Barbas podem ter evoluído no sentido de tornar o homem mais resistente a socos na cara... ou não
Todos os anos, o IgNobel, em contraponto com o famoso Prêmio Nobel, premia desde 1991 estudos que "primeiro fazem as pessoas rirem e, depois, as fazem pensar". Ou seja, a celebração de experimentos, descobertas e estudos inusitados nas áreas de ciências, medicina, finanças, tecnologia e outras. Enquanto alguns resultados desses estranhos estudos podem ter mais valor de curiosidade do que prático - pelo menos em certa perspectiva, já que todo conhecimento científico é útil em algum ponto -, outros podem ter mais notáveis implicações (!). O prêmio foi criado pela revista de humor científico Annals of Improbable Research (Anais da Pesquisa Improvável).
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Este ano, um dos estudos premiados foi publicado em 2020 no periódico Integrative Organismal Biology (Ref.2), trazendo uma curiosa - e talvez questionável - análise sobre um dos possíveis fatores evolutivos que podem ter favorecido a presença de barba nos homens (sexo masculino).
Como em outras espécies de primatas superiores (chimpanzés, gorilas, orangotangos), os machos da nossa espécie (Homo sapiens) perpetram a maior parte da violência e a maioria desses atos de agressão são direcionados para outros machos. Quando os humanos lutam mão-a-mão, o rosto é geralmente o alvo primário. Consequentemente, não é uma surpresa que os humanos machos sofrem substancialmente mais lesões no rosto devido a violência interpessoal do que as fêmeas humanas. Estudos epidemiológicos indicam que os homens sofrem 68-92% mais lesões no rosto provocadas por socos do que as mulheres.
Nesse caminho, considerando que o dimorfismo sexual é frequentemente maior naqueles fenótipos que melhoram a capacidade dos machos de dominar outros machos, temos, de fato, grandes diferenças sexuais nos ossos faciais entre os sexos feminino e masculino tanto nos humanos modernos quanto em outros homininis arcaicos, partes anatômicas as quais sofrem as maiores taxas de fraturas provocadas por brigas. Da perspectiva da seleção sexual, é razoável suspeitar, portanto, que essas características faciais dismórficas emergiram como resultado da competição intraespecífica entre machos, agindo para proteger o rosto de danos críticos. Além de estruturas músculo-esqueléticas, uma característica macho-específico dos humanos é a presença de barba.
Entre nossos mais próximos parentes evolutivos, os primatas Africanos não-humanos, pelagem facial é igualmente proeminente em machos e em fêmeas. Relativo a esses primatas, as fêmeas humanas possuem uma dramática redução na pelagem facial, enquanto que os machos humanos, a partir da puberdade, geralmente desenvolvem uma densa e espessa pelagem que cobre a frente do maxilar superior (bigode), a parte anterior do pescoço e o maxilar inferior. Assim como é verdade para características esqueléticas masculinas, homens com barbas cheias tendem a ser percebidos como mais masculinos, socialmente dominantes, mais experientes (1) e associados com um comportamento agressivo em comparação com homens de barba feita, reduzida ou ausente.
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Alguns autores têm sugerido que essas características são devido ao realce que as barbas proporcionam no tamanho e na aparência de regiões sexualmente dismórficas no rosto - mais notavelmente os maxilares superior e inferior. Já outros têm proposto que a barba na verdade serve para proteger a garganta e o maxilar durante brigas. Nesse último ponto, a juba dos leões machos podem oferecer uma interessante analogia.
Assim como humanos, jubas de leões (Panthera leo) são específicas de machos. Os densos e muito espessos fios de pelo dessas jubas podem fornecer proteção contra os dentes de outro macho atacante ou pode tornar a cabeça, pescoço e peito mais difíceis de serem agarrados com as garras dos membros dianteiros, ajudando a prevenir danos de efetivas e poderosas mordidas. De fato, o próprio Charles Darwin (1871) propôs essa função de proteção para justificar a evolução de "cabeleira" em leões, lince-do-Canadá (Lynx canadensis), babuínos (Papio), leões-marinhos (Otariinae), bisões (Bison) e no cervo-Canadense (Cervus canadensis). Porém, no caso dos humanos, Darwin sugeriu que barba evoluiu como um "ornamento" favorecido pelas fêmeas, sem um real propósito funcional.
