Quase 2 mil compostos químicos foram identificados nos cigarros eletrônicos, alertam cientistas
Cigarros eletrônicos - ou e-cigarros - fornecem tipicamente uma fonte de nicotina mas sem utilizar combustão para carregar esse composto viciante até às vias pulmonares. Por não conterem vários dos carcinogênicos presentes na fumaça gerada com o fumo do tabaco, é pensado que os e-cigarros são uma alternativa mais segura aos cigarros, potencialmente ajudando fumantes a largar cigarros e outras formas de uso do tabaco baseadas em combustão. Porém, os efeitos a longo prazo desses dispositivos à saúde humana são desconhecidos, e as evidências até o momento acumuladas são preocupantes. De fato, o aerossol gerado pelo aquecimento da mistura de solventes orgânicos voláteis no e-cigarro (!) leva aos pulmões dos usuários radicais livres, metais pesados, flavorizantes e outras substâncias tóxicas - e mesmo carcinogênicas. Vários danos ao corpo, especialmente às vias respiratórias, têm sido associados aos e-cigarros (incluindo demonstrações experimentais), e dispositivos trazendo THC (tetraidrocanabinol) foram responsáveis por dezenas de mortes nos EUA no começo de 2020 (!).
(!) Para mais informações, acesse: Cigarros eletrônicos são realmente seguros?
Agora, uma série de recentes estudos soma mais peso às evidências de sérios efeitos deletérios do uso de e-cigarro. Os estudos trouxeram forte evidência de que os e-cigarros podem trazer prejuízo à saúde dos ossos mesmo em jovens adultos; aumentam de forma robusta o estresse oxidativo no corpo; e, nos produtos contendo nicotina, aumentam a formação de coágulos sanguíneos e outros danos ao sistema circulatório. Somando-se a isso, um estudo encontrou inúmeros compostos nos líquidos e aerossóis do e-cigarro não reportados pelas empresas responsáveis, incluindo químicos industriais e cafeína.
E-CIGARROS E SAÚDE ÓSSEA
Enquanto que fumo tradicional de cigarro é um estabelecido fator de risco para osteoporose e fratura osteoporótica, os efeitos do cigarro eletrônico não haviam ainda sido avaliados. Em um estudo publicado no periódico American Journal of Medicine Open (Ref.1), pesquisadores analisaram dados clínicos englobando mais de 5,5 mil adultos nos EUA (mulheres e homens), incluindo 4519 (81,2%) que nunca usaram e-cigarro, 1050 (18,8%) que usam ou já usaram e-cigarro, e 444 (8,0%) com fragilidade a fraturas ósseas auto-reportadas (fraturas nos quadris, coluna vertebral ou pulso resultantes de traumas mínimos).
Os resultados mostraram uma maior prevalência (46% maior) de fragilidade a fraturas entre os usuários de e-cigarros quando comparado com os não-usuários. Além disso, usuários concomitantes de e-cigarro e cigarro tradicional mostraram uma maior prevalência de fragilidade a fraturas comparado a fumantes tradicionais sem o uso de e-cigarro.
Osteoporose, uma desordem do sistema esquelético caracterizada por baixa densidade óssea mineral, predispõe as pessoas a um risco aumentado de fraturas e causa significativo fardo físico, psicológico e financeiro. Estudos laboratoriais prévios já haviam mostrado que os líquidos do e-cigarro possuem propriedades citotóxicas e induzem osteotoxicidade, aumentando potencialmente o risco de osteoporose.
E-CIGARRO E VASOS SANGUÍNEOS
Em um estudo experimental apresentado no Congresso Internacional da ERS (Fundação Europeia dos Pulmões) (Ref.2), o pesquisador e médico Sueco, Gustaf Lyytinen, do Institudo Karolinska, em Estocolmo, Suécia, e colaboradores, encontraram que o uso de e-cigarro contendo nicotina causa aumento imediato na formação de coágulos sanguíneos e na deterioração da habilidade de pequenos vasos sanguíneos de se expandirem e se dilatarem, assim como aumento da taxa cardíaca e pressão sanguínea. Esses efeitos são similares aos fumo tradicional, com o uso de longo prazo podendo resultar em ataque cardíaco ou derrame.
