Mudanças climáticas causaram as devastadoras chuvas que atingiram o Sudeste do Brasil em 2020, conclui estudo
De acordo com um estudo publicado no periódico Climate Resilience and Sustainability (1), e conduzido por cientistas de organizações Brasileiras de pesquisa em colaboração com instituições Britânicas, incluindo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Universidade de São Paulo, e Universidade de Oxford, o trágico evento de extrema precipitação que atingiu a região sudeste no Brasil em janeiro do ano passado teve como principal causa as mudanças climáticas. Usando modelos climáticos para a região, o estudo mostrou que os efeitos do aquecimento global antropogênico aumentaram a probabilidade de volumes muito maiores de chuva do que o esperado em 70% comparado com cenários marcados por uma temperatura média global 1-1,1°C menor. Além disso, os autores do estudo estimaram perdas econômicas e materiais de R$1,3 bilhão no estado de Minas Gerais causadas pelo evento extremo.
Entre os dias 23 e 25 de janeiro de 2020, um extremo evento de precipitação (chuva) atingiu o Sudeste do Brasil, deflagrando massivos deslizes de terra e inundações, e causando extensivos danos de infraestrutura, perdas de vidas humanas e exorbitantes perdas econômicas, especialmente no estado de Minas Gerais. Dentro de 3 dias, na cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, um recorde no acumulado de chuvas foi registrado: 320,9 mm, correspondente a aproximadamente 97% da chuva total esperada para janeiro (329,1 mm), e um total de 935,2 mm no mês (três vezes a média esperada). O evento levou a vida de pelo menos 56 pessoas, deixou dezenas de milhares de pessoas temporariamente sem casa, e causou centenas de milhões de reais em danos materiais (propriedades) e econômicos.
Como fator direto, o evento foi causado por uma combinação de uma intensificada Zona de Convergência do Atlântico Sul (SACZ) e a emergência do ciclone subtropical Kurumí (KSC) sobre o Atlântico Sul no dia 23 de janeiro de 2020. Ambos os processos contribuíram para o aumento de convergência de umidade ao longo da região e consequente precipitação extrema no Sudeste do Brasil.
Para investigar se houve contribuição do aquecimento global antropogênico nesse evento extremo, os pesquisadores usaram um modelo climático global de atribuição, no caso o Hadley Centre Global Environmental Model versão 3-A (HadGEM3-A), com simulações de eventos temporais extremos. Dois experimentos foram conduzidos para ajudar a projetar cenários, um considerando apenas fatores naturais, como variações na irradiância solar e na atividade vulcânica, e o outro também considerando fatores antropogênicos, como mudanças no uso da terra e emissões de gases estufas comparado com o período pré-industrial (1850). Dados de satélites foram integrados nas simulações.
De acordo com o último relatório do IPCC (!), a média de temperatura superficial global está 1,1°C acima daquela no período de 1850-1900, devido ao dramático aumento das emissões globais de gases estufas, como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), produzidos pela queima de combustíveis fósseis, desmatamento, produção de cimento, entre outros.
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Os resultados das simulações mostraram com alto nível de confiança que o evento extremo de precipitação observado no Sudeste do Brasil foi pelo menos 70% mais provável de ocorrer devido às mudanças climáticas humano-induzidas.
Além de quantificar atribuição climática, os pesquisadores também buscaram quantificar os danos causados pelo evento extremo. Para isso, os pesquisadores subdividiram a região de Minas Gerais em 12 mesorregiões (unidades oficiais englobando um grupo de cidades que compartilham características geográficas e sociais), com um total de 194 municipalidades. Eles estimaram que mais de 90 mil pessoas ficaram temporariamente sem moradia, e que pelo menos R$1,3 bilhão foram perdidos nos setores público e privado. A maior parte do dano material atingiu a infraestrutura pública (R$484 milhões), casas (R$352 milhões), e lojas de varejo e outros serviços (R$290 milhões). Cerca de 41% desse dano foi devido ao aquecimento global antropogênico.
As mesorregiões mais afetadas foram a metropolitana de Belo Horizonte, Vale do Rio Doce e a Zona da Mata. Juntas elas responderam por 91% e 93% das perdas econômicas públicas e privadas, respectivamente, e por 92% do dano material total e por 91% do deslocamento habitacional total. Segundo o estudo, esses danos foram exacerbados, além das mudanças climáticas, pela falta de um planejamento urbano para a avaliação e mitigação de risco, e de estratégias de adaptação, assim como investimento insuficiente em infraestrutura, o que pode ter afetado de forma desproporcional indivíduos vivendo em áreas de alto risco, como habitações precárias em colinas.
Os autores do estudo também reforçaram o alerta de que esses eventos extremos ficarão cada vez mais comuns nas próximas décadas com o avanço das mudanças climáticas, requerendo maiores esforços e políticas públicas visando minimizar os sérios danos atrelados.
(1) Publicação do estudo: https://rmets.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/cli2.15