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Vírus de coelho evoluiu maior letalidade ao longo do tempo, conclui estudo

Tornou-se bastante enraizada a ideia de que patógenos diversos, especialmente vírus e bactérias, se tornam sempre menos virulentos (ou menos perigosos) ao longo do tempo à medida que se tornam endêmicos dentro de uma população. Em outras palavras, a co-evolução entre organismos sendo infectados e organismos infecciosos tenderia sempre a uma convivência harmoniosa no sentido de garantir máxima sobrevivência para ambos os lados. Porém, isso não é uma regra, e novas cepas de microrganismos patogênicos podem ser favorecidas no processo evolutivo independentemente da virulência contando que traços positivos de transmissibilidade sejam garantidos. Nesse caminho, um estudo conduzido por pesquisadores da Penn State e da Universidade de Sidney revelou que um vírus de coelho - chamado mixoma - acabou se tornando mais letal ao longo do tempo. O achado reforça o alerta para não ignorarmos vírus humanos em grande circulação como o SARS-CoV-2 e o monkeypox.


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"Durante a pandemia da COVID-19, várias pessoas incorretamente assumiram que à medida que o SARS-CoV-2 se tornasse endêmico, esse vírus também se tornaria menos virulento," disse o autor principal do estudo, Dr. Andrew F. Read, em uma entrevista para o jornal da Penn State (Ref.1). "No entanto, nós sabemos que a variante Delta era mais contagiosa e causava uma doença mais severa do que a cepa original do vírus, e a Ômicron é ainda mais transmissível do que a Delta. Nosso estudo mostra que um vírus de coelho evoluiu para se tornar mais letal, e não existe razão do porquê isso não poderia acontecer com o SARS-CoV-2 ou outros vírus que afetam humanos."


HISTÓRIA (Mixoma


O mixoma é um vírus de cadeia dupla de DNA do gênero Leporipoxvirus (Poxviridae). Esse vírus provavelmente se originou nas Américas, em espécies de lagomorfos do gênero Sylvilagus similares a coelhos e conhecidos aqui no Brasil como tapitis. Apesar de aparentemente inofensivo nos seus hospedeiros naturais, no coelho Europeu (Oryctolagus cuniculus) o mixoma causa uma doença letal e generalizada, chamada de mixomatose. Ao redor de 1910, o mixoma foi isolado no Brasil e, em 1950, esse isolado foi experimentalmente liberado na Austrália para se determinar seu potencial como controle biológico visando populações de coelhos Europeus introduzidos no país. Os resultados do experimento excederam todas as expectativas, com o vírus se espalhando ao longo de extensas partes do sudeste Australiano e matando de dezenas a centenas de milhões de coelhos dentro de poucos meses. O vírus era altamente virulento nesse período inicial, com taxa de mortalidade de 99,8%.


Em 1952, após o experimento de sucesso na Austrália, um proprietário de terras na França inoculou dois coelhos selvagens com mixoma isolado no Brasil em 1949. O vírus se espalhou a partir dessa introdução ao longo do continente Europeu em coelhos selvagens e domesticados. Tanto na Austrália quanto na Europa, o mixoma é parte permanente agora do ambiente habitado por coelhos. 


O caminho evolucionário do vírus em ambos os continentes (Europeu e Australiano) foi extremamente similar, com seleção natural favorecendo vírus moderadamente atenuados ao longo do tempo, resultando em variantes virais dominantes associadas com taxas de mortalidade de 60 a 95%. Esse caso ainda hoje é um clássico exemplo explorado em livros acadêmicos para evolução de virulência reduzida - a qual ficou conhecida na época como "Lei do Declínio de Virulência", sugerindo um processo 'obrigatório' e inevitável na co-evolução patógeno-hospedeiro.


