Os lendários Lobos-Terríveis não eram lobos
- Atualizado no dia 7 de abril de 2025 -
O lendário lobo pré-histórico (ou lobo-terrível) foi um canídeo predador de médio a grande porte - com massa corporal estimada de ~68 kg quando adulto - que habitou a América de 250 mil até 13 mil anos atrás, entrando em extinção no final da última Era do Gelo junto com os mamutes e tigres-dentes-de-sabre. Com dimensões corporais cerca de 20% maiores do que aquelas dos atuais lobos-cinzentos (Canis lupus), por muito tempo acreditou-se que esses canídeos pertenciam ao mesmo gênero (Canis). De fato, até o momento o lobo-terrível era classificado (espécie) como Canis dirus.
Em um estudo publicado em 2021 no periódico Nature (Ref.1), pesquisadores refutaram essa classificação, e trouxeram sólidas evidências que o lobo-terrível pertencia a uma linhagem de canídeos bem distinta dos lobos e outros canídeos hoje vivos, mesmo sendo morfologicamente similares aos lobos-cinzentos.
Para essa conclusão, foram investigadas dezenas de fósseis dessa espécie preservados em diferentes museus e universidades, onde foram recuperados cerca de 25% do DNA nuclear e o DNA mitocondrial completo de cinco espécimes, datados de 13 mil até mais de 50 mil anos atrás. A análise dos genomas coletados confirmou que os lobos-terríveis ocupavam uma linhagem única, separada do lobo-cinzento e outros canídeos ainda vivos em cerca de 5,7 milhões de anos. Ou seja, de lobo não tinham praticamente nada, apenas um distante ancestral comum, mas todos incluídos na subtribo Canina (subfamília Caninae).
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Cladograma baseado em evidências genéticas acumuladas nos últimos anos, mostrando a posição filogenética do lobo-terrível (Aenocyon dirus) em relação aos outros membros da subtribo Canina. Considerando essa solução filogenética, lobos-terríveis possuem relação mais próxima com chacais do gênero Lupulella. |
Além disso, os pesquisadores não encontraram nenhuma evidência de fluxo genético entre lobos-cinzentos ou coiotes na América do Norte com os lobos-terríveis - mesmo sendo comum hibridização entre canídeos -, sugerindo que esses últimos evoluíram em isolamento a partir de ancestrais do Pleistoceno dessas espécies.
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Restauração artística e esqueleto de um lobo-terrível baseados em fósseis descritos. Autor: Erwin S. Christman, 1916 |
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Reconstrução em tamanho real de um lobo-terrível, exibida no La Brea Tar Pits & Museum, Los Angeles, EUA. |
O estudo também trouxe evidência para uma origem dos lobos-terríveis na América, enquanto aponta que os ancestrais dos lobos-cinzentos, coiotes (Canis latrans) e cães-selvagens-asiáticos (Cuon alpinus) evoluíram na Eurásia e colonizaram a América do Norte em um período bem mais recente. E provavelmente os lobos-terríveis eram os canídeos mais abundantes da América durante o Pleistoceno.
Os achados suportam um novo gênero e espécie para o lobo-terrível: Aenocyon dirus, uma classificação proposta originalmente em 1918.
> Embora sejam comumente associados à América do Norte, lobos-terríveis também habitaram a América do Sul, incluindo fósseis descritos na Venezuela, Peru, Bolívia e no Chile. Esse canídeo invadiu o território sul-americano no Pleistoceno Tardio. Ref.2-3
> No Pleistoceno Tardio, fósseis de lobos-terríveis têm sido associados com uma alta incidência de osteocondrose (até 7%), uma doença óssea que afeta articulações de vertebrados, incluindo humanos. Pode ser um sinal do declínio populacional e maior nível de endogamia à medida que se aproximavam da extinção. Possíveis fatores causais da extinção dessa espécie incluem extinção de presas da megafauna (ex.: mamutes) e potencial competição com humanos e outros canídeos. Ref.4
CURIOSIDADE: O lobo-terrível é representado na série de livros Crônicas de Gelo e Fogo (que basearam a série televisiva Game of Thrones), como os lobos gigantes da família Stark.
REFERÊNCIAS
- Perri et al. (2021). Dire wolves were the last of an ancient New World canid lineage. Nature 591, 87–91. https://doi.org/10.1038/s41586-020-03082-x
- Ruiz-Ramoni et al. (2022). Canids (Caninae) from the Past of Venezuela. Ameghiniana, 59(1):97-116. https://doi.org/10.5710/AMGH.16.09.2021.3448
- Caro et al. (2023). First record of cf. Aenocyon dirus (Leidy, 1858) (Carnivora, Canidae), from the Upper Pleistocene of the Atacama Desert, northern Chile. Journal of Vertebrate Paleontology. https://doi.org/10.1080/02724634.2023.2190785
- Schmökel et al. (2023). Subchondral defects resembling osteochondrosis dissecans in joint surfaces of the extinct saber-toothed cat Smilodon fatalis and dire wolf Aenocyon dirus. PLoS ONE, 18(7): e0287656. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0287656
