Vacina de dose única contra a COVID-19, eficaz e segura, vai chegar no Brasil
O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, informou ontem (08/06) que os 3 milhões de doses da vacina da Janssen que devem chegar ao Brasil na semana que vem têm prazo de validade até 27 de junho (Ref.1) (!). Como o imunizante é importado, o país terá de 10 a 14 dias para receber, distribuir e aplicar todas as doses, e focará a distribuição nas capitais para uma mais efetiva logística. Por outro lado, a vacina (Ad26.COV2.S) possui a vantagem de precisar de apenas uma única dose. O Brasil firmou um acordo com a Janssen de receber um total de 38 milhões de doses com entregas no 3º e no 4º trimestre.
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(!) ATUALIZAÇÃO (14/06/21): No dia 10 junho, a Administração de Drogas e Alimentos dos EUA (FDA) estendeu o prazo de validade da vacina da Janssen sob refrigeração de 2-8°C de 3 meses (90 dias) para 4,5 meses (135 dias) (Ref.5). Hoje, a Anvisa anunciou que aceitou essa extensão do prazo para as 3 milhões de doses que estão sendo enviadas para o Brasil - mas que não chegarão esta semana como era esperado (Ref.6).
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Produzida pela Farmacêutica Janssen, uma divisão Bélgica-baseada da Johnson & Johnson, em colaboração com o hospital universitário Beth Israel Deaconess Medical Center (BIDMC), ligado à Escola de Medicina de Harvard, o imunizante Ad26.COV2.S engloba um vetor recombinante e de replicação-incompetente do adenovírus humano tipo 26 (Ad26), contendo no seu material genético (DNA de fita dupla) a sequência necessária para expressar a proteína Spike (S) do novo coronavírus (SARS-CoV-2) - a "coroa" proteica sobre a superfície desse vírus. Apesar do Ad26 ser geneticamente modificado para não se proliferar no organismo humano, esse vetor ainda possui a capacidade de infectar células humanas e entregar o material genético associado à proteína S ao núcleo celular.
A proteína S é crucial para a capacidade de infecção do SARS-CoV-2 nas células humanas, via interação com o receptor glicoproteico ACE2 e a protease TMPRSS2. A proteína S é o alvo preferencial dos anticorpos humanos, especialmente anticorpos neutralizantes. Ao vacinar as pessoas com a Ad26.COV2.S, o objetivo é fazer o corpo reconhecer a proteína S e desenvolver respostas imunes específicas (anti-SARS-CoV-2) que irão ajudar a impedir que o vírus infecte as células humanas, prevenindo infecção e subsequente desenvolvimento da COVID-19 sintomática ou mesmo assintomática.
O adenovírus modificado entra na célula alvo ao se ligar ao receptor de Coxsackie/Adenovírus (CAR). Após se ligar ao CAR, o adenovírus é internalizado via endocitose integrina-mediada seguida por transporte ativo para o núcleo, onde o DNA é expresso epissomalmente (sem integração com o cromossomo do hospedeiro), permitindo que o gene da proteína de interesse (no caso, da proteína S) continue sendo expresso e passado adiante durante a replicação celular por um determinado período de tempo sem modificar o genoma do hospedeiro.
Três proteínas S sintetizadas pela célula podem se juntar para formar coroas, que se fixam na membrana celular. Ou a proteína S sintetizada pode ser fragmentada pela célula em pequenos pedaços que acabam também aderidos na membrana externa. Essas proteínas S (parciais ou completas) acabam sendo reconhecidas de diferentes formas pelo sistema imune do nosso corpo, induzindo uma imunidade contra as partículas virais do SARS-CoV-2, incluindo imunidade humoral (anticorpos) e imunidade celular (envolvendo células T e B).
Como o DNA modificado do adenovírus vetor é mais estável do que o mRNA utilizado nas vacinas da Pfizer e Moderna - as quais precisam de ultra-refrigeração de 70°C negativos -, e protegido pelo capsídeo viral, a Ad26.COV2.S pode ser refrigerada por até 4,5 meses a uma temperatura de 2-8°C, e armazenada por até 2 anos em freezer padrão (25°C a 15°C negativos).
EFICÁCIA, DOSE E SEGURANÇA
A vacina da Johnson & Johnson é fruto de décadas de pesquisa sobre vacinas adenovírus-baseadas. Em julho de 2020, a primeira desse tipo aprovada para uso geral e produzida pela empresa foi uma vacina para o Ebola, e outras estão no momento em desenvolvimento, incluindo imunizantes visando os vírus HIV e Zika. A vacina da Astrazeneca/Oxford (ChAdOx1 nCoV-19) visando também proteção contra a COVID-19 é outra baseada em adenovírus e vem sendo amplamente aplicada no mundo após passar por testes clínicos de Fase 3. Essas vacinas têm se mostrado seguras e capazes de induzir respostas imunes duráveis.