DOENÇA (Mixomatose)


Seguindo inoculação intradérmica, o mixoma começa a se replicar localmente induzindo hiperplasia, hipertrofia e degeneração de células epidérmicas junto com massiva disrupção da derme e de pequenos vasos sanguíneos e deposição de grandes quantidades de material mucoso. Essa lesão primária pode crescer até 3 a 5 cm em diâmetro e alguns centímetros de altura. Dentro de 48 horas, o vírus pode ser detectado nos nódulos linfáticos, onde se replica de forma robusta e induz destruição de linfócitos e proliferação de células estromais. Segue o quadro infecção generalizada, provavelmente espalhada por linfócitos infectados. 


As manifestações clínicas mais aparentes da mixomatose (causadas pelas cepas originais do vírus) são resultado da replicação viral em locais cutâneos e mucosas como as pálpebras, passagens nasais, a base das orelhas e a região anal-genital. Isso leva a uma cabeça inchada e pálpebras inchadas e duras com copiosas quantidades de secreções mucoides a mucopurulentas, junto com orelhas inchadas e caídas e oclusão do trato respiratório superior, frequentemente com secreção mucopurulenta saindo das narinas, e uma região anal-genital massivamente inchada e vermelha/preta; em machos, edema escrotal é proeminente. A localização do vírus na pele leva a lesões secundárias discretas sobre as pernas, cabeça, orelhas e corpo, começando ao redor de 6 dias após a infecção.


O vírus é profundamente imunossupressor, codificando múltiplas proteínas que suprimem ou subvertem a resposta imune do hospedeiro. Morte tipicamente ocorre 10 a 15 dias após a infecção. Embora exista infecção bacteriana oportunista, é ainda pouco esclarecida a causa final de morte. Variantes mais atenuadas do mixoma exibem uma doença com um curso mais prolongado, com um significativo número de coelhos sendo capazes de controlar a replicação viral e se recuperar.


A transmissão do mixoma é predominantemente feita através de mosquitos ou pulgas que sugam o sangue em regiões com alta carga viral e levam o vírus para outros coelhos. A eficiência da transmissão depende de alta concentração viral no local de picada e dos coelhos sobreviverem tempo o suficiente para permitir a transmissão do vírus (aumentar a chance dos artrópodes citados picarem os coelhos e regiões favoráveis ao vírus). Nesse sentido, variantes virais permitindo um maior curso da doença naturalmente estão associadas com maior chance de transmissão e acabam sendo selecionadas no processo evolutivo.


Nesse último ponto, várias variantes do mixoma evoluíram ao longo do tempo, e são divididas de acordo com o grau de virulência (tabela abaixo). Grau I de virulência representa o vírus original com taxa de letalidade de praticamente 100% e curso da doença igual ou inferior a 13 dias, enquanto variantes de Grau V matam menos de 50% dos coelhos Europeus infectados. Mais tarde, os vírus de Grau III foram subdivididos em Grau IIIA e Grau IIIB. Entre 1951 e 1980, a maioria dos vírus foram classificados como Grau III, com taxa de letalidade de 60 a 95% e curso da doença de 17 a 28 dias. Essas variantes também mostraram estar associadas com manifestações patológicas distintas, como lesão primária achatada comparado com a lesão elevada do vírus original; na Europa, coelhos domésticos inclusive passaram a manifestar uma doença sem as típicas lesões cutâneas nodulares.



Resistência à mixomatose emergiu muito rápido entre os coelhos Australianos na década de 1950, apesar de forma desigual ao longo do continente, sendo mais intensa em regiões áridas e quentes e mais mais fraca em áreas úmidas e frias. Essa pressão seletiva muito alta provavelmente foi devido ao fato da maioria dos coelhos infectados e debilitados ter sido removida por predadores. Resistência parece ter aparecido mais lentamente na Grã-Bretanha, mas, uma vez estabelecida, parece ter se espalhado rápido. Evidências genéticas apontam que mutações selecionadas nas populações de coelhos na Austrália e na Europa envolvem genes associados à resposta imune inata, apesar de mecanismos específicos permanecerem pouco esclarecidos. Porém, mutações de resistência no grande genoma viral do mixoma (~160000 bp) não são compartilhadas entre as variantes Europeias e Australianas, sugerindo que múltiplos caminhos genéticos levam ao mesmo fenótipo de adaptação imune.


