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Mutações naturais em peixes de laboratório geraram 'antebraços' nas suas nadadeiras

 
Quando os tetrápodes (vertebrados de quatro membros) começaram a sair da água para a terra firme há aproximadamente 390 milhões de anos, iniciou-se uma notável diversificação na história do nosso planeta que deu origem aos anfíbios, répteis, aves e mamíferos que existem hoje, incluindo humanos e um número de vertebrados aquáticos, como os cetáceos. Agora, quatro robustos estudos - três publicados na Cell e um na Nature - trouxeram importantes novos detalhes de como essa evolução ocorreu a nível genético, incluindo a impressionante demonstração em peixes-zebras de como as nadadeiras provavelmente se transformaram em membros. Em conjunto, os quatro estudos fortemente indicam que os nossos ancestrais peixes já possuíam potenciais redes genéticas permitindo o desenvolvimento de membros e a capacidade de respirar ar atmosférico há pelo menos 50 milhões de anos antes da transição evolutiva água-terra.

 

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Há cerca de 400 milhões de anos, peixes evoluíram membros e saíram para dominar o ambiente terrestre, dando origem aos primeiros tetrápodes. Os membros mais antigos conhecidos do clado Osteichthyes (peixes ósseos) - ancestrais diretos dos tetrápodes (clado Tetrapoda) - emergiram há cerca de 425 milhões de anos, enquanto a mais antiga evidência de tetrápodes data do Devoniano Médio, há aproximadamente 393 milhões de anos, e o mais antigo fóssil de tetrápode data de aproximadamente 373 milhões de anos. Várias hipóteses já foram propostas de como os peixes ósseos eventualmente saíram da água, e talvez a mais consistente delas relacione a interferência de grandes marés nos mares do Devoniano (1). 


(1) Leitura recomendada: Fortes marés podem ter fomentado a evolução de membros nos peixes, o primeiro passo para o surgimento do ser humano na Terra


Independentemente do gatilho inicial para essa transição evolutiva, o acumulado de evidências científicas nas últimas décadas apontam que as bases neurais, musculares e genéticas para a locomoção terrestre parecerem ter emergido nos nossos ancestrais peixes bem antes da terrestrialização, apesar de evidências mais recentes (2) indicarem que as primeiras formas de locomoção terrestre eram distintas daquela que observamos hoje entre os tetrápodes modernos.


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PEIXES-ZEBRAS E MEMBROS


Mudanças em estruturas de apêndices foram elementos chaves para transições evolutivas entre os vertebrados. Adição de elementos esqueléticos ao longo do eixo proximal-distal facilitaram críticas transformações, incluindo a transição nadadeiras-para-membros que permitiu a geração de diversos modos de locomoção.


Os membros dos tetrápodes permitem mobilidade via articulação de múltiplos ossos longos endocondrais, facilitada por juntas sinoviais especializadas. Nesse sentido, os membros evoluíram estruturas bem divergentes ao longo da história evolutiva, incluindo redução ou adição de dedos, transformação de ossos do pulso e do calcanhar, alterações anatômicas proporcionais e mesmo a perda de membros, como nas cobras, alguns anfíbios e mamíferos aquáticos.


O esqueleto dos peixes teleósteos é quase invariante entre as cerca de 30 mil espécies descritas desse grupo. As nadadeiras peitorais desses peixes são compostas de raias dérmicas suportadas na base por um endoesqueleto diminutivo. Esse endoesqueleto tipicamente consiste de quatro longos ossos, chamados de 'radiais proximais', arranjados lado a lada ao longo do eixo anterior-posterior, e não mais do que um único osso ao longo do eixo proximal-distal.


As arquiteturas divergentes das nadadeiras dos teleósteos e os membros dos tetrápodes têm sido mantidas dentro de cada clado por mais de 250 milhões e 350 milhões de anos, respectivamente. Porém, existem homologias nessas arquiteturas, onde os ossos radiais proximais se anexam à junta do ombro dos peixes, similar a como o braço humano se anexa aos nossos ombros. Evidências fósseis sugerem que, similar à atual arquitetura das nadadeiras dos peixes teleósteos, o ancestral comum entre esses peixes e os tetrápodes possuíam uma série de longos ossos arranjados lado a lado nos apêndices-membros peitorais.