A Ad26.COV2.S, em testes pré-clínicos, induziu proteção durável em baixas doses, e dados clínicos de Fases 1 e 2 mostraram que uma única dose de 0,5 mL contendo 5x10^10 partículas virais do vetor era segura e induzia excelentes respostas imunes humoral e celular. Na preparação de cada dose, não entram adjuvantes, antibióticos e preservativos, apenas tampão com ingredientes comumente encontrados em imunizantes.
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Análises primárias do teste clínico de Fase 3 (ENSEMBLE) foram publicados no dia 21 de abril deste ano no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.3). O estudo (duplo-cego, placebo-controlado, randomizado) engloba mais de 44 mil participantes na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, África do Sul e EUA, e possui duração planejada de 2 anos. Na análise primária, foram analisados 19630 participantes que receberam a Ad26.COV2.S (dose única de 5x10^10 partículas virais/0,5 mL) e 19691 participantes que receberam um placebo (solução salina). Todos os participantes foram previamente testados negativos para infecção com o SARS-CoV-2 (testes laboratoriais) e tinham acima de 18 anos de idade. Os resultados primários de interesse foram a eficácia global da vacina contra COVID-19 moderada a severa-crítica com início mínimo 14 dias e 28 dias após a vacinação.
Os resultados da análise primária mostraram que a Ad26.COV2.S efetivamente protegia contra COVID-19 moderada a severa-crítica com eficácia de 66,9% após 14 dias e de 66,1% após 28 dias. A eficácia da vacina foi maior contra a doença severa-crítica após 14 dias (76,7%) e após 28 dias (85,4%). E, o mais importante, a vacina foi eficaz em meio à ampla disseminação de variantes de preocupação nos países englobados pelo estudo, mesmo sendo baseada na cepa viral que circulava no início do surto epidêmico na China (Wuhan).
Apesar de 94,5% dos casos registrados de COVID-19 no estudo clínico conduzido na África do Sul terem sido causados pela variante B.1.351 (associada a forte evasão imune e maior taxa de transmissibilidade) (!), a eficácia da Ad26.COV2.S alcançou 52% e 64% contra COVID-19 moderada a severa-crítica após 14 e 28 dias, respectivamente, e eficácia contra COVID-19 severa-crítica de 73,1% e de 81,7%, respectivamente. Aqui no Brasil, mesmo com as cepas P.1 e P.2 dominantes e associadas a evasão imune e maior transmissibilidade, a eficácia foi de 88% contra doença severa-crítica. Esses achados foram reforçados por um estudo mais recente publicado na Nature (Ref.7), onde pesquisadores - através de testes in vitro com soro de pacientes vacinados com a Ad26.COV2.S - mostraram que, embora reduzida a efetividade de anticorpos neutralizantes contra as variantes P.1 e B.1.351, respostas de anticorpos não-neutralizantes e de células-T (imunidade celular) parecem permanecer amplamente preservadas contra essas variantes de preocupação.
(!) Leitura recomendada: Vacina da Oxford não possui eficácia contra a variante Sul-Africana na prevenção de COVID-19 leve a moderada, indica estudo
A eficácia permaneceu consistente e pouco variável ao longo de vários grupos de análise com base na idade, status de comorbidades, sexo e população (etnia, geografia). Três mortes ocorreram no grupo da vacina (nenhuma relacionada com a COVID-19) e 16 mortes foram registradas no grupo de placebo (5 eram relacionadas à COVID-19). Eficácia não mostrou diminuir em aproximadamente 3 mil participantes seguidos por 11 semanas ou entre mil participantes seguidos por 15 semanas, achado consistente com a persistência de imunidade humoral que foi observada nos testes clínicos de Fases 1 e 2.
Quanto ao perfil de segurança, mais efeitos adversos foram observados e reportados no grupo de vacina, porém eram geralmente leves a moderados e transientes. O mais comum efeito adverso era dor no local de aplicação da vacina, seguido de dor de cabeça, fatiga, mialgia e/ou náusea. Eventos adversos sérios foram muito raros.
REFERÊNCIAS
- https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/06/08/ministerio-da-saude-recebera-vacina-da-janssen-com-validade-em-27-de-junho-e-tera-ate-14-dias-para-aplicar-todas-as-doses-diz-conass.ghtml
- https://www.nytimes.com/interactive/2020/health/johnson-johnson-covid-19-vaccine.html
- https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2101544
- https://www.cdc.gov/vaccines/acip/meetings/downloads/slides-2021-02/28-03-01/02-COVID-Douoguih.pdf
- https://www.janssenmd.com/janssen-covid19-vaccine/product-properties/drug-storage-stability/expiration/janssen-covid-19vaccine-obtaining-the-expiration-date
- https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/06/14/anvisa-aprova-ampliacao-do-prazo-de-validade-de-3-milhoes-de-doses-da-janssen.ghtml
- https://www.nature.com/articles/s41586-021-03681-2