Essa resistência ao mixoma pode ser superada por variantes mais virulentas, e isso provavelmente explicar porque a variante de Grau III tornou-se prevalente no meio selvagem, e não a variante de Grau IV ou Grau V. 


NOVO ESTUDO


Read e seu time de pesquisa começaram a estudar o mixoma em coelhos em 2014, encontrando evidência que o vírus tinha reganhado maior virulência e matando novamente coelhas a uma taxa mais alta. No novo estudo, publicado recentemente no periódico Journal of Virology (Ref.2), os pesquisadores analisaram em laboratório várias variantes do mixoma coletadas entre 2012 e 2015 para determinar a virulência de cada uma. Eles determinaram que as variantes podiam ser agrupadas em três linhagens: a, b e c. 


Confirmando e caracterizando os novos fenótipos da doença associados às novas variantes, os pesquisadores sugeriram que as lesões mais achatadas em infecções com as linhagens b e c espelhavam uma falta de resposta imune reduzida, e estavam ligadas a significativamente mais bactérias distribuídas ao longo de múltiplos tecidos - consistente com uma imunossupressão mais intensa. A linhagem b, no geral, mostrou ser significativamente mais virulenta do que variantes atenuadas prévias e dominantes.


Enquanto isso, a linhagem c mostrou produzir respostas patológicas diferentes nos coelhos. Os animais infectados com essa linhagem tinham significativamente mais inchaço na base das orelhas e ao redor das pálpebras, onde mosquitos tipicamente picam; essas áreas também exibiam quantidades extremamente altas de vírus. Como a transmissibilidade por insetos é dependente de alta quantidade de vírus nos locais acessíveis aos vetores, os pesquisadores propuseram que a linhagem viral c foi capaz de aumentar o potencial de disseminação ao suprimir com mais intensidade as respostas inflamatórias nas regiões de picada e permitindo persistente replicação viral em grande quantidade.  


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Os resultados do estudo demonstram que os vírus nem sempre evoluem para se tornarem cada vez menos virulentos. Se novos traços implicarem em maior virulência mas permitirem maior disseminação viral, esses traços serão selecionados. Mutações em vírus favorecendo disseminação ao suprimir respostas imunes podem também aumentar virulência. 


No caso do mixoma, as linhagens a-c parecem ter adquirido mutações aumentando virulência e contra resposta inflamatória; na linhagem c, redução da resposta inflamatória nas lesões cutâneas parece otimizar a transmissibilidade nos coelhos selvagens resistentes ao vírus original. Além disso, diferente do vírus original cuja infecção leva à formação de casca sobre as lesões cutâneas (limitando o acesso dos vetores ao vírus), nas linhagens a, b e c essa característica não é manifestada. Por fim, em áreas geográficas com alta prevalência de resistência dos coelhos contra o mixoma, o vírus mostrou evoluir com tendência para o Grau II de virulência, ou seja, ficando mais virulento do que as as variantes de Grau III historicamente dominantes. 


REFERÊNCIA

  1. https://www.psu.edu/news/research/story/rabbit-virus-has-evolved-become-more-deadly-new-research-finds
  2. Read et al. (2022). Divergent Evolutionary Pathways of Myxoma Virus in Australia: Virulence Phenotypes in Susceptible and Partially Resistant Rabbits Indicate Possible Selection for Transmissibility. Journal of Virology. https://doi.org/10.1128/jvi.00886-22

Vírus de coelho evoluiu maior letalidade ao longo do tempo, conclui estudo Vírus de coelho evoluiu maior letalidade ao longo do tempo, conclui estudo Reviewed by Saber Atualizado on outubro 27, 2022 Rating: 5

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