Agora, em um novo e impactante estudo publicado no periódico Cell (3), pesquisadores identificaram peixes-zebras (Danio rerio) mutantes que formam ossos longos supernumerários nas nadadeiras peitorais integrados a musculatura, juntas e articulados com elementos vizinhos. Em outras palavras, as mutações associadas permitiram a formação inicial de apêndices similares a membros - a qual pode espelhar o passo fundamental que permitiu a transição dos vertebrados para a terra firme - e a partir de simples mudanças genéticas.


Os pesquisadores encontraram as mutações ao acaso, enquanto analisavam geneticamente vários desses peixes na busca por mutações que afetavam o esqueleto das nadadeiras. As mutações em questão interferem com os caminhos regulatórios (genes) vav2 e waslb, responsáveis por regularem os padrões de apêndices, e modificam o fenótipo dos ossos radiais-proximais. Ao contrário de humanos e de outros tetrápodes, os peixes-zebras não possuem nas nadadeiras séries de elementos esqueléticos articulados, como os componentes dos nossos braços e dedos. Com qualquer uma das mutações, um novo conjunto de ossos chamados de 'radiais intermediários' se desenvolvem e são inclusive capazes de se articularem com os radiais proximais existentes, fazendo uma junta similar ao nosso cotovelo. Esses radiais intermediários seriam equivalentes homólogos aos nossos antebraços, trazendo inclusive musculatura e sistema vascular funcionais.



Análises subsequentes mostraram que os dois genes mutantes ativam os genes Hox11, responsáveis por estabelecerem padrões na região mediana do membro; em específico, as mutações aumentaram a expressão do gene hoxa11b. Ou seja, esses peixes, e provavelmente outros peixes ósseos, já possuem um programa Hox capaz de desenvolver membros a partir de pequenas perturbações genéticas. O achado reforça nossa ligação evolucionária com esses animais e sugerem que a transição água-terra foi longe de ser um evento evolucionário muito complexo.


> Válido também lembrar que um estudo de 2020 revelou uma mutação responsável por defeitos na coluna espinhal de peixes-zebras que tornou essa estrutura óssea mais similar àquela homóloga encontrada nos tetrápodes. Para mais informações, acesse: Mutação em peixe pode explicar crucial transição evolutiva da coluna vertebral


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PEIXES PULMONADOS


Peixes pulmonados (classe Dipnoi) compartilham com os vertebrados terrestres e mamíferos aquáticos a habilidade de respirar ar através de pulmões, os quais são homólogos aos nossos. Aliás, esses interessantes peixes, os mais próximo-relacionados com os tetrápodes modernos em termos evolucionários, foram inclusive pensados de serem anfíbios quando descobertos no século XIX. Dos atuais dipnoicos - seis espécies no total - quatro vivem na África, um na América do Sul e um (Neoceratodus forsteri) na Austrália. Os peixes pulmonados aparecem no registro fóssil a partir do Devoniano, há cerca de 400 milhões de anos, e pouco mudaram em termos anatômicos desde então, com alguns acadêmicos inclusive apelidando-os de "fósseis vivos".



Em um estudo publicado recentemente na Nature (4), pesquisadores sequenciaram em detalhes o genoma do peixe pulmonado Australiano (N. forsteri), o maior conhecido do Reino Animal: estimados 43 Gb, ou seja, 43 bilhões de pares de bases. Para efeito de comparação, o genoma humano possui cerca de 3,1 Gb. A análise genômica reforçou que os peixes pulmonados estão muito próximos do ancestral comum entre peixes ósseos e tetrápodes, compartilhando várias assinaturas genéticas com os tetrápodes modernos, incluindo a expressão de genes associados ao desenvolvimento de membros, como o hoxc13 e o sall1 nas suas nadadeiras, e duplicações genômicas associadas com a respiração obrigatória de ar atmosférico através de pulmões, como surfactantes pulmonares - mistura lipoproteica que cobre a superfície dos pulmões e garante a função pulmonar apropriada - e a expansão de genes de recepção odorífera.  



