Estudo refuta crucial mecanismo celular descrito em livros de Biologia e de Bioquímica

Em um impactante estudo publicado na Science (Ref.1), pesquisadores identificaram e descreveram um processo celular que, apesar do que é geralmente descrito nos livros acadêmicos de ensino superior, permanecia elusivo e aberto a debate. No caso, o processo descreve precisamente como a cópia de material genético, uma vez iniciada, é efetivamente e seguramente desligada. Em específico o achado no novo estudo focou em um evento essencial à vida: a fase de transcrição da expressão de um gene, a qual possibilita a síntese de proteínas vitais para os processos celulares e o desenvolvimento dos seres vivos.

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Durante a transcrição (1), uma enzima chamada de RNA polimerase se enrola ao redor de uma porção da dupla hélice do DNA, usando uma das cadeias para parear nucleotídeos e realizar a cópia de material genético, resultando em uma nova cadeia sintetizada de RNA, que se desconecta do maquinário de cópia e da cadeia molde uma vez que a transcrição é completada. O RNA mensageiro (mRNA) solto, ao se associar com um RNA ribossômico, possibilita a síntese de uma proteína específica (processo de tradução). Porém, assim como qualquer mensagem coerente, o mRNA transcrito precisa ser iniciado e parado no lugar e momento certos para fazer sentido.

(1) Para mais detalhes desse processo:

Letras artificiais e o maquinário genético

Há 50 anos, uma interessante proteína bacteriana chamada de Rô (ρ) e pertencente à bactéria Escherichia coli foi descoberta, e mostrou ter a habilidade de parar, ou terminar, a transcrição em uma questão de minutos, ou mesmo segundos. A proteína ρ é uma translocase hexamérica de RNA com o formato de anel que existe nos estados aberto ou fechado, e capaz de se anexar ao RNA e realizar translocação. O domínio N-terminal (NTD) e o domínio C-terminal dessa proteína contêm locais RNA-ligantes responsáveis por essas atividades.

Nesse sentido, em todo livro acadêmico de Biologia e de Bioquímica voltado ao ensino superior e à descrição de processos celulares, a proteína ρ é usada como um modelo de terminação, onde, através da sua poderosa força motor, se ligaria ao mRNA formado e o arrancaria do complexo altamente estável associado ao RNA polimerase assim que o processo de transcrição pausasse (mecanismo de torpedo). Porém, apesar de ser amplamente ensinado como algo cientificamente bem estabelecido, existem sérias discrepâncias apontadas nesse modelo por vários cientistas, baseando-se tanto em resultados de experimentos in vitro quanto em tentativas de descrições teóricas.

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No novo estudo, através da técnica de microscopia crio-eletrônica (2), os pesquisadores conseguiram determinar uma série de estados representando as modificações estruturais associadas ao complexo estável (complexo de prolongamento) envolvendo o DNA molde, o RNA transcrito ainda ligado ao DNA molde (híbrido RNA:DNA), a proteína ρ e o RNA polimerase. Eles determinaram que ao invés de se anexar a um pedaço específico do RNA próximo do final da transcrição e ativamente ajudá-lo a se desanexar do complexo de prolongamento, o ρ "pega carona" sobre o RNA polimerase durante todo o processo de transcrição e subsequentemente o aprisiona em um 'estado moribundo'. Nesse processo, o ρ coopera de forma crucial com outras duas proteínas (cofatores de transcrição NusA e NusG) para levar o complexo estável a passar por uma série de mudanças estruturais que finalizam com o estado inativado (moribundo), este o qual, por fim, permite a liberação do mRNA. No estado moribundo, o RNA polimerase perde sua "força de pegada" sobre o híbrido RNA:DNA.

(2) Para saber mais sobre essa técnica analítica:

Técnica revolucionária agora permite ver átomos individuais em uma proteína

Apesar do novo modelo no estudo não descrever as exatas sequências de eventos durante a dissociação do complexo estável, ele entra em marcante contraste com o modelo tradicional ensinado nas universidades, no qual o ρ primeiro engaja o RNA nascente e usa seu motor ATP-sustentado para translocar na direção do RNA polimerase. Nesse encontro, era sugerido que o ρ podia empurrar o RNA polimerase para frente ou puxar o RNA transcrito da fissura catalítica. No entanto, não existe evidência para o papel direto de atividade de translocase/helicase na dissociação do complexo de prolongamento pelo ρ. E as estruturas descritas no novo estudo argumentam contrário ao modelo tradicional, e corroboram outras evidências experimentais prévias.

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É válido mencionar que o estudo foi conduzido em bactérias (E. coli), mas segundo os pesquisadores é provável que o mesmo processo de terminação descrito no paper ocorre em outras formas de vida, já que o processo de transcrição é altamente conservado ao longo do curso evolucionário. Além disso, o modelo tradicional é também baseado na proteína ρ da E. coli.

REFERÊNCIAS