Evidência química direta de uma Terra favorável à vida há 3,5 bilhões de anos
Em um estudo publicado no periódico Nature Communications (1) pesquisadores trouxeram a primeira sólida evidência de que as condições orgânicas da Terra eram favoráveis à vida microbiana há 3,5 bilhões de anos. No caso, os pesquisadores investigaram inclusões fluídas microscópicas no mineral sulfato de bário (barita), em amostras extraídas da Mina de Dresser, na região de Marble Bar, Austrália, revelando vários compostos orgânicos que poderiam servir como ingredientes pró-bióticos, incluindo ácido sulfídrico (H2S), ácido acético (CH3COO2H), metano (CH4), poli-sulfanos orgânicos e tióis.
Micróbios primitivos provavelmente requereram pequenas moléculas orgânicas para agir como blocos de biomassa e como substratos catabólicos para o metabolismo heterotrófico. Uma potencial fonte de tais compostos incluem matéria orgânica reciclada e redistribuída a partir de biomassa pré-existente (mundo pós-biótico). Em adição, ampla matéria orgânica exógena no mundo pré-biótico provavelmente entrou na Terra por partículas de poeira interplanetária e por meteoritos, além de reações diversas ocorrendo na superfície do nosso planeta, catalisadas por fontes hidrotermais, minerais variados (ex.: pirita), radiação solar e mesmo por raios de tempestade (!). Inúmeros experimentos laboratoriais têm sido conduzidos nas últimas décadas simulando as condições da Terra pré-biótica e demonstrando que vários compostos essenciais à vida provavelmente estavam presentes naquela época (!).
(!) Para mais informações, acesse: A Origem da Vida: O que sabemos até agora?
Moléculas orgânicas como ácido acético e metanotiol (CH3SH), produzidos nesses experimentos laboratoriais têm sido propostas como blocos básicos pró-bióticos essenciais. Porém, até o momento, não existia evidência direta de tais compostos presentes na Terra há 3,5 bilhões ou mais, período de onde temos evidências de potencial vida microbiana (distintas assinaturas de carbono registradas em rochas).
A Formação Dresser (Cráton Pilbara, no Oeste da Austrália) é um dos mais importantes pontos geológicos em termos de registro dos habitats hidrotermais dos primórdios do nosso planeta. As rochas ali presentes estão apenas levemente metamorfoseadas e ainda preservam numerosas potenciais bioassinaturas, incluindo estromatólitos, microfósseis e anomalias isotópicas. Além disso, amostras de chert (rocha sedimentar constituída de sílica, SiO2) e de barita (BaSO4) dessa formação contêm material querogenoso orgânico de alegada origem biológica. Esses minerais também contêm numerosas inclusões primárias fluídas, potencialmente preservando a química do ambiente de bilhões de anos atrás.
No novo estudo, os pesquisadores usaram técnicas analíticas de cromatografia gasosa acoplada com espectrometria de massa (GC-MS), microtermometria, petrografia de inclusão fluída, e análise de isótopos estáveis para investigar possíveis moléculas orgânicas primordiais aprisionadas nas inclusões primárias de amostras de barita datadas em cerca de 3,5 bilhões de anos.
As amostras estudadas eram de barita preta, mineral altamente estável sob variadas condições geológicas, e, portanto, preservando com alta fidelidade informações químicas nas suas inclusões fluídas. Essas amostras foram classificadas como sedimentos hidrotermais primários que precipitaram a partir de fluídos liberados de atividade hidrotérmica, corroborando evidências prévias nesse sentido. Análises mais detalhadas dos fluídos confirmaram que não houve alterações químicas pós-aprisionamento no processo de cristalização (formação) do mineral.
As análises químicas nas inclusões fluídas mostraram a presença de grande quantidade de dióxido de carbono (CO2), H2S, água, e também COS, sulfeto de carbono (CS2), dióxido de enxofre (SO2) junto com várias moléculas orgânicas contendo oxigênio (aldeídos, cetonas, ácido acético, tetraidrofurano) e enxofre (tiofeno, tióis, polissulfanos orgânicos), e hidrocarbonetos aromáticos (ex.: benzeno, alquilbenzenos). Vários desses compostos têm sido propostos de serem essenciais para a origem da vida na Terra. Por exemplo, ácido acético pode ter alimentado metanogênese acetoclástica, enquanto sulfetos orgânicos como metanotiol e (metilssulfanil)metano podem ter servido como substratos para bactérias metanogênicas fermentadoras. Monóxido de carbono e metnotiol podem reagir na presença de sulfetos metálicos catalíticos para formar tioacetato de metila, propostos de serem importantes para a formação de lipídios nas condições pré-bióticas e como fonte de energia para o metabolismo microbiano. Isso sem mencionar várias outras rotas de evolução química já propostas que utilizam muitos dos compostos orgânicos presentes nas inclusões fluídas analisadas.
E enquanto vários dos compostos observados nas inclusões fluídas são consistentes com uma origem abiótica, a Formação Dresser também contém uma variedade de evidência para a vida. Portanto, biologia é outra potencial fonte para os compostos orgânicos identificados. Aliás, compostos como H2S, COS, CS2, (metilssulfanil)metano, (metildissulfanil)metano, e tióis são tipicamente formados durante o ciclo microbiano de enxofre em ambientes modernos, e existe evidência isotópica para a presença de processos metabólicos enxofre-baseados durante a formação dos minerais de barita em Dresser.
Em outras palavras, os resultados do estudo suportam um ambiente altamente favorável à emergência da vida há 3,5 bilhões de anos (trazendo evidência direta desse cenário, não apenas especulativa) e/ou de potencial presença de vida microbiana nessa época.
(1) Publicação do estudo: https://www.nature.com/articles/s41467-021-21323-z