Ideologia política está também enraizada no cérebro, apontam estudos
- Atualizado no dia 6 de novembro de 2024 -
Liberais e conservadores pensam e se comportam de forma fundamentalmente diferente? Evidências acumuladas na literatura científica desde 2006 têm sugerido que diferenças morfológicas no cérebro podem favorecer conservadorismo ou progressismo nos indivíduos. Em específico, conservadores parecem ter um maior volume de matéria cinzenta na amígdala.
Somando às evidências, um estudo publicado em 2022 no periódico PNAS Nexus (Ref.1), pesquisadores analisaram o cérebro de 174 adultos saudáveis (18-40 anos de idade) nos EUA a partir de dados gerados por imagem de ressonância magnética funcional (fMRI) e tarefas mentais, analisados com o auxílio de inteligência artificial e um supercomputador (Ohio Supercomputer Center). As análises identificaram uma consistente assinatura neurobiológica ligada à ideologia política dos participantes, a qual predizia com alta acuracidade se um indivíduo era mais liberal ou mais conservador. Um segundo estudo mais recente, publicado no periódico iScience (Ref.2) e analisando quase 1 mil Holandeses, também encontrou uma conexão entre estrutura cerebral e ideologia - especificamente reforçando a relação entre amígdala e ideologia política. No entanto, nesse último estudo, a conexão foi menor do que esperada.
No estudo de 2022, foram oito tarefas mentais investigadas, e todas geraram respostas neurais que eram preditivas da ideologia política dos participantes. E mesmo quando os participantes eram requisitados de não pensar em nada, um distinto padrão de atividade neural era identificado associado a uma ideologia liberal ou conservadora. Ativações da amígdala, giro inferior frontal e hipocampo mostraram ser as mais associadas com afiliação política.
Entre as tarefas, três mostraram estar fortemente ligadas às ideologias políticas. Uma era uma tarefa de empatia, onde os participantes eram mostrados fotos emocionais de pessoas com rostos neutros, felizes e amedrontados. A outra era uma tarefa examinando memória episódica, e a terceira era uma tarefa onde participantes podiam ganhar ou perder dinheiro baseado em quão rápido apertavam um botão. Essa última tarefa envolvendo recompensa monetária era também a única que gerava um padrão de atividade neural registrado pelo fMRI que previa extremismo político (muito conservadores ou muito liberais); a tarefa de empatia estava significativamente associada com ideologia moderada.
Os resultados do estudo apontaram que a ideologia política de uma pessoa está fortemente incrustada no cérebro, com raízes biológicas e neurológicas muito mais profundas do que antes pensado. Porém, os pesquisadores não sabem se essa assinatura neurobiológica é uma causa (fatores determinísticos) ou uma consequência (neuroplasticidade ligada ao aprendizado ou escolhas ao longo da vida). Será que uma pessoa naturalmente tende a ser mais liberal ou mais conservadora?
Amígdala e Conservadorismo
No estudo Holandês - conduzido por pesquisadores da Universidade de Amsterdã - foram analisadas imagens de MRI de 975 pessoas na Holanda, com idades de 19 a 26 anos, constituindo uma amostra representativa da população Holandesa em termos de educação e preferência política. O estudo também analisou questionários dados aos participantes com perguntas sobre ideologia, com temas desde feminismo e direitos LGBT+ até problemas relativos à desigualdade econômica. As análises mostraram que a amígdala de pessoas conservadoras é levemente maior quando comparado com a população em geral - mas em contraste com evidência prévia apontando uma associação direta significativamente mais forte entre volume amigdalar e conservadorismo.
A amígdala é uma região no cérebro (Fig.1) que atua de forma crítica no processamento de emoções humanas negativas e aversivas, como tristeza, medo e ameaça, e parece responder de forma mais ampla a emoções em geral e a informação divergente. Pode existir uma conexão onde a amígdala é maior em indivíduos que reagem mais fortemente à informação ou ameaças diversas (ex.: imigrantes, novas ideias), fatores geralmente associados a movimentos conservadores na política ou mesmo de intolerância e negacionismo científico na extrema direita. Em humanos, a amígdala está também envolvida em aceitação, aprendizado, e manutenção de hierarquias e dominância social - servindo como outra explicação teórica para o conservadorismo. Essa associação entre amígdala e ideologia política é também encontrada em múltiplos estudos prévios.
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Figura 1. Imagem de MRI T1 (visões axial, sagital e coronal) mostrando a localização da amígdala (verde) e do hipocampo (roxo) no cérebro. Amígdala é uma estrutura similar a uma amêndoa localizada profundamente em cada um dos dois hemisférios cerebrais de todos os vertebrados. Nos humanos adultos, a amígdala contém aproximadamente 13 milhões de neurônios. Neurônios maduros na amígdala aumentam em número da infância até a fase adulta. A estrutura e função desse região cerebral podem passar por mudanças da adolescência até a fase adulta, assim como por fatores situacionais (ex.: exposição crônica ao estresse). Algumas subregiões da amígdala estão associadas com a regulação do humor e de estados internos. Imagem de MRI T1: link do DOI. |
O estudo também encontrou uma fraca associação positiva entre volume do giro fusiforme direito - uma área do cérebro importante para o reconhecimento facial - e posições mais à direita no espectro político em termos de questões sociais e econômicas.
Nenhuma outra área cerebral foi identificada exibindo ligação com ideologias políticas, sugerindo que construções ideológicas na política são mais complexas do que simples fatores estruturais no cérebro. Determinismo neurobiológico inerente parece atuar apenas até certo ponto. Por exemplo, na amostra de participantes Holandeses, aqueles que votaram pelo SP - um partido Holandês com posições econômicos radicais de esquerda mas com valores sociais mais conservadores - exibiam uma amígdala, na média, maior do que participantes que se identificavam com partidos mais progressistas. Esse exemplo pode também indicar que conservadorismo, do ponto de vista da estrutura cerebral, é relevante apenas nas interações sociais (ex.: maior ou menor tolerância em relação a grupos minoritários, imigrantes, normas sociais, etc.).
REFERÊNCIA
- Seo et al. (2022). Functional connectivity signatures of political ideology, PNAS Nexus, Volume 1, Issue 3, pgac066. https://doi.org/10.1093/pnasnexus/pgac066
- Petalas et al. (2024). Is political ideology correlated with brain structure? A preregistered replication. iScience, Volume 27, Issue 10, 110532. https://doi.org/10.1016/j.isci.2024.110532
