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Pescador pré-histórico morreu ao se afogar no mar, conclui estudo arqueológico pioneiro


Um recente estudo publicado no periódico Journal of Archaeological Science (Ref.1) confirmou que afogamento foi a causa de morte de um indivíduo do sexo masculino cujo esqueleto foi desenterrado na costa do Chile (Deserto do Atacama) - junto a vários outros esqueletos - e datado do Neolítico há cerca de 5 mil anos. A vítima era um caçador-coletor com idade entre 35 e 45 anos, e evidências ósseas e arqueológicas apontam que era um pescador.


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Quando um patologista forense lida com um corpo recuperado da água, é frequentemente difícil determinar a causa da morte, especialmente distinguir entre afogamento e outros potenciais agentes causais (ex.: assassinato seguido de disposição do cadáver em um corpo d'água). Um cadáver fresco de uma vítima de afogamento geralmente exibe alguns significativos sinais como pele pálida e espuma na boca e nas narinas, além de potenciais achados relevantes na necrópsia como distensão ventricular direita, espuma na traqueia, material estranho no espaço alveolar, e  hemorragia, edema e congestão pulmonares. No entanto, esses sinais post mortem (pós-morte) desaparecem ou se tornam incertos com a acelerada decomposição e ataques de animais diversos (ex.: peixes, vermes, etc.) que ocorrem quando um corpo é imerso em um ambiente aquático por um longo tempo, dificultando a identificação da causa de morte.


Na ciência forense moderna, é possível determinar com alta confiança a causa de morte por afogamento ao se confirmar a presença de diatomáceas (um grupo diverso de algas unicelulares) dentro dos ossos e outros órgãos das vítimas. Isso porque se a pessoa tivesse morrido antes de entrar na água, ela não teria aspirado água com grande quantidade de diatomáceas. Tal método permite determinar afogamento post mortem mesmo com corpos em avançados estágios de decomposição ou mesmo de esqueletização.


O "teste de diatomáceas" funciona na base de que, se presentes, essas algas unicelulares são aspiradas para dentro dos pulmões pela vítima durante o afogamento. Pelo fato de serem silicosas, as diatomáceas podem sobreviver à abrasão física a ao ataque químico associado ao processo de análise forense. Além disso, por serem encontradas em um amplo espectro de corpos naturais de água em diferentes conjuntos de espécies, isso permite a subsequente identificação e atribuição a ambientes particulares (ex.: água doce de rios e lagos e águas salgadas de mares). Os pulmões (alvéolos pulmonares) sofrem ruptura durante o afogamento e água entra na corrente sanguínea e - considerando o coração ainda funcional - pode ser transportada ao longo de todo o corpo pela rede de capilares - incluindo órgãos como coração, cérebro, rins e fígado - e para dentro do "sistema fechado" da medula óssea. Esses órgãos e tecidos são então removidos na autópsia, digeridos em ácido e examinados para a presença de diatomáceas (Fig.1). Como as paredes celulares de sílica das diatomáceas (constituídas de frústula, um dióxido de silício hidratado) são resistentes a fortes ácidos digestivos, fica fácil recuperá-las e separá-las por esse método (Fig.2).


Figura 1. Típico processo laboratorial de digestão química e análise microscópica para a identificação de diatomáceas em tecidos corporais. Ácido nítrico (HNO3) é tipicamente usado para a digestão. Repetida centrifugação é então usada para separação das diatomáceas. Finalmente análise microscópica é usada para identificar possíveis fragmentos e estruturas integrais de diatomáceas. Microscópio de luz ou mesmo microscopia de escaneamento eletrônico (SEM) podem ser usados nessa última etapa. Ref.3


Figura 2. Fragmentos de diatomáceas sob um microscópio de luz e ampliação de 400x após o procedimento de digestão de amostras corporais e separação. Tamanho das diatomáceas variam entre 20 e 200 micrômetros (μm). Quanto maior o tempo de digestão ácida, maior a destruição e fragmentação das diatomáceas. Ref.3


No caso de vestígios esqueléticos, a única opção é estudar a medula óssea de grandes ossos. Outros ossos como a pélvis e vértebras são muito porosos para permitir uma interpretação de afogamento baseada na presença de diatomáceas no tecido, por causa da possibilidade de troca entre a medula óssea e o ambiente ao redor.


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No novo estudo, os pesquisadores analisaram via microscópio amostras da medula óssea extraída dos ossos pertencentes ao esqueleto pré-histórico, buscando por um amplo espectro de partículas microscópicas com potencial de jogar luz sobre a causa da morte. Os resultados revelaram uma variedade de partículas marinhas fortemente sugerindo afogamento em águas oceânicas, incluindo algas fossilizadas e sedimentos marinhos, os quais não teriam sido detectados pelo teste padrão para diatomáceas. Análise mineral microscópica descartou contaminação post mortem dos ossos. 


Como os outros esqueletos testados e datados do mesmo período não continham partículas marinhas, os pesquisadores descartaram um evento catastrófico, sugerindo que a vítima foco do estudo afogou-se talvez por acidente (especificamente próximo da costa).


O novo método desenvolvido no estudo fornece mais uma importante ferramenta de análise arqueológica.


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> Amplamente usado desde que foi primeiro desenvolvido e testado, em 1904, é ainda sugerida a possibilidade do teste de diatomáceas apresentar falso-positivo no caso de absorção gastro-entérica subsequente à ingestão de alimentos e bebidas ricos em diatomáceas, como moluscos marinhos. Porém, prova científica para esse alegado tipo de falso-positivo [absorção gastrointestinal de diatomáceas] não existe. Contaminação durante preparação de amostras é outra possibilidade. Diferentes estações do ano e ambientes aquáticos favorecendo ou desfavorecendo o crescimento de diatomáceas nos corpos de água podem também aumentar a chance de falso-negativo, dependendo da sensibilidade dos instrumentos sendo usados para as análises. Análise quantitativa, e não apenas qualitativa, pode ajudar a identificar casos de falsos-positivos e falsos-negativos.


> Análise via DNA (identificação de material genético de diatomáceas; ex.: reação em cadeia da polimerase, PCR) tem sido também usada e recomendada para reduzir falsos-negativos, apesar do custo mais alto envolvido limitar a aplicabilidade dessa metodologia. Aliás, via análise genética, é possível também analisar qualitativamente e quantitativamente outros organismos aquáticos nos tecidos corporais além de diatomáceas, como cianobactérias (Ref.5).

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REFERÊNCIAS

  1. Andrade et al. (2022). Evidence for a mid-Holocene drowning from the Atacama Desert coast of Chile. Journal of Archaeological Science, Volume 140, 105565. https://doi.org/10.1016/j.jas.2022.105565
  2. https://www.msjonline.org/index.php/ijrms/article/view/744
  3. Zhou et al. (2020). Research advances in forensic diatom testing. Forencsic Sciences Research, 5(2):98-105. https://doi.org/10.1080%2F20961790.2020.1718901
  4. https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fvets.2019.00404/full
  5. Poór et al. (2022). Sternal aspirate sampling of Bacillariophyceae (diatoms) and Cyanobacteria in suspected drowning cases. Journal of Forensic and Legal Medicine, Volume 85, January 2022, 102298. https://doi.org/10.1016/j.jflm.2021.102298

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