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Primeiro mapa estelar conhecido foi encontrado escondido em um pergaminho Medieval


Em um estudo publicado ontem no periódico Journal for the History of Astronomy (Ref.1), pesquisadores reportaram uma descoberta fantástica e de extrema importância na história da ciência. Um pergaminho medieval de um monastério no Egito, sobrescrito com textos Cristãos, revelou o que parece ser parte de um catálogo estelar há muito tempo perdido e procurado, de autoria do famoso astrônomo Grego Hiparco. Acredita-se que esse catálogo é a mais antiga tentativa conhecida de mapear todo o céu, e o achado ilumina um crucial momento no nascimento da ciência, quando astrônomos pararam de simplesmente descrever os padrões observados no céu e começaram a medi-los e predizê-los.


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Hiparco de Nicea (190-120 a.C.) foi talvez o maior astrônomo da Antiguidade. Ele registrou uma grande quantidade de observações que resultaram na construção de um robusto catálogo de estrelas. Ele percebeu, ao comparar dados de diferentes épocas, que as estrelas ao longo dos anos se deslocavam com respeito ao ponto vernal. O ponto vernal corresponde ao ponto pelo qual o Sol passa quando atravessa o equador celeste nos equinócios. Isto permitiu a Hiparco descobrir o fenômeno da precessão dos equinócios (1). Hiparco também foi um grande inventor de instrumentos astronômicos, e entre várias das suas invenções, podemos citar que ele aperfeiçoou o astrolábio e inventou o dioptro.


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(1) No contexto geocêntrico da época, Hiparco deve ter interpretado a precessão como um movimento do eixo da esfera celeste e não do eixo de rotação da Terra, pois, na concepção antiga, a Terra não se movimentava.

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O Catálogo Estelar de Hiparco - o qual acabou se perdendo ao longo dos séculos e milênios - é famoso na história da ciência como a mais antiga tentativa conhecida de registrar de forma acurada coordenadas de vários objetos celestiais observáveis a olho nu. No entanto, evidência direta do conteúdo desse catálogo é escasso, e o único trabalho ainda preservado de Hiparco é o Comentário sobre Phaenomena ("Aparências"), uma discussão de escritos prévios sobre astronomia posicional feitos por Eudoxo de Cnido e Arato de Solos. Apenas algumas poucas referências por autores posteriores refletem coordenadas estelares associadas a Hiparco - as quais são encontradas principalmente no texto Aratus Latinus, uma tradução em Latim do prestigiado poema astronômico de Arato, Phaenomena - escrito no século III a.C. e descrevendo constelações -, e materiais relacionados.


Até o momento, o único catálogo estelar que sobreviveu da antiguidade foi um compilado pelo astrônomo Claudio Ptolomeu, no século II d.C., em Alexandria, Egito, e conhecido como Almagesto. Provavelmente escrito em ~150 d.C., esse compilado é um dos textos científicos mais influentes da história, reunindo conhecimento astronômico dos gregos desenvolvido até o século II d.C, e estabelecendo um modelo matemático do Cosmo - com a Terra em seu centro - que foi aceito por mais de 1200 anos. Ptolomeu também forneceu as coordenadas e magnitudes de mais de 1000 estrelas.


No entanto, é mencionado várias vezes em fontes antigas que a pessoa que primeiro mediu as estrelas foi Hiparco, o qual trabalhou na ilha Grega de Rodes, três séculos antes, aproximadamente entre 190 e 120 a.C. Nesse sentido, acadêmicos têm procurado pelo catálogo de Hiparco por séculos.


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No novo estudo, pesquisadores descreveram e destrincharam um manuscrito oriundo do Monastério Grego Ortodoxo de Santa Catarina (Fig.2), na península do Sinai, Egito, e com a maioria das suas 146 folhas, ou fólios, hoje em posse do Museu da Bíblia, em Washington, EUA. As páginas desse manuscrito continham o Códex Climaci Rescriptus, uma coleção de textos Siríacos escritos no século X ou XI d.C. Análise superficial desse códex revelou a primeira surpresa: as páginas eram reusadas, com escrituras prévias nos fólios apagadas para novas escrituras. E a segunda surpresa: ao invés de conter mais textos Cristãos, investigação mais detalhada com técnicas fotoanalíticas multi-espectrais e algoritmos computacionais revelou conteúdo astronômico e bem mais antigo.

 


Nove fólios do códex continham material astronômico, provavelmente transcrito nos séculos V ou VI d.C., de acordo com datação de radiocarbono e análise do estilo de escrita. O material englobava mitos sobre origem estelar de Eratóstenes (2), partes do poema Phaenomena e também coordenadas estelares. Essas coordenadas se estendiam por cerca de 1 página, e faziam referência ao comprimento e largura em graus da constelação Corona Borealis (ou a Coroa do Norte), dando o posicionamento para as estrelas no seu extremo norte, sul, leste e oeste.

