Cientistas revelam australopiteco em transição evolutiva para o bipedalismo humano
Os australopitecos (gênero Australopithecus) representam um dos ancestrais homininis mais antigos na linhagem evolutiva levando aos humanos modernos (Homo sapiens). Agora, em um estudo publicado no periódico eLife (1), um time de cientistas da Universidade de New York, EUA, da Universidade de Witwatersrand, África do Sul, e 15 outras instituições anunciou a descoberta de uma vértebra de 2 milhões de anos de um espécime de Australopithecus sediba, na região de Malapa, África do Sul. Junto com outra vértebra do mesmo espécime e vértebras de outros indivíduos, os pesquisadores conseguiram reconstruir uma quase completa lombar do A. sediba. Essa reconstrução mostrou que essa espécie de hominini representava uma clara transição evolutiva das árvores para os espaços abertos, com adaptações para a locomoção bípede e para a locomoção arborícola.
A locomoção bípede é considerada ser uma das mais antigas e mais extensivas adaptações na linhagem evolutiva levando aos humanos (gênero Homo), potencialmente evoluindo a partir de 6-7 milhões de anos atrás. Bipedalismo típico de humanos evoluiu gradualmente, e nossos ancestrais homininis (!) mais antigos parecem ter sido bípedes facultativos no chão e competentes escaladores de árvores. Mas ainda é incerto quando nossos ancestrais começaram a confortavelmente e obrigatoriamente andar sobre duas pernas, abandonando de vez o nicho arborícola.
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(!) Homininis são uma tribo de primatas que engloba chimpanzés (gênero Pan), humanos (gênero Homo) e os ancestrais extintos diretamente associados à linhagem evolutiva humana.
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Para alcançar o modo bípede de locomoção, nosso esqueleto evoluiu certas características físicas. Por exemplo, a parte inferior da coluna vertebral humana (lombar) possui uma curvatura para frente que suporta uma postura ereta; já a lombar de chimpanzés e de outros primatas modernos não-humanos - os quais andam sobre os quadro membros no chão e gastam a maior parte do tempo nas árvores - não possuem essa curvatura (lombar lordótica, ventralmente convexa).
O Australopithecus sediba - um hominini do início do Pleistoceno que viveu há cerca de 2 milhões de anos, descoberto em Malapa, na província de Gauteng, África do Sul - possui importantes características transicionais entre o ambiente arborícola e o ambiente terrestre. Apesar da presença de adaptações para a locomoção arborícola, o A. sediba também traz forte evidência apontando uma locomoção bípede. Por exemplo, o joelho e o tornozelo possuem adaptações para o bipedalismo similares àquelas de humanos, demonstrando um ângulo valgo do fêmur e uma articulação do tornozelo similar à humana. Porém, uma evidência crucial ainda era limitada: presença de curvatura espinhal lordótica.
No novo estudo, os pesquisadores reportaram e descreveram novos fósseis pertencentes ao espécime Malapa Hominin 2 (MH2), encontrados em uma mina próximo de Malapa, local onde os primeiros fósseis de A. sediba foram descobertos em 2008-2010 (incluindo do espécime MH2). Análise virtual dos fósseis via tomografia micro-computacional (micro-CT) foi usada para estabelecer a correspondência entre os novos fósseis e os fósseis já catalogados, e evitar manuseio excessivo das frágeis vértebras fossilizadas. A maior parte desses novos fósseis eram de ossos da lombar, permitindo uma quase completa reconstrução da região inferior da coluna vertebral do A. sediba, e revelando inicialmente que, assim como humanos, essa espécie possuía cinco vértebras lombares.
Análise mais detalhada da lombar do A. sediba fortemente indicou que essa espécie tinha uma postura ereta e que confortavelmente andava sobre as duas pernas. A curvatura lombar do espécime MH2 - uma fêmea apelidada de "Issa" - era muito similar àquela de humanas modernas. A lordose do A. sediba mostrou-se mais extrema do que qualquer outro australopiteco já descoberto, e só é excedida - no atual registro fóssil - por aquela presente na coluna vertebral do Homo erectus há 1,6 milhão de anos e subsequentes humanos. Ao mesmo tempo, a espécie também possuía claras adaptações arborícolas, como vértebras transversas orientadas para cima, um indicativo de poderosa musculatura no tronco observada em primatas modernos arborícolas, entre outras partes da anatomia do torso.
Os pesquisadores concluíram que o A. sediba é uma forma transicional de ancestral humano e que sua coluna vertebral é claramente intermediária entre aquela de humanos modernos (e Neandertais) e primatas superiores não-humanos. Basicamente, Issa andava com um gingado humano mas ainda escalava árvores com a habilidade próxima de um chimpanzé.
Além de ajudar a esclarecer uma parte importante da nossa história evolutiva, os novos achados podem contribuir para a área da medicina. Nossa lombar é suscetível a lesões e dores associadas com postura, gravidez e exercícios físicos (ou falta de exercícios físicos). Portanto, entender como a nossa parte inferior da coluna vertebral evoluiu pode nos ajudar a aprender a como prevenir lesões e manter uma coluna saudável.
> Leitura recomendada: Little Foot: Nosso ancestral com cérebro metade humano metade chimpanzé
(1) REFERÊNCIA
- Williams et al. (2021). New fossils of Australopithecus sediba reveal a nearly complete lower back. eLife, 10:e70447. https://doi.org/10.7554/eLife.70447