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Cientistas reportam dois raríssimos e inéditos casos de transmissão materna de câncer no Japão

 
Em um estudo publicado ontem no periódico The New England Journal of Medicine (1), pesquisadores reportaram dois casos raríssimos de transmissão materna-para-o-bebê de câncer, e por uma via e tipo de tumor antes não descritos: canal vaginal e tumor cervical uterino. Mães com câncer cervical precisam dar preferência para o parto por cesárea.


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Transmissão de câncer materno para o bebê é extremamente raro na nossa espécie (Homo sapiens) e é estimado de ocorrer em aproximadamente 1 bebê para cada 500 mil mães com câncer. Nesses casos, cânceres do sangue, pele, pulmões e cérvix na mãe têm sido propostos de terem sido transmitidos a partir do sangue (via transmissão transplacental mãe-para-feto) e frequentemente envolvendo disseminação de células tumorais maternas para múltiplos órgãos (ex.: cérebro, ossos, fígado e tecidos moles) no bebê. Todos os casos reportados até o momento (18 no total) foram diagnosticados em crianças com menos de 2 anos de idade. Em alguns casos, regressão espontânea dos tumores nas crianças afetadas foi observada. 


A transmissão transplacental de células tumorais para o feto é provavelmente rara por causa da barreira placental e da resposta imunológica fetal.


Transmissão mãe-para-bebê de células tumorais no canal vaginal durante o parto natural é também teoricamente possível. Se a mãe possui câncer cervical - frequentemente causado pelo vírus papilomavírus humano (HPV) -, o bebê pode ser exposto às células tumorais nos fluídos do canal vaginal e pode aspirá-las para dentro dos pulmões. No entanto, era desconhecido um caso do tipo descrito na prática.


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No novo estudo, os pesquisadores reportaram dois casos de câncer de pulmão pediátricos com origem materna identificada após sequenciamento genômico de próxima-geração em amostras pareadas de tecido tumoral e de tecido normal.


PACIENTE 1


Um menino de 2 anos e 1 mês de idade foi apresentado a um hospital com um histórico de 2 semanas de uma tosse produtiva. Tomografia computacional (CT) revelou múltiplas massas espalhadas ao longo dos brônquios em ambos os pulmões, e uma biopsia pulmonar realizada com cirurgia toracoscópica vídeo-assistida revelou carcinoma neuroendócrino do pulmão com diferenciação focal glandular.


Um teste citológico realizado na mãe 7 meses antes do parto tinha dado negativo para tumores, e o bebê nasceu pela via vaginal aos 39 semanas de gestação. A mãe - com 35 anos de idade e a qual não havia recebido a vacina contra o HPV (!) - foi diagnosticada com carcinoma de células escamosas do cérvix 3 meses após o nascimento do seu filho. Após o diagnóstico, ela foi submetida a uma radical histerectomia com linfadenectomia, seguida por quatro ciclos de quimioterapia adjuvante. Naquela época, transmissão do tumor para seu filho não era algo suspeito pelo fato das características histológicas do tumor materno terem sido consideradas diferentes daquelas observadas na criança.


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(!) A partir de 2013, após campanhas de desinformações no país, a taxa de vacinação contra o HPV caiu dramaticamente no Japão. Todos os anos, são cerca de 9 mil novos casos de câncer cervical no Japão, associados com ~3 mil mortes. Para mais detalhes sobre essa questão, acesse: Vacina: História, Conquistas e Mitos

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Porém, a pedido dos pais, a criança não recebeu um tratamento contra o tumor encontrado. Nesse sentido, 1 ano depois do diagnóstico do carcinoma neuroendócrino, as lesões progrediram, e a criança - agora com 3 anos de idade - foi hospitalizada. Surpreendentemente, algumas das lesões espontaneamente regrediram na época, mas imagens radiográficas indicaram que múltiplos focos do tumor ainda estavam presentes em ambos os pulmões, e imagens via CT confirmaram que as massas tumorais estavam espalhadas ao longo dos brônquios.


A criança então recebeu tratamento com quimioterapia - incluindo uso de compostos de cisplatina. Alguns dos tumores encolheram, mas outros subsequentemente progrediram.


Na mãe, houve desenvolvimento de metástase no pulmão, fígado e ossos durante os 3 anos que seguiram seu último tratamento. Exame histológica do tumor no pulmão esquerdo da mãe revelou um carcinoma pouco diferenciado com diferenciação neuroendócrina. Reexame patológico dessa análise revelou que o câncer cervical era predominantemente carcinoma de células escamosas pouco diferenciado com diferenciação neuroendócrina focal misturada com um pequeno componente de adenocarcinoma. Ou seja, esse quadro histológico na mãe foi similar ao tumor nos pulmões caracterizado no seu filho.