 


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(2) Eratóstenes de Cirene (~276-195/194 a.C.) foi um Antigo Grego matemático, geógrafo, poeta, astrônomo e teórico de música, famoso por calcular com alta precisão a circunferência da Terra há mais de 2,2 mil anos. Para mais informações, acesse: O Grego que calculou a circunferência da Terra com quase perfeição há mais de 2200 anos 

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Em uma das partes do texto oculto (não mostrada na Fig.3) pode ser lido: "Ὁ στέφανος ἐν τῷ βορείῳ ἡμισφαιρίῳ κείμενος κατὰ μῆκος μὲν ἐπέχει μ̊ θ̅ καὶ δ̅ ́ ἀπὸ τῆς α̅ μ̊ τοῦ σκορπίου ἕως ι̅ <καὶ> δ̅ ́ μ̊ τοῦ αὐτοῦ ζῳδίου. Κατὰ πλάτος δ᾽ ἐπέχει μ̊ ς̅ C καὶ δ̅ ́ ἀπὸ μ̅θ̅ μ̊ ἀπὸ τοῦ βορείου πόλου ἕως μ̊ ν̅ε̅ C καὶ δ̅ ́". Esse trecho pode ser traduzido como: "Corona Borealis, estabelecida no hemisfério norte, em comprimento se estendendo 9°1/4 do primeiro grau de Escorpião até 10°1/4 no mesmo sinal zodíaco [ex.: em Escorpião]. Em largura, essa constelação se estende 6°3/4 de 49° do Polo Norte até 55°3/4."


Segundo o estudo, várias linhas de evidência apontam Hiparco como a fonte dessas escritas, começando com o modo idiossincrático pelo qual os dados são expressos. E, crucialmente, a precisão das medidas astronômicas registradas permitiram que os pesquisadores datassem as observações. Com base no fenômeno de precessão - no qual a Terra lentamente balança sobre o seu eixo cerca de 1° a cada 72 anos - eles concluíram que as coordenadas no códex foram estabelecidas em torno do ano 129 a.C. - época quando Hiparco estava trabalhando.


Muitos acreditam que Ptolomeu apenas se apropriou dos trabalhos de Hiparco, compilando e divulgando as descobertas do seu predecessor. Os pesquisadores no estudo encontraram que Ptolomeu não se baseou somente nos dados de Hiparco - provavelmente múltiplas fontes e suas próprias observações -, mas que deveria ter o feito: a evidência numérica disponível no códex sobre a Corona Borealis é consistente com uma acuracidade dentro de 1° das reais coordenadas estelares atualmente estabelecidas, o que tornaria Hiparco significativamente mais acurado do que o seu sucessor. Essa alta acuracidade também corrobora outras fontes indiretas do trabalho de Hiparco. Além disso, enquanto Ptolomeu usava um sistema de coordenadas eclípticas, Hiparco usava coordenadas equatoriais, um sistema mas comum em mapas estelares modernos (baseados no equador celestial).

 

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Hiparco é considerado uma figura crucial na transformação da astronomia em uma ciência preditiva, inclusive criticando astrônomos predecessores por fazerem pouco caso sobre acuracidade numérica em suas visões de órbitas e esferas celestiais. Acredita-se que Hiparco foi inspirado pelo seu contato com astrônomos Babilônicos, tendo acesso a séculos de observações muito precisas. Devido às crenças religiosas dos Babilônios - baseadas em profecias celestiais - esse povo investia pesado em observações astronômicas e modelos matemáticos para prever com a máxima exatidão possível o momento de eventos como eclipses lunares e solares. Hiparco teria unido os progressos Babilônicos com a geometria Grega, permitindo o nascimento da astronomia moderna e abrindo uma porta importante para a "matematização da natureza" e o desenvolvimento científico da civilização Ocidental.


As escrituras ocultas no códex Climaci Rescriptus reforçam a genialidade de Hiparco e a sua obsessão com a acuracidade das medidas astronômicas.


Nesse último ponto, várias partes do códex com potencial material astronômico oculto ainda não foram decifradas. Além disso, é possível que outras páginas do catálogo estelar tenham sobrevivido na biblioteca do Monastério de Santa Catarina. Investigações futuras podem render mais detalhes dos trabalhos de Hiparco.


REFERÊNCIAS

  1. Gysembergh et al. (2022). New evidence for Hipparchus’ Star Catalogue revealed by multispectral imaging. Journal for the History of Astronomy, Volume 53, Issue 4. https://doi.org/10.1177/00218286221128289
  2. Velásquez-Toribio & Oliveira (2020). Discutindo o modelo de Ptolomeu e sua equivalência com o modelo de Copérnico. Revista Brasileira de Ensino de Física, 42. https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2019-0293
  3. https://www.nature.com/articles/d41586-022-03296-1

Primeiro mapa estelar conhecido foi encontrado escondido em um pergaminho Medieval Primeiro mapa estelar conhecido foi encontrado escondido em um pergaminho Medieval Reviewed by Saber Atualizado on outubro 19, 2022 Rating: 5

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