De qualquer forma, a proposta de que as barbas humanas podem fornecer proteção em lutas é consistente com as observações de que (i) o maxilar inferior, o qual é superficialmente coberto pela barba, é um dos ossos faciais mais comumente fraturados durante violência interpessoal, e (ii) uma fratura no maxilar inferior, antes da existência dos métodos cirúrgicos modernos, provavelmente representava um grave dano. Humanos pré-históricos e antigos com um maxilar quebrado dificilmente duravam muito tempo.
No estudo premiado com o IgNobel 2021, pesquisadores resolveram testar a assim chamada "Hipótese do Pugilista", conduzindo uma série de experimentos biomecânicos para avaliar o nível de proteção conferido pelas barbas. Para isso, eles cobriram um material compósito feito com fibra epóxi - similar à estrutura e características mecânicas de ossos humanos - com lã de ovelha (análogo de uma barba humana cheia), criando amostras representando um rosto humano coberto com barba. Amostras feitas apenas com o material compósito simularam um rosto sem barba. Em seguida, diferentes impactos-pesos foram aplicados sobre as amostras simulando socos de diferentes intensidades atingindo o maxilar inferior humano. Os resultados mostraram que a "barba cheia" absorvia 37% mais energia do que amostras sem proteção capilar e que os "ossos maxilares" resistiram 16% mais ao impacto de forças antes de quebrar.
Enquanto que os resultados do estudo são, à princípio, consistentes com a Hipótese do Pugilista, os pesquisadores também realçaram que o papel protetor da barba contra impactos de socos sobre ossos e pele pode não ser válido em todos os casos. Pelagem facial humana varia dramaticamente entre populações: enquanto indivíduos do Oriente Médio e do Norte Europeu são capazes de crescer grossas e densas barbas, pessoas no Leste Asiático e de ancestralidade América-Indiana possuem pelos faciais pouco aparentes.
É incerto o porquê da pelagem facial humana variar tanto entre grupos étnicos e geográficos. Como as mulheres não desenvolvem barbas, é provável que a presença de robusta cobertura de pelos faciais em humanos esteja associada a efeitos deletérios. Nesse contexto, se, por exemplo, não exista alta taxa de brigas interpessoais em uma população ao longo de muito tempo - pelo menos não na forma de brigas corporais diretas com socos - a pressão seletiva contra a manutenção da barba pode prevalecer durante o percurso evolutivo. Pode ser que a barba reduza a eficiência da termorregulação ou mesmo reduza a eficiência de síntese de vitamina D ao expor menos pele à radiação solar (2).
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De qualquer forma, várias características músculo-esqueléticas humanas são dismórficas e associadas diretamente com agressividade e violência. Diferenças sexo-baseadas de força muscular, velocidade de ação, massa muscular, robustez óssea e formato facial são fortes indicativos de seleção sexual no sentido de promover melhor performance em conflitos diretos entre machos. Além disso, postura bípede e proporção das mãos humanas sugerem processos evolutivos favorecendo luta com os punhos. A barba pode ser mais um traço fenotípico que evoluiu em parte como resposta à "porradaria"... ou não.
Importante: A "hipótese do pugilista" é encarada com muito ceticismo na comunidade científica e possui pouco suporte de outros pesquisadores. Barba como resultado de seleção sexual continua a hipótese prevalente e amplamente citada na literatura acadêmica.
REFERÊNCIAS
- https://attheu.utah.edu/facultystaff/ig-nobel-beard/
- Carrier et al. (2020). Impact Protection Potential of Mammalian Hair: Testing the Pugilism Hypothesis for the Evolution of Human Facial Hair, Integrative Organismal Biology, Volume 2, Issue 1, 2020, obaa005. https://doi.org/10.1093/iob/obaa005