Evidência de consumo de cerveja há 9 mil anos no sul da China: Hipótese da Cerveja?
Bebidas alcoólicas têm sido há um longo tempo conhecidas de servir uma importante função sócio-cultural em antigas sociedades, incluindo especialmente rituais festivos. Um novo estudo publicado no periódico PLOS ONE (Ref.1) trouxe evidência do consumo de cerveja há cerca de 9 mil anos no sul da China, o qual foi provavelmente parte de um ritual para honrar os mortos. Os achados são baseados na análise de antigos potes de cerâmica encontrados enterrados em um local de Qiaotou, tornando-o um dos mais antigos locais do mundo em relação ao início do consumo de cerveja. Além disso, os achados trazem mais suporte à hipótese de que o consumo de cerveja pela humanidade foi crucial para a emergência e estabelecimento da agricultura.
O etanol (C2H5OH) das bebidas alcoólicas é o mais amplamente usado psicoativo no mundo. Sociedades humanas têm investido profundamente na produção, consumo, e distribuição de bebidas alcoólicas por milhares de anos. No Egito Antigo, a produção de cerveja era um mecanismo efetivo que transformou produtos de agricultura em um valioso meio extra para pagamentos e recompensas, facilitando a ascensão das desigualdades sociais. No Oriente Próximo, festas ritualizadas envolvendo bebidas fermentadas ajudaram a manter coesão social e ideológica entre caçadores-coletores, possivelmente operando como uma força alimentadora por trás da domesticação inicial dos cereais. Nos Andes, a produção de chicha (bebida fermentada produzida por nativos desde o Império Inca) definia relações sociais, estruturava os ritmos de atividades agrícolas, e forneciam uma base para a legitimação das elites governantes.
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ATENÇÃO: Não existe evidência científica suportando um limite seguro para o consumo alcoólico, este o qual é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de cânceres diversos. Grávidas NÃO devem consumir qualquer nível alcoólico. Para mais informações, acesse: A verdade por trás dos supostos benefícios à saúde oriundos do consumo alcoólico
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Bebidas alcoólicas pré-históricas incluem cerveja, vinho e hidromel. Vinho e hidromel eram feitos de frutas, mel ou outras substâncias compostas de açúcares simples fermentáveis em etanol com leveduras (fungos unicelulares; ex.: levedura de cerveja, espécie Saccharomyces cerevisiae). Cerveja, por outro lado, é feita de grãos cereais ou outras substâncias amidosas, como arroz, milho, cevada, milheto e tubérculos. Essas matérias-primas contêm carboidratos não fermentáveis que devem ser sacarificados antes da fermentação. Tecnicamente, cerveja é qualquer bebida fermentada feita de plantações através de processo com dois estágios de transformação: primeiro, enzimas transformam amido em carboidratos mais simples (sacarificação) e, segundo, leveduras convertem os carboidratos simples em etanol e outros compostos, como gás dióxido de carbono (fermentação).
O Vale do Rio Yangtze no sul da China representa a área central da agricultura de arroz. A transição da atividade de coleta para o plantio de arroz ocorreu gradualmente ao longo de 5 mil anos, desde o estágio incipiente do cultivo de arros no início do Holoceno até o estabelecimento do plantio extensivo de arroz na cultura Liangzhu (5300-4400 anos atrás). A cultura Shangshan foi a mais antiga cultura Neolítica na região, capturando o começo da domesticação de arroz e do sedentarismo. Um dos locais arqueológicos da cultura Shagshan sendo atualmente explorados está localidado em Qiaotou, e datado em 9000-8700 anos atrás. Em Qiaotou, temos inclusive as mais antigas cerâmicas pintadas hoje conhecidas.
De acordo com registros históricos, a manufatura de cerveja na China Antiga dependia de três agentes de sacarificação: saliva humana (mastigação), brotos de grãos (maltes) e iniciadores de bolor (qu). O método de inicialização com bolor - agindo como um agente tanto na sacarificação quanto na fermentação - foi primeiro inventado na China e mais tarde se espalhou para outras regiões na Ásia. Por exemplo, o povo Khmer no Camboja produzia iniciadores ricos em fungos do gênero Rhizopus ao misturar pó de arroz com cascas de arroz e várias plantas secas locais. Nativos Taiwaneses produziam arroz e bebidas alcoólicas de milhetos usando iniciadores feitos de bolores em grãos cozidos e diferentes ervas locais (ex.: famílias Asteraceae e Chenopodiaceae). Essas plantas-ervas são ricas em leveduras e outros fungos e podem significativamente aumentar a atividade microbiana durante a fermentação da cerveja.
No novo estudo, os pesquisadores revelaram a primeira evidência de consumo de cerveja no sul da China em um contexto ritualístico de enterro dos mortos no início do Holoceno. Durante exploração do sítio arqueológico de Qiaotou, eles encontraram vários potes de cerâmica coloridos (pintados), decorados com figuras abstratas e de alta qualidade em uma plataforma de terra (80 m x 50 m de extensão, com elevação de 3 m acima do solo), a qual estava cercada por canais humano-produzidos (10-15 m de comprimento e 1,5-2 m de profundidade). Nenhuma estrutura de moradia foi encontrada no local. A plataforma de terra continha dois esqueletos humanos, e os múltiplos potes coloridos provavelmente representam os mais antigos utensílios de cerâmica pintados.
