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Primeiro teste clínico de alta qualidade provando que o amido resistente pode prevenir câncer


Um estudo clínico de grande porte e alta qualidade (duplo-cego, randomizado, placebo-controlado), publicado esta semana no periódico Cancer Prevention Research (Ref.1), mostrou que o consumo de amido resistente (um carboidrato componente das fibras alimentares) reduz significativamente o risco de vários cânceres em indivíduos com a Síndrome de Lynch.


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A síndrome de Lynch é causada por variantes patogênicas afetando em particular um dos genes MLH1, MSH2 ou MSH6 do sistema de reparo de incompatibilidade do DNA (DNA mismatch repair, MMR) - um caminho biológico altamente conservado que atua de forma crucial na manutenção da estabilidade genômica -, e é caracterizada por um aumento de risco para câncer colorretal e cânceres do endométrio, ovário, estômago, intestino delgado, trato urinário, trato biliar, cérebro (geralmente glioblastoma), pele (adenomas sebáceos, carcinomas sebáceos, e queratoacantomas), pâncreas e próstata. Riscos de câncer e idade de manifestação dependem dos gene afetado pela condição (MMR, PMS2 ou EPCAM).


Como medida de prevenção ao câncer colorretal, indivíduos com essa síndrome têm sido orientados a tomar aspirina diariamente (!).


É também sugerido e apontado há décadas que um maior consumo de fibras alimentares pode proteger contra câncer colorretal e outras formas de câncer. Existe hoje forte evidência acumulada que um maior consumo de alimentos ricos em fibras alimentares, como grãos integrais, frutas, legumes e verduras, pode reduzir a incidência e a mortalidade por cânceres diversos, especialmente aqueles afetando o trato intestinal. Fibras alimentares englobam uma mistura heterogênea de carboidratos que escapam da digestão no intestino delgado e são fermentados por múltiplas bactérias no intestino grosso, incluindo membros das famílias Ruminococcaceae, Lachnospiraceae, Erysipelotrichaceae e Clostridiaceae


Os produtos metabólitos dessa fermentação bacteriana (incluindo ácidos graxos de cadeia curta como o butirato antineoplástico) e mudanças na microbiota intestinal podem representar importantes mecanismos de proteção contra cânceres diversos e outras doenças. Mudanças no metabolismo bacteriano de ácidos biliares - reduzindo aqueles ácidos que podem danificar o DNA e eventualmente causar câncer - é uma proposta nesse sentido.


Um dos componentes das fibras alimentares é o amido resistente (AR), encontrado em alimentos como bananas verdes (ou levemente verdes), batatas, grãos (ex.: aveia), e sementes. O amido é formado por dois polímeros, a amilose e a amilopectina, que somente podem ser evidenciados após solubilização dos grânulos e separação. O amido é classificado em função da sua estrutura físico-química e da sua susceptibilidade à hidrólise enzimática, e o tipo resistente não é facilmente convertido em glicose via ação das enzimas digestivas. Por sua vez, o AR é tradicionalmente constituído por três tipos de amido: 


- o tipo 1, representa o grânulo de amido fisicamente inacessível na matriz do alimento, fundamentalmente por causa das paredes celulares e proteínas, pertencendo a este grupo grãos inteiros ou parcialmente moídos de cereais, leguminosas e outros materiais contendo amido nos quais o tamanho ou a sua composição impede ou retarda a ação das enzimas digestivas; 


- o tipo 2 refere-se aos grânulos de amido nativo, encontrados no interior da célula vegetal, apresentando lenta digestibilidade devido às características intrínsecas da estrutura cristalina dos seus grânulos, e sendo encontrada em batatas cruas, bananas verdes e alguns legumes; 


- e o tipo 3 consiste em polímeros de amido retrogradado (principalmente de amilose), produzidos quando o amido é resfriado após a gelatinização. O reaquecimento reduz o conteúdo deste tipo de amido em batatas, mostrando que a retrogradação é um fenômeno reversível; no geral, está presente em batatas cozinhadas e arrefecidas, pão, flocos de milho, produtos alimentares com prolongado e/ou repetidos tratamentos pelo calor/umidade. 