A partir de sequenciamento genômico comparativo entre amostras de tumor do câncer cervical na mãe e do câncer de pulmão no filho, os pesquisadores mostraram que o perfil genético era muito similar entre ambas as amostras. Ambos os tumores compartilhavam várias mutações, incluindo as mesmas mutações patogênicas nos genes  KRAS (c.G38A:p.G13D) e TP53 (c.G853A:p.E285K), e 47 alelos de polimorfismos de nucleotídeo único (SNP) carregados pela mãe mas não herdados pelas células normais do filho, apenas nas células tumorais. Além disso, os tumores da mãe e do filho carregavam material genético do HPV tipo 18. Como última e conclusiva evidência, as células tumorais nos pulmões do filho mostraram não possuir o cromossomo Y (ou seja, não eram células de um indivíduo do sexo masculino). Em outras palavras, a mãe transmitiu câncer para o seu filho durante o parto, com as células tumorais maternas se multiplicando no tecido tumoral da criança.


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Após ineficácia de dois regimes quimioterápicos, a criança foi submetida a quatro ciclos de nivolumabe - um anticorpo monoclonal de imunoglobulina G4 (IgG4) voltado para o tratamento de cânceres diversos -, resultando em redução das lesões tumorais. Lobectomia foi realizada para remoção dos nódulos restantes, e o paciente não teve mais recorrência da doença nos próximos 12 meses de acompanhamento.


Infelizmente a mãe, mesmo recebendo também nivolumabe, não resistiu e morreu 5 meses após a progressão da doença.



PACIENTE 2


Um menino de 6 anos de idade foi apresentado ao hospital com dor no lado esquerdo do peito. Imagem por CT revelou uma massa medindo 6 cm de diâmetro na região hilar do pulmão esquerdo, e adenocarcinoma mucinoso foi diagnosticado. Na mãe, um tumor cervical polipoide havia sido detectado durante a gravidez, mas como o tumor estava estável, o parto via vaginal foi permitido na 38° semana de gestação. Biopsia da lesão cervical após o parto revelou um adenocarcinoma. Porém, mesmo após tratamento cirúrgico, incluindo radical histerectomia, ela acabou morrendo da doença 2 anos após a cirurgia.


O tumor no filho foi considerado inoperável, e o tratamento se limitou a vários ciclos de quimioterapia. Três meses após a descontinuação do tratamento, a doença recorreu no pulmão esquerdo. Após mais uma série de ciclos de quimioterapia, o paciente foi submetido a uma pneumonectomia. Exame patológica do pulmão revelou um adenocarcinoma mucinoso, similar ao tumor cervical uterino da mãe e morfologicamente estranho de ser encontrado em um tumor primário de pulmão. Quinze meses após a pneumonectomia, o paciente conseguiu finalmente se ver livre da doença.


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Após sequenciamento genômico comparativo entre amostras do tumor da mãe e do filho, os pesquisadores mostraram que ambas possuíam um perfil genético muito similar entre si, compartilhando várias mutações. Ambos os tumores tinham as mesmas mutações nos genes KRAS (c.G35A:p.G12D) e STK11 (c.464+1G→A), e alelos de 38 SNPs exônicos carregados pela mãe mas não herdados pelas células normais do filho, mas, sim, no seu tumor no pulmão. Além disso, os tumores da mãe e do filho deram positivo para o HPV tipo 16. Evidência conclusiva mostrou que o tumor no filho não carregava o cromossomo Y.


ASPIRAÇÃO DE CÉLULAS TUMORAIS


No estudo, os pesquisadores reportaram e confirmaram dos casos de câncer de pulmão em crianças que foram causados pela transmissão de tumores cervicais da mãe para o bebê durante o parto vaginal. O compartilhamento de várias mutações somáticas, material genômico do vírus HPV e ausência do cromossomo sexual Y não deixaram dúvida do cenário de transmissão mãe-para-filho, a qual provavelmente ocorreu através da aspiração de fluídos vaginais (fluído amniótico, secreções e/ou sangue do cérvix) contendo células tumorais pelo bebê durante o parto. Nesse sentido, os pesquisadores também sugeriram que parto por cesárea deveria ser recomendado para mães com câncer cervical uterino. O estudo também reforça a importância da vacinação contra o HPV.


Em outros raríssimos casos de transmissão materna de câncer, o feto mostrou ter sido contaminado no útero, através células tumorais oriundas do sangue materno que atravessaram a placenta. Esse cenário proposto é reforçado pelas múltiplas metástases disseminadas para o cérebro, ossos, fígado, pulmões e tecidos moles dos bebês. Esse quadro entra em contraste com os tumores localizados apenas nos pulmões, especificamente nos brônquios, reforçando o cenário de aspiração durante o parto. 


(1) Publicação do estudo: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2030391

Cientistas reportam dois raríssimos e inéditos casos de transmissão materna de câncer no Japão Cientistas reportam dois raríssimos e inéditos casos de transmissão materna de câncer no Japão Reviewed by Saber Atualizado on janeiro 07, 2021 Rating: 5

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