Alguns dos potes revelados eram relativamente pequenos e podiam ser basicamente segurados com uma única mão, como copos de beber modernos. Sete de 20 potes analisados mostraram ser muito similares a potes de pescoço longo do tipo Hu, estes os quais eram usados para o consumo de bebidas alcoólicos em períodos históricos posteriores. E, de fato, quando os pesquisadores aplicaram técnicas analíticas de resíduos microfossilizados nos potes (visando investigar vestígios de amido, plantas e fungos), eles mostraram que alguns deles foram usados para comportar cerveja feita de arroz (gênero Oryza).
Os achados fornecem também a mais antiga evidência para o uso de inicializador qu na manufatura de cerveja, pré-datando registros escritos em pelo menos 8 mil anos. Segundo os autores do estudo, a origem do método de inicialização com bolor pode ter sido uma descoberta acidental: quando grãos de arroz eram deixados ao ar livre em um ambiente quente e úmido, se tornavam mofados, produzindo um concentrado de amilases fúngicas, leveduras e bactérias. Sem conhecimento científico sobre o processo, o povo em Qiaotou provavelmente produzia a cerveja ao misturar arroz cozido, lágrimas de Nossa Senhora (grãos da planta Coix lacryma-jobi) e tubérculos, inspirados por observação natural e através de tentativa e erro; sacarificação e fermentação ocorriam simultaneamente através da adição de qu, e, durante o armazenamento, uma fragrante bebida alcoólica era fabricada. É incerto, porém, se mel e/ou frutas eram também adicionadas como ingredientes.
Dado que os potes em Qiaotou foram encontrados próximos de túmulos e em uma área não-residencial especial e de alto status, os pesquisadores concluíram que esses recipientes provavelmente foram usados em cerimônias ritualísticas relativas ao enterro dos mortos. Além disso, os vestígios únicos de arroz em Qiaotou e o fato do arroz não-domesticado exigir árduas e longas horas de trabalho diário para colhê-lo em suficiente quantidade, indicam que esses eram cultivares luxuosos reservados para eventos especiais. Isso sugere que o consumo de cerveja provavelmente foi um elemento essencial nos rituais pré-históricos funerários no sul da China, contribuindo para relações sociais de coleta cooperativa de alimentos e para a emergência de complexas sociedades agrícolas quatro milênios mais tarde.
BEBIDAS ALCOÓLICAS E AGRICULTURA
Desde o assim chamado "Simpósio de Braidwood" em 1953 (Ref.2), o consumo de bebidas alcoólicas têm sido reconhecido como possível força de suporte para o cultivo de cereais e a transição para a agricultura. A "Hipótese da Cerveja", a qual foi primeiro proposta no simpósio pelo professor J. D. Sauer e colegas, e mais tarde apoiada por outros acadêmicos, tem ganhando crescente suporte de evidências científicas resultantes de estudos arqueológicos publicados nos últimos anos.
Em várias regiões pré-históricas e antigas do mundo, o consumo de bebidas alcoólicas, especialmente cerveja, era parte integral de rituais e festas, um mecanismo de regulação social em sociedades hierárquicas. Para suprir a matéria-prima para a produção de cerveja, é proposto que grupos de caçadores-coletores começaram a investir cada vez mais no plantio de cereais diversos, ajudando a abrir o caminho para o sedentarismo e o estabelecimento da agricultura. Cerveja e outras bebidas alcoólicas podem não terem sido apenas uma consequência da agricultura, mas, sim, um dos gatilhos da cultura agrícola.
Possível evidência de cerveja tem sido identificada na caverna de Raqefet (13700-11700 anos atrás), um túmulo Natufiano no Monte Carmel, Israel, assim como no sudeste da Turquia, em Göbekli Tepe, um santuário monumental erguido por grupos humanos de caçadores-coletores. A descoberta de cerveja feita de arroz em Qiaotou fornece mais uma evidência de suporte para a Hipótese da Cerveja. Apesar da domesticação do arroz já estar ocorrendo por cerca de um milênio antes de Qiaotou ser construída, o consumo de cerveja pode ter sido um dos vários fatores contribuintes no estabelecimento e contínuo processo de domesticação do arroz.
REFERÊNCIAS
- Wang et al. (2021). Early evidence for beer drinking in a 9000-year-old platform mound in southern China. PLoS ONE 16(8): e0255833. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0255833
- Braidwood et al. (1953). Symposium: Did Man Once Live by Beer Alone?. American Anthropologist. New Series, Vol. 55, No. 4 (Oct., 1953), pp. 515-526 (12 pages). https://www.jstor.org/stable/663781
- Liu et al. (2018). Fermented beverage and food storage in 13,000 y-old stone mortars at Raqefet Cave, Israel: Investigating Natufian ritual feasting, Journal of Archaeological Science: Reports, Volume 21, Pages 783-793, ISSN 2352-409X. https://doi.org/10.1016/j.jasrep.2018.08.008
Reviewed by Saber Atualizado
on
setembro 10, 2021
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