Os três tipos de AR podem coexistir em um mesmo alimento. Assim, uma refeição contendo feijão (Phaseolus vulgaris L.) apresenta os tipos 1 e 3, e em bananas verdes são encontrados os tipos 1 e 2. Em termos gerais, o AR tem sido definido, em termos fisiológicos, como "a soma do amido e dos produtos da sua degradação que não são digeridos e absorvidos no intestino delgado de indivíduos sadios". Nesse sentido, existe um quarto tipo de AR, produzido por modificações químicas (por exemplo, certos bolos e pães).


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No novo estudo, o teste clínico conduzido - conhecido como CAPP2 - envolveu quase 1000 pacientes com síndrome de Lynch de três países: Inglaterra, País de Gales e Finlândia. Os participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos: 463 voluntários recebendo 30 gramas diários de AR e 455 voluntários recebendo placebo, por um período de até 4 anos (média de 2 anos). Após um período de acompanhamento de até 20 anos, a incidência de câncer colorretal não diferiu significativamente entre os grupos (AR = 52 casos, Placebo = 53 casos), mas houve uma redução substancial na incidência de outros tipos de cânceres (AR = 27 casos, Placebo = 48). Esses efeitos foram particularmente pronunciados para cânceres no trato gastrointestinal superior: 5 diagnósticos entre aqueles que consumiram AR comparado com 21 diagnósticos no grupo de placebo. Importante, cânceres no trato gastrointestinal superior são de difícil diagnóstico e mais prováveis de serem letais do que cânceres colorretais.


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> A dose de AR usada no estudo é equivalente ao consumo de uma banana levemente verde diariamente. Antes de ficarem muito maduras e macias, o amido presente nas bananas resiste à quebra pelo sistema digestivo, alcançando o microbioma no intestino grosso. Mas lembrando que esse amido pode ser encontrado em outros alimentos , como a aveia.

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A redução na incidência de câncer não-colorretal com o consumo de AR - superior a 60% para alguns cânceres - foi detectável nos primeiros 10 anos e continuou pela próxima década de acompanhamento. Os pesquisadores concluíram que o consumo de AR parece ter um substancial efeito protetor contra cânceres extracolônicos em pacientes com Síndrome de Lynch - e possivelmente em outros indivíduos com alto risco genético de câncer.  


O estudo também traz mais uma forte evidência de suporte para a adoção diária de uma dieta rica alimentos de origem vegetal e alto teor de fibras. 


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(!) Essa recomendação é baseada justamente nos resultados clínicos preliminares (publicados em 2020) do teste clínico CAPP2. Porém, essa recomendação ainda é controversa, devido aos maiores riscos associados de hemorragias. Com base nos resultados recentes analisando os efeitos de longo prazo da aspirina e do amido resistente, os autores do estudo clínico recomendam o consumo diário de aspirina e amido resistente para pessoas com alto risco genético de câncer. 


> Sobre a aspirina e as controvérsias associadas ao seu uso como prevenção primária de câncer e doenças cardiovasculares, fica a sugestão de leitura: Aspirina é realmente segura para um uso diário? 

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REFERÊNCIAS

  1. Mathers et al. (2022). Cancer Prevention with Resistant Starch in Lynch Syndrome Patients in the CAPP2-Randomized Placebo Controlled Trial: Planned 10-Year Follow-up. Cancer Prevention Research, OF1-OF12. https://doi.org/10.1158/1940-6207.CAPR-22-0044 
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1211/ 
  3. Lobo & Silva (2003). Amido resistente e suas propriedades físico-químicas. Revista de Nutrição, 16(2). https://doi.org/10.1590/S1415-52732003000200009

Primeiro teste clínico de alta qualidade provando que o amido resistente pode prevenir câncer Primeiro teste clínico de alta qualidade provando que o amido resistente pode prevenir câncer Reviewed by Saber Atualizado on julho 28, 2022 Rating: 5

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