Para o estudo, os pesquisadores realizaram uma série de experimentos detalhados - avaliando a saúde circulatória - em um grupo de 22 mulheres e homens com idades entre 18 e 45 anos, os quais eram fumantes ocasionais mas, em geral, saudáveis. Cada voluntário foi testado antes e depois de tragarem 30 baforados de um típico e-cigarro contendo nicotina, e antes e depois de tragarem 30 baforadas de um e-cigarro não contendo nicotina (dispositivos geralmente não usados entre o público por não conterem o fator de vício). Cada conjunto de testes (nicotina e sem nicotina) foram realizado em ocasiões separadas (mínimo de 1 semana de intervalo).
Os resultados das análises experimentais mostraram que os e-cigarros contendo nicotina criavam um conjunto de imediatas mudanças de curto prazo nos voluntários, englobando um aumento médio de 23% dos coágulos sanguíneos após 15 minutos (e retornando ao nível normal depois de 60 minutos); aumento na taxa cardíaca média de 66 batidas por minuto (bpm) para 73 bpm; e aumento da pressão sanguínea média de 108 milímetros de mercúrio (mmHg) para 117 mmHg. Além disso, os vasos sanguíneos se tornaram temporariamente mais estreitos e intransigentes após o uso de e-cigarros contendo nicotina. Esses efeitos não foram observados em e-cigarros que não possuíam a presença de nicotina.
Nicotina é conhecida de aumentar os níveis de hormônios como adrenalina no corpo, os quais podem promover alterações no sistema circulatório, incluindo preocupante elevação na formação de coágulos sanguíneos.
E-CIGARRO E QUÍMICA
Um estudo publicado no periódico Chemical Research in Toxicology (Ref.3), utilizando técnicas avançadas de análise química, encontrou milhares de compostos químicos no líquido e nos vapores gerados de e-cigarros não descritos ou reportados pelos fabricantes, incluindo compostos industriais e cafeína. As pessoas estão usando cigarro eletrônico e inalando inúmeras substâncias pouco caracterizadas e potencialmente nocivas.
Para o estudo, os pesquisadores testaram quatro populares marcas de e-cigarro: Mi-Salt, Vuse, Juul e Blu. Todos usando flavorizantes de tabaco (cheiro de tabaco usado para simular o uso de cigarro tradicional). As amostras foram submetidas às técnicas analíticas de cromatografia líquida de alta resolução acoplada com espectrometria de massa (LC-HRMS) e de impressão digital química (fingeprinting químico), visando a caracterização dos líquidos e aerossóis.
As análises revelaram inúmeros compostos antes nunca descritos ou reportados para esses produtos, incluindo hidrocarbonetos associados com combustão - antes alegados inexistirem nos e-cigarros devido à menor temperatura de aquecimento interno. Nos aerossóis, a quantidade de compostos químicos identificados foi significativamente maior, em parte devido a produtos de fragmentação de compostos com alto peso molecular. Seis aditivos e contaminantes potencialmente tóxicos como inalantes, incluindo o óxido de tributilfosfina (usado em processos industriais), um pesticida e o estimulante cafeína, foram identificados e quantificados nos líquidos e aerossóis. Estruturas similares a lipídios - potencialmente danosas aos tecidos pulmonares - foram também identificadas.
Os pesquisadores alertaram que as pessoas precisam saber que estão inalando uma mistura muito complexa de inúmeros compostos químicos, muitos com efeitos adversos à saúde humana de curto, médio e longo prazos desconhecidos. Isso se soma aos vários estudos na literatura médica de toxicidade experimental ou reportada associada ao e-cigarro cujos mecanismos ainda não foram completamente elucidados.
E-CIGARRO E ESTRESSE OXIDATIVO
Em um estudo publicado no periódico JAMA Pediatrics (Ref.4), pesquisadores mostraram que uma única sessão de 30 minutos de e-cigarro é suficiente para aumentar significativamente o estresse oxidativo celular, o qual ocorre quando o corpo tem um desbalanço entre radicais livres e espécies oxigenadas - moléculas que podem causar danos às células - e antioxidantes, estes os quais combatem essas moléculas danosas. A longo prazo, esse desbalanço pode favorecer o desenvolvimento de certas doenças, incluindo problemas cardiovasculares, pulmonares, neurológicos e câncer.
