambiente e tecnologias aplicadas chegou," disse em entrevista o Dr. Ranga Dias, um professor de engenharia mecânica e física na Universidade de Rochester, EUA, e autor principal do estudo (Ref.3).
Cientistas vêm perseguindo esse tipo de avanço no campo de física da matéria condensada há mais de 1 século. Até o momento, supercondutividade têm sido demonstrada em vários materiais, mas sob extremas pressões ou temperaturas extremamente baixas, tornando esses materiais impraticáveis para aplicações tecnológicas. Materiais supercondutores possuem duas propriedades cruciais: resistência elétrica some (ou seja, a robusta perda de energia via interações durante a movimentação do elétron é eliminada) e os campos magnéticos que são expelidos passam ao redor do material supercondutor. Tais materiais podem permitir:
- Estações de energia que transmitem eletricidade sem a perda de até 200 milhões de megawatt-horas (MWh) da energia que ocorre devido à resistência nos fios;
- Trens de altíssima velocidade sem fricção e sob levitação, que podem se movimentar e transportar passageiros praticamente sem gasto de energia;
- Eletrônicos muito mais rápidos e mais eficientes para dispositivos digitais lógicos e de memória;
- Fusão nuclear efetiva e muito eficiente em sistemas de confinamento magnético (ex.: Tokamak), oferecendo ilimitada fonte de energia
O supercondutor LNH foi criado a partir de uma mistura de 99% de hidrogênio e 1% de nitrogênio, a qual foi então colocada em uma câmara de reação com uma amostra pura de lutécio. Os componentes foram deixados reagir por 2-3 dias a uma temperatura de 200°C. O composto L-N-H resultante exibe inicialmente uma cor "azulada lustrosa", mas após ser comprimido entre dois diamantes a elevadas pressões, uma transformação ocorre: a coloração passa de azulada para rosa na fase da supercondutividade, e então para um vermelho brilhante no estado metálico sem supercondução e sob maior pressão (Fig.2).
Figura 2. Supercondutor LNH durante compressão a 3 quilobar passando de azul para rosa (A) e durante compressão acima de 32 kbar (B). |
Os pesquisadores acreditam que o LNH já pode ser potencialmente usado no desenvolvimento de reatores de fusão nuclear, produzindo colossais campos magnéticos a temperatura ambiente com um gasto energético dramaticamente menor. E com a demonstração de supercondutividade prática, eles também apostam que algoritmos de máquinas de aprendizado podem ser usados para encontrar uma ótima combinação de terras raras, nitrogênio, hidrogênio e carbono para a produção de materiais supercondutores ainda mais estáveis, economicamente mais vantajosos e que funcionam a pressões ainda mais baixas.
O time de pesquisa responsável pela criação do supercondutor LNH agora planeja construir um ambicioso Centro para Inovação de Supercondutividade (CSI) na Universidade de Rochester, New York, visando atrair mais cientistas e recursos para o aperfeiçoamento da tecnologia de supercondução e desenvolvimento de métodos para a produção em escala industrial de supercondutores.
> RELEVANTE: Um reporte prévio de supercondutividade a temperatura ambiente pelo mesmo grupo de pesquisa liderado pelo Dr. Ranga Dias, também publicado na Nature em 2020 mas envolvendo outro material candidato a supercondutor, havia sido recentemente retratado após identificação de falhas no estudo. Dessa vez, os pesquisadores tiveram maior cuidado ao coletar e analisar os dados e também convidaram outros cientistas para demonstrações e análise dos experimentos. Certamente a Nature também tomou maior cuidado durante a revisão de pares para aceitar a publicação. De qualquer forma, outros grupos independentes de pesquisa ainda precisam reproduzir a alegação no novo estudo e alguns cientistas ainda estão céticos (Ref.4).
REFERÊNCIAS
- Dias et al. (2023). Evidence of near-ambient superconductivity in a N-doped lutetium hydride. Nature 615, 244–250. https://doi.org/10.1038/s41586-023-05742-0
- https://link.springer.com/referenceworkentry/10.1007/978-3-319-39193-9_118-1
- https://www.rochester.edu/newscenter/highest-temperature-superconducting-materials-metals-reddmatter-551382/
- https://www.quantamagazine.org/room-temperature-superconductor-discovery-meets-with-resistance-20230308/