Minúsculo crustáceo redefine movimento ultrarrápido e quase desafia as leis da Física
Em um estudo publicado hoje no periódico Current Biology (1), pesquisadores reportaram que a "garra monstro" de crustáceos machos anfípodes da espécie Dulichiella cf. appendiculata são ultrarrápidas, com o animal fechando-as repetidamente e sem danos destrutivos em menos de 0,01% de 1 segundo, gerando jatos de água de alta energia e pequenos estouros audíveis. O movimento é um dos mais rápidos e energéticos até o momento conhecidos entre os seres vivos da Terra, e quase desafiam as leis da Física, especialmente considerando que o movimento ocorre debaixo d'água.
Anfípodes (ordem Amphipoda) são pequenos crustáceos de variados tamanhos (1 mm até 2 cm), formas corporais e nichos ecológicos que habitam tanto ambientes de água salgada quanto ambientes de água doce. Em vários anfípodes, os primeiros dois membros torácicos são apêndices com uma estrutura similar a garras, chamados de gnatópodes, os quais exibem diversas formas visando alimentação, limpeza, agressão e acasalamento. Vários desses gnatópodes são também sexualmente dismórficos: ampliados nos machos e provavelmente usados para a competição, aquisição de parceiros e copulação. Entre os exemplos de dismorfismo sexual, o gênero Dulichiella se destaca: os machos possuem um único, massivamente ampliado segundo gnatópodes que pode exceder 30% da massa corporal total, os quais são fechados tão rapidamente que impossibilitam visualização humana do movimento.
No novo estudo, para caracterizar as cinemáticas do aperto ultrarrápido da 'garra' da espécie D. appendiculata, pesquisadores coletaram espécimes flutuando em águas próximas do Laboratório Marinho Duke, Beaufort, EUA. Em seguida, os espécimes machos coletados foram anexados a uma plataforma para que ficassem imóveis enquanto fechassem os gnatópodes, movimento este que foi registrado com uma câmera filmando a 300 mil quadros por segundo. No total, foram digitalizados e analisados 60 movimentos de aperto dos gnatópodes a partir de 16 indivíduos.
Antes de fechar o dáctilo do apêndice (Fig.A) violentamente, essa estrutura é posicionada em um ângulo de 70° (Fig.C). As análises revelaram que os mais rápidos movimentos ocorreram em menos de 50 microssegundos, algo 10 mil vezes mais rápido do que um piscar de olho típico em humanos. A aceleração alcançou 2,4 x 10^5 m/s2 (Fig.B), ou seja, comparável à aceleração de um projétil disparado por uma arma de fogo. Durante o movimento, a velocidade final chegou a alcançar 29 m/s (~104 km/h). É um dos menores, mais rápidos e mecanicamente repetível sistema já observado. De fato, o mais impressionante é que o explosivo movimento - capaz de gerar e colapsar bolhas de vapor (cavitação) - é realizado repetidas vezes pelo animal sem danos ou quebra de estruturas, e tudo isso em um cenário de arraste hidrodinâmico (resistência da água) - movimentos repetitivos mais rápidos do que do D. appendiculata já foram observados nas mandíbulas de certas formigas e cupins (Fig.B), mas todos terrestres (resistência do ar).
O dáctilo do apêndice "anabolizado" possui um comprimento em torno de 1 milímetro e um diâmetro equivalente ao do fio de cabelo humano (184 μm). Ainda não se sabe o porquê desses animais necessitarem de um movimento tão rápido nos seus gnatópodes, e mais estudos são necessários para o esclarecimento dessa questão. No vídeo abaixo, é possível ver as filmagens do movimento pelos pesquisadores.
Publicação do estudo: