Charles Darwin estava certo sobre o porquê dos insetos perderem a habilidade de voo em ilhas próximas da Antártica
A maioria dos insetos conseguem voar. Por outro lado, muitas linhagens de insetos voadores perderam a habilidade de voar ao longo do curso evolucionário, particularmente em ilhas. Exemplos notáveis desse cenário estão presentes em ilhas localizadas entre a Antártica e continentes como a Austrália, onde quase todos os insetos sem capacidade de voo evoluíram de ancestrais voadores (perda de voo secundária). Nessas ilhas, moscas andam e traças rastejam. Charles Darwin, o pai dos estudos modernos sobre evolução biológica, propôs que esse processo evolutivo de perda de voo teria sido causado por causa dos ventos. Agora, em um estudo publicado no periódico Proceedings of the Royal Society B (1), pesquisadores confirmaram os ventos como fator de causa primária - mas não necessariamente exclusiva - desse fenômeno evolutivo, porém com uma pequena variação em relação ao mecanismo proposto de Darwin.
A causa da perda de voo em insetos habitando ilhas têm sido fervorosamente debatida desde o final do século XIX, em especial entre Darwin (1809-1882) e seu melhor amigo Joseph Dalton Hooker (1817-1911), um botânico e explorador Britânico. Darwin propunha que fortes ventos oceânicos selecionavam a perda de voo em ilhas via deslocamento e/ou desuso, focando no aumento da probabilidade de que indivíduos voadores poderiam ser arremessados para o mar pelos ventos e morrerem, deixando para trás indivíduos que tipicamente não voam. Hooker, por outro lado, contra-argumentava ao enfatizar a ocorrência de insetos não-voadores em ambientes não associados a ilhas onde a hipótese do arraste pelo vento não seria apropriada. Outras várias hipóteses têm sido elaboradas nos últimos 160 anos para explicar a perda de voo em diferentes contextos ecológicos.
A mais amplamente aceita hipótese de seleção natural para a perda de voo foca sobre a perda de habilidade de dispersão em habitats estáveis e persistentes, como cavernas e florestas e aqueles encontrados por inquilinos e endoparasitas, ou quando predadores estão presentes em reduzida extensão (menor pressão de predação). Nesses habitats, indivíduos estão sob relaxada seleção para rapidamente evoluírem e evadirem de ameaças ou mudanças nas condições ambientais.
Em regiões frias e de alta altitude, a perda de voo é proposta de ocorrer para economizar energia (compensação do frio) e pela supressão do voo causada pela baixa pressão do ar (aumentando o custo energético do voo).
No novo estudo, pesquisadores da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Monash, Austrália, resolveram explorar os fatores que causaram perda de voo nos insetos habitando as ilhas sub-Antárticas e Árticas, usando um grande banco de dados sobre os insetos nessas regiões. Eles encontraram que as Ilhas do Sul Oceânico, incluindo aquelas na região sub-Antártica, quase metade (47,4%) dos insetos nativos não eram, morfologicamente, capazes de voar, com o percentual alcançando 73,6% nas ilhas sub-Antárticas, ou seja, aproximadamente 10 vezes o estimado para a incidência global (aproximadamente 5% das espécies de insetos). Como a prevalência de insetos não-voadores é muito baixa em outras ilhas, incluindo as ilhas Árticas, os pesquisadores inferiram alguma característica especial associada às ilhas sub-Antárticas.
Importante, eles também observaram que perda de voo secundária evoluiu repetidamente entre os insetos habitando as Ilhas do Sul Oceânico com os mais fortes ventos, e, portanto, a hipótese de Darwin não poderia ser rejeitada.
Nesse sentido, os pesquisadores testaram várias hipóteses tentando explicar o padrão biogeográfico de perda secundária de voo, incluindo aquelas baseadas em estabilidade de habitat e em abundância de predadores. Todas falharam em termos de determinismo primário, exceto os fortes ventos propostos por Darwin, fator o qual persistiu consistente após ser levado em conta diversas co-variáveis. No entanto, o principal mecanismo proposto por Darwin para explicar essa associação não se mostrou consistente. Variáveis ligadas ao risco de mortal arraste dos insetos pelo vento, incluindo tamanho da ilha e grau de isolamento, mostraram-se fracos preditores da incidência de insetos não-voadores.
Segundo os pesquisadores, é mais provável que os ventos inibem a atividade normal de voo dos insetos, aumentando o custo energético para voar ou manter estruturas de voo. Essa relação de custos energéticos e benefícios do voo é mais complexa do que o simples mecanismo de arraste para o mar de Darwin porque requer uma ligação entre traços associados com a habilidade de voo, propensão ao voo e sobrevivência ou fecundidade. Porém, esse tipo de co-evolução de traços de dispersão e reprodutivos têm sido demonstrado em insetos diversos.
É válido realçar que a hipótese dos ventos não necessariamente excluiu outras hipóteses, as quais podem atuar em conjunto mas de forma não-protagonista. De fato, várias das condições ambientais associadas com outras hipóteses, como baixa pressão de predação, baixas temperaturas e alta insularidade (com consequente menor potencial de dispersão e menor necessidade de voo), caracterizam as Ilhas do Sul Oceânico e podem estar operando em diferentes graus de importância sobre diferentes grupos de insetos.
Como as Ilhas do Sul Oceânico são marcadas pelas mais fortes ventanias na Terra, o grau pelo qual a evolução da perda de voo é determinada pela pressão dos ventos não pode ser automaticamente generalizado para ambientes com ventos mais fracos, apesar de estudos prévios sugerirem que essa hipótese não pode ser rejeitada.
(1) Publicação do estudo: https://royalsocietypublishing.org/doi/pdf/10.1098/rspb.2020.2121