Aprender e falar mais de uma língua aumenta a massa, volume e a integridade do cérebro
Aprender pelo menos uma outra língua além da nativa tem se mostrado um investimento muito importante visando o mercado de trabalho, e é essencial para quem planeja seguir uma carreira científica - especialmente considerando que a maior parte das publicações acadêmicas são feitas em inglês. Agora, dois recentes estudos somaram mais evidências de que aprender, entender e ativamente falar duas ou mais línguas fornece também benefícios neurológicos para adultos, crianças e adolescentes, e pode proteger contra o declínio cognitivo associado com o avanço da idade.
Um número cada vez crescente de estudos sugerem que, comparado com indivíduos monolíngues (que só falam e entendem apenas uma língua), indivíduos bilíngues ou multilíngues adultos mostram alterações em regiões corticais e subcorticais de estruturas cerebrais constituídas de matéria cinzenta (corpo celular dos neurônios), assim como em estruturas de matéria branca (axônios e sinapses) que conectam essas regiões. Esses achados têm sugerido que o bilinguismo e o multilinguismo estão em par com outros tipos de experiências de longo prazo que levam a significativas mudanças na estrutura do cérebro durante a aquisição e manutenção de uma nova habilidade, como malabarismo, uso de novas ferramentas e navegação.
As evidências acumuladas indicam que, pelo menos em adultos, o bilinguismo induz ciclos dinâmicos de neuroplasticidade no cérebro, marcado principalmente por expansões locais transientes em regiões de matéria cinzenta associadas à linguagem, com aumentos no volume ou espessura corticais. Esses tecidos de matéria cinzenta aumentam provavelmente devido ao desenvolvimento de novas espinhas dendríticas - mas suspeita-se também de neurogênese (criação de novos neurônios). A expansão observada nas estruturas cerebrais associadas com a linguagem é mais intensa durante a fase inicial de aprendizado da nova língua, com a experiência bilinguística posterior contribuindo para a estabilidade dessa expansão.
Em termos de matéria branca, a experiência bilinguística parece aumentar a integridade dos axônios através de uma maior mielinização. A bainha de mielina é uma capa de tecido adiposo que protege os axônios das células nervosas. Quanto mais ativo o axônio - com a aquisição e o uso da nova habilidade linguística -, maior a cobertura de mielina, visando fornecer uma comunicação neural mais efetiva.
No primeiro estudo, publicado no periódico Brain Structure & Function (Ref.1), os pesquisadores buscaram investigar se esses benefícios ao cérebro associados ao bilinguismo também são expressos em crianças, adolescentes e jovens adultos. Para isso, foram analisados os padrões de desenvolvimento de matéria cinzenta e matéria branca em 711 e em 673 participantes, respectivamente, bilíngues e monolíngues, com idades de 3 a 21 anos. Foram examinadas 41 estruturas corticais e subcorticais de matéria cinzenta (volume, espessura e superfície), e 20 tratos (feixes de nervos de origem comum) associados à matéria branca (difusividade média e anisotropia fracionária).
Após levar em conta co-variáveis de interferência, os pesquisadores encontraram uma distinta e clara trajetória de desenvolvimento cerebral no cérebro de bilíngues em relação aos monolíngues. Comparado aos monolíngues, bilíngues mostraram:
(i) mais matéria cinzenta (menos perda durante o desenvolvimento) começando durante o final da infância e da adolescência, principalmente nas regiões frontal e parietal (particularmente no giro frontal inferior, córtex frontal superior, córtex parietal inferior e superior, e pré-cúneo);
(ii) e maior integridade de matéria branca (maior aumento de desenvolvimento) iniciando durante meados-final da adolescência, especificamente nas fibras frontais estriado-inferiores.
O estudo, portanto, trouxe forte evidência que aprender e falar mais de uma língua impacta de forma positiva também o cérebro de crianças e de adolescentes, não apenas em adultos. Indivíduos mais jovens mostram um aumento de massa e integridade neural com o bilinguismo, sugerindo uma mais eficiente comunicação entre as estruturas cerebrais e uma proteção extra contra doenças degenerativas e declínios cognitivos associados com o avanço da idade.
Nesse último ponto, em um estudo mais recente publicado no periódico Neuropsychologia (Ref.2), pesquisadores concluíram que falar regularmente duas linguagens ao longo da vida contribui para aumentar a reserva cognitiva e, consequentemente, atrasar o desenvolvimento de sintomas associados com o declínio cognitivo e demências - como Alzheimer. Isso corrobora observações prévias de que a prevalência de demência em países onde existe mais de uma língua falada é 50% menor em regiões onde a população usa ativamente e diariamente mais de uma língua para se comunicar.
O estudo focou a análise na cidade de Barcelona, onde existem regiões em que a população fala apenas o Espanhol e outras onde tanto o Espanhol quanto o Catalão são falados. Os pesquisadores recrutaram, a partir de quatro hospitais localizados em diferentes áreas de interesse na Barcelona, 63 indivíduos saudáveis, 135 pacientes com falhas cognitivas leves (ex.: perda de memória), e 68 indivíduos com Alzheimer, a mais prevalente forma de demência. Através de questionários específicos, os pesquisadores avaliaram o nível de bilinguismo dos participantes. A escala para o nível bilíngue variou de pessoas que falam uma língua mas são expostas, passivamente, a outra língua, até indivíduos que possuem um excelente comando de ambas as línguas e as usam continuamente no dia-a-dia.
De forma consistente - e após levar em conta covariáveis como ocupação, profissão e nível educacional -, os pesquisadores encontraram que um bilinguismo ativo atrasa significativamente o desenvolvimento de falhas cognitivas leves associadas com o avanço da idade. A mesma associação, porém, não foi encontrada para o desenvolvimento de demência. Segundo os pesquisadores, mecanismos compensatórios associados às habilidades linguísticas parecem atuar na proteção contra o declínio cognitivo, o que corrobora os resultados do estudo anterior.
Em outra fase do estudo, os pesquisadores mostraram, através de testes cognitivos nos participantes, que o sistema executivo de controle do cérebro está relacionado com o sistema de controle de duas ou mais línguas. Nesse sentido, o cérebro precisa alternar essas línguas, fazendo-o focar em uma e então na outra para que uma linguagem não interfira com o processamento da outra durante a fala. Assim, nessa "ginástica" de alternâncias, a capacidade neural aumentaria, culminando também em um fator extra de neuroproteção.
REFERÊNCIAS