Cães reconhecem o próprio corpo como um obstáculo físico, revela estudo
De acordo com um estudo publicado no periódico Scientific Reports (1), analisando 32 cães domésticos (Canis familiaris), nossos amigos caninos parecem ser capazes de reconhecer o próprio corpo como um obstáculo e também entender as consequências das suas próprias ações, uma assinatura de complexa capacidade cognitiva.
Em humanos, uma das primeiras e mais básicas manifestações de auto-representação emerge em idades muito novas com o entendimento da contingência entre as respostas visual e proprioceptiva sobre a posição do corpo. Por exemplo, bebês de 5 meses de idade são capazes de distinguir suas pernas em movimento de um registro em vídeo não-contingente, um bloco cognitivo básico essencial para o reconhecimento corporal em idades mais avançadas em diversas tarefas do dia-a-dia. Nesse sentido, consciência corporal é a habilidade de segurar informação sobre o próprio corpo na mente, como um objeto explícito, em relação a outros objetos no mundo, e é o primeiro passo da auto-representação (consciência).
Para melhor exemplificar, considere que um bebê está sentado sobre um lençol e alguém pede para esse bebê pegar o lençol e lhe dar. Um bebê é considerado como sendo capaz de entender a conexão entre o insucesso inicial da ação e o corpo como um obstáculo para essa ação, caso tente dar o lençol, não consiga, e então saia do lençol para só então dá-lo à pessoa pedindo o lençol. Bebês com menos de 18-24 meses de idade não saem do lençol e eventualmente desistem da tarefa proposta.
Mesmo não alcançando a capacidade cognitiva de primatas superiores e de aves como os corvos e papagaios (2), cães possuem um extensivo e bem estabelecido espectro de complexas capacidades cognitivas, como empatia, aprendizado social e teoria da mente, seguindo e fornecendo sinais referenciais. Considerando a complexidade geral da cognição canina, e as condições ecológicas da espécie (mamíferos predadores, altamente sociais e perfeitamente adaptados para o mais complexo ambiente social – o nicho antropogênico), é esperado que os cães possam mostrar vários componentes associados à atuo-representação.
Para testar essa última hipótese proposta, pesquisadores resolveram investigar se os cães possuem consciência corporal. Para isso, 32 cães foram submetidos a uma tarefa experimental onde os seus corpos eram um obstáculo para a execução da ação proposta. No caso, os cães tinham que pegar e dar um brinquedo (bola) para seus donos, enquanto estavam sentados em um pequeno tapete no qual o brinquedo estava anexado (preso). Em ordem de levantar o brinquedo, os cães tinham que deixar o tapete.
Os resultados dos experimentos mostraram que os cães saíam do tapete com mais frequência e mais cedo quando o brinquedo estava anexado no tapete do que os cães no experimento de controle, onde o brinquedo estava anexado ao chão e deixar a esteira não impactava a habilidade dos cães de entregar o brinquedo para os donos. Além disso, os autores do estudo encontram que os cães deixavam o tapete mais frequentemente com o brinquedo na boca se esse último estivesse anexado ao tapete do que quando anexado ao chão.
Os achados, portanto, sugerem que os cães são, de fato, capazes de reconhecer o próprio corpo como um obstáculo prevenindo-os de completar a tarefa proposta. Além disso, no experimento, esses animais conseguiram diferenciar entre condições quando era necessário sair do tapete para completar a tarefa e quando deixar o tapete não resolveria a tarefa.
Segundo os autores do estudo, isso suporta a ideia de que os cães possuem consciência corporal - um percussor da consciência em si (auto-representação e entendimento que você é mais um pertencendo ao mundo ao seu redor e que suas ações possuem efeito nas coisas e seres ao seu redor) – e que eles podem ter entendimento das consequências das suas próprias ações. O estudo é mais um reforçando que os componentes da alta complexidade cognitiva humana estão amplamente espalhados no mundo animal, não sendo frutos de algum evento dramático, mas, sim, de clássica evolução Darwiniana (3).
(1) Publicação do estudo: https://www.nature.com/articles/s41598-021-82309-x
Leitura recomendada e complementar:
- (2) Performance cognitiva dos corvos é similar àquela de primatas superiores não-humanos
- (3) Linguagem humana: Criação ou Evolução Darwiniana?