Para o estudo, os pesquisadores recrutaram 32 homens e mulheres, com idades de 21 a 33 anos, os quais foram divididos em três grupos: 11 não-fumantes, 9 usuários regulares de cigarro tradicional e 12 usuários regulares de e-cigarro. Células imunes foram coletadas dos participantes antes e depois da sessão de 30 minutos de uso de e-cigarro.
Os resultados mostraram que, para os não-fumantes (saudáveis), os níveis de estresse oxidativo foram 2 a 4 vezes maiores após a sessão de inalação do que antes! Não houve significativo aumento do nível de estresse oxidativo para os usuários de cigarro tradicional e eletrônico, provavelmente porque os níveis prévios de estresse oxidativo já eram altos para ambos os grupos.
Uma possível causa para esse aumento tão expressivo nos níveis de estresse e danos celulares após o uso de e-cigarro pode estar associada aos inúmeros compostos tóxicos presentes nos aerossóis, incluindo a nicotina, atacando os tecidos pulmonares e entrando na circulação sanguínea.
E-CIGARRO: Realmente ajuda quem busca parar com o fumo do cigarro tradicional?
Apesar do uso de e-cigarro visar idealmente indivíduos que buscam alternativas ao fumo de tabaco, em especial cigarros tradicionais, essa promoção é ainda alvo de debates. Estudos observacionais nos últimos anos têm trazido resultados conflitantes nesse sentido, com alguns suportando e-cigarros como efetivos para o abandono do cigarro tradicional, enquanto outros reportam inefetividade.
Agora, em um novo e robusto estudo cohort publicado no periódico JAMA Network Open (Ref.4), pesquisadores analisaram 13604 fumantes - identificados entre 2013 e 2015 -, representativos da população Norte-Americana, os quais foram acompanhados ao longo de duas pesquisas anuais sequenciais para explorar mudanças no uso de 12 produtos de tabaco (incluindo e-cigarros contendo nicotina).
Os resultados mostraram que, no primeiro ano de acompanhamento, 9,4% dos fumantes ativos abandonaram o fumo. Considerando os ex-fumantes, 62,9% permaneceram sem usar tabaco, enquanto 37,1% mudaram para outra forma de uso do tabaco. Daqueles que mudaram para outro produto tabaco-baseado, 22,8% usaram e-cigarros, com 17,6% deles usando e-cigarro diariamente.
No segundo ano de acompanhamento, os pesquisadores encontraram que indivíduos que mudaram para qualquer outra forma de uso de tabaco, incluindo e-cigarros, eram mais prováveis (>8,5%) de sofrerem relapso comparado com fumantes que abandonaram todas as formas de tabaco. Entre os recentes ex-fumantes que se abstiveram de todos os produtos de tabaco, 50% estavam 12 ou mais meses sem usar cigarros no segundo acompanhamento e eram considerados de terem largado com sucesso o fumo; esse valor é comparado a 41,5% dos recentes ex-fumantes que mudaram para qualquer outra forma de uso de tabaco, incluindo e-cigarros.
Como conclusão, os pesquisadores não encontraram nenhuma evidência de que usar e-cigarro ajuda no abandono do fumo de tabaco, pelo contrário, parece contribuir para o aumento de risco de relapso. Ou seja, muitas pessoas tentando largar o vício do cigarro com o e-cigarro podem estar se expondo a inúmeras toxinas com efeitos adversos pouco esclarecidos sem qualquer garantia científica de eficácia contra o tabagismo. Além disso, outro problema ainda persiste: o usuário de e-cigarro continua exposto à viciante e tóxica nicotina.
REFERÊNCIAS
- Agoons et al. (2021). Association between electronic cigarette use and fragility fractures among US adults. American Journal of Medicine Open, 100002. https://doi.org/10.1016/j.ajmo.2021.100002
- https://www.eurekalert.org/news-releases/927263
- Prasse et al. (2021). Characterizing the Chemical Landscape in Commercial E-Cigarette Liquids and Aerosols by Liquid Chromatography–High-Resolution Mass Spectrometry. Chemical Research in Toxicology, 34, 10, 2216–2226. https://doi.org/10.1021/acs.chemrestox.1c00253
- Pierce et al. (2021). Incidence of Cigarette Smoking Relapse Among Individuals Who Switched to e-Cigarettes or Other Tobacco Products. JAMA Netw Open. 2021;4(10):e2128810. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.28810