Vacina induz neutralização imune de forma muito mais efetiva do que infecção natural, aponta estudo
Muitas pessoas têm questionado a necessidade de vacina para aqueles indivíduos que foram previamente infectados, argumentando frequentemente que a imunidade natural é tão eficaz quanto a administração dos imunizantes. Ao mesmo tempo, várias variantes de preocupação mais transmissíveis e/ou virulentas têm emergido. Um estudo publicado esta semana na Scientific Reports (Ref.1), comparando a eficácia das vacinas mRNA-baseadas (ex.: Pfizer) frente à imunidade natural contra o SARS-CoV-2 (coronavírus responsável pela COVID-19), encontrou que a vacina induz uma capacidade de neutralização muito maior em relação ao domínio de ligação do receptor (RBD) - parte crucial da proteína Spike do SARS-CoV-2 que permite entrada viral efetiva na célula hospedeira. Mutações no RBD estão associadas com robusto aumento de transmissibilidade e de virulência das variantes, sugerindo que as vacinas são mais eficazes contra as variantes de preocupação do que infecção prévia, incluindo a Ômicron.
Imunidade humoral (anticorpos) contra o SARS-CoV-2 pode ser elicitada tanto com infecção natural quanto pela vacinação. De fato, a maioria das pessoas que tiveram COVID-19 desenvolvem respostas serológicas sustentadas. Porém, enquanto os anticorpos podem ser detectados na maioria dos indivíduos infectados pelos SARS-CoV-2, os níveis de anticorpos são altamente variáveis, e dependem de fatores como status da infecção (sintomática ou assintomática) e severidade da doença associada. De qualquer forma, já foi reportado que indivíduos seropositivos para o SARS-CoV-2 a partir de exposição prévia ao vírus tinham uma redução de 80% no risco de reinfecção, mas sendo incerto o nível de proteção contra variantes de preocupação mais recentes e contra a progressão mais severa da doença a partir de reinfecção efetiva.
A proteína Spike (S) do SARS-CoV-2 se liga ao receptor glicoproteico ACE2, na superfície das nossas células, através da região RBD, esta a qual tem sido uma das estruturas mais exploradas do vírus devido ao seu importante papel no desenvolvimento de anticorpos neutralizantes e na emergência de novas variantes de preocupação. Várias mutações na região RBD estão diretamente associadas como maior transmissibilidade ou maior evasão imune, como a D614G, E484K, N501Y e a K417N/T, encontradas nas variantes Beta, Gama e Alfa - protagonistas entre as primeiras e mais preocupantes variantes. A mutação N501Y em específico, presente nas três variantes mencionadas, está associada a um forte aumento de afinidade RBD-ACE2.
Nesse sentido, os pesquisadores no novo estudo resolveram investigar in vitro a imunidade humoral adquirida por infecção natural ou por uma vacina mRNA-baseada (Moderna e Pfizer) contra a mutação N501Y, em específico a capacidade neutralizante dos anticorpos. Vacinas de mRNA entregam ao corpo a sequência genética responsável por produzir a proteína S, através de uma fita de RNA mensageiro (mRNA), este o qual é traduzido no interior celular; proteínas S produzidas nesse processo são expostas ao nosso sistema imune, induzindo imunidade humoral e, eventualmente, imunidade celular (células-B e -T).
Foram analisados amostras do soro de indivíduos vacinados ou de plasma convalescente de indivíduos recuperados.
Os resultados do estudo mostraram que a vacinação induz níveis muito maiores de anticorpos anti-RBD do que imunidade natural (em média, um nível 17 vezes maior). Os pesquisadores também encontraram uma excepcional forte associação entre níveis de anticorpo anti-RBD e a habilidade de neutralização bioquímica da região RBD ao receptor celular ACE2.
Enquanto que a mutação N501Y não alterou a ligação dos anticorpos neutralizantes, foi observada uma afinidade 5 vezes maior ao ACE2, resultando em uma drástica redução na habilidade do plasma convalescente de neutralizar essa ligação. O soro de vacinados, por outro lado, mostrou-se muito mais efetivo nessa neutralização por causa do elevado nível de anticorpos anti-RBD. Com uma média de 16 vezes maior potência neutralizante do que o sangue convalescente, as amostras de sangue dos vacinados foram mais do que suficiente para compensar o aumento de cinco vezes na força da ligação RBD-ACE2, resultando em inibição altamente efetiva dessa ligação.
Como o estudo foi conduzido in vitro, várias limitações podem ser apontadas e estudos clínicos em pacientes (infecção in vivo) precisam ser realizados para confirmar esse maior poder de neutralização da imunidade induzida pelas vacinas de mRNA. Por outro lado, o estudo corrobora as altas taxas de eficácia das vacinas mRNA em estudos clínicos de Fase 3 e de efetividade (mRNA) sendo conduzidos e publicados desde 2020. No Reino Unido, uma dose de reforço com a vacina da Pfizer (BNT162b2) ou da Moderna (mRNA-1273) resultou - 14-34 dias depois - em efetividade de 85-95% contra infecção sintomática; para proteção contra hospitalização ou morte, a efetividade foi de 97-99% (Ref.2). Efetividade reportada de duas doses da vacina mRNA-1273 é de 87-98% e de 95,8% contra infecção e hospitalização ou morte, respectivamente (Ref.3-4).
Em relação aos não-vacinados, um estudo recente do Centro de Controle de Doenças (CDC) reportou que a taxa de mortalidade por COVID-19 nos EUA entre aqueles completamente vacinados ou que receberam a terceira dose (vacina da Pfizer ou da Moderna) era 13 e 78 vezes menor, respectivamente; incidência de casos mostrou-se até 14 vezes menor entre os vacinados do que entre os não-vacinados (Ref.5).
Por fim, vacinação em indivíduos previamente infectados parece garantir uma "superimunidade" (Vacina contra a COVID-19 mostrou garantir superimunidade para quem já teve SARS).
Essas evidências acumuladas reforçam a importância da vacinação na luta contra a COVID-19, e o quão arriscado é confiar apenas na imunidade natural.
REFERÊNCIAS
- Yu et al. (2022). mRNA vaccine-induced antibodies more effective than natural immunity in neutralizing SARS-CoV-2 and its high affinity variants. Scientific Reports 12, 2628. https://doi.org/10.1038/s41598-022-06629-2
- Andrews et al. (2022). Effectiveness of COVID-19 booster vaccines against covid-19 related symptoms, hospitalisation and death in England. Nature Medicine. https://doi.org/10.1038/s41591-022-01699-1
- Bruxvoort et al. (2022). Real-world effectiveness of the mRNA-1273 vaccine against COVID-19: Interim results from a prospective observational cohort study. The Lancet Regional Health - Americas, Volume 6, 100134. https://doi.org/10.1016/j.lana.2021.100134
- Zhang et al. (2022). Real-world effectiveness of COVID-19 vaccines: a literature review and meta-analysis. International Journal of Infectious Diseases, Volume 114, Pages 252-260. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2021.11.009
- Johnson et al. (2022). COVID-19 Incidence and Death Rates Among Unvaccinated and Fully Vaccinated Adults with and Without Booster Doses During Periods of Delta and Omicron Variant Emergence — 25 U.S. Jurisdictions, April 4–December 25, 2021. Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR), 71(4); 132–138. http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm7104e2