Já em um estudo publicado hoje no periódico Cell (5), pesquisadores realizaram o sequenciamento genômico do peixe pulmonado Africano (Protopterus annectens), revelando o segundo maior genoma conhecido: 40 Gb, composto em sua maior parte por retrotrasnpósons (componentes genéticos móveis nos cromossomos). Os pesquisadores também encontraram várias assinaturas comuns entre essa espécie e os tetrápodes, incluindo genes associados aos surfactantes pulmonares e a uma maior vascularização do pulmão, habilidade ansiolítica, membros pentadáctilo (com cinco "dedos"), e remodelação faríngea.



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PEIXES ACTINOPTERÍGEOS


Os peixes da classe Actinopterygii (actinopterígeos) são caracterizados por nadadeiras suportadas por "raios", esqueleto interno tipicamente calcificado e aberturas branquiais protegidas por um opérculo ósseo. Englobando também os peixes pulmonados, vários outros membros dessa classe também compartilham muitas características genéticas e anatômicas comuns com os tetrápodes, incluindo capacidade de respirar fora da água com a ajuda de pulmões primitivos.


Em um estudo publicado também hoje na Cell (6), pesquisadores sequenciaram espécies de peixes das famílias Polypteridae (bichir) e Polyodontidae, e das espécies Amia calva e Atractosteus spatula (peixe-jacaré), cobrindo todas as principais linhagens divergentes mais basais dos peixes actinopterígeos. As análises genéticas, mais uma vez, revelaram importantes elementos regulatórios associados ao desenvolvimento de membros e ao desenvolvimento pulmonar, além de redes genéticas responsáveis pela co-evolução de sistemas cardiovasculares e respiratórios durante a evolução da habilidade de respirar ar atmosférico.



Usando o genoma associado aos bichires - peixes que conseguem se mover em terra firme de forma similar aos tetrápodes -, os pesquisadores mostraram que as juntas que conectam os ossos metapterígeos com os ossos radiais desses animais são homólogas às juntas sinoviais nos humanos - as juntas que conectam os ossos do braço superior aos ossos do antebraço. As sequências do DNA que permitem a formação dessas juntas parece ter se perdido durante a evolução dos peixes teleósteos.


O estudo também mostrou que os tecidos da bexiga natatória e do pulmão dos peixes sequenciados são muito similares em termos de expressão genética, confirmando que esses órgãos são homólogos, como predito por Charles Darwin. Porém, enquanto Darwin sugeria que os pulmões tiveram origem da bexiga natatória dos peixes - uma vesícula gasosa que infla e murcha, auxiliando os peixes ósseos a manterem-se a determinada profundidade -, os resultados do estudo sugeriram que a bexiga natatória evoluiu de pulmões primitivos, após divergência de peixes ósseos levando à origem dos tetrápodes.


Nesse último ponto, os pesquisadores propuseram que os pulmões primitivos evoluíram e se estabeleceram entre os peixes após uma marcante depleção de oxigênio nos oceanos terrestres que levou a uma extinção em massa há cerca de 375-360 milhões de anos. Esses pulmões primitivos teriam permitido alguns peixes viverem fora da água, representando outro gatilho para a evolução dos tetrápodes.


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CURIOSIDADE: Apenas na família de peixes Balitoridae, existem hoje pelo menos 11 espécies de peixes conhecidas e ainda vivas que conseguem andar tranquilamente sobre terra firme e de forma similar aos tetrápodes, com o auxílio das nadadeiras peitorais. O achado foi reportado em um estudo publicado em 2020 no periódico Journal of Morphology (7).

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> Leitura recomendada: Quais as evidências da Evolução Biológica?


REFERÊNCIAS

Mutações naturais em peixes de laboratório geraram 'antebraços' nas suas nadadeiras Mutações naturais em peixes de laboratório geraram 'antebraços' nas suas nadadeiras Reviewed by Saber Atualizado on fevereiro 04, 2021 Rating: 5

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