Revisão na Biologia: Determinação do sexo em ratos possui componente genético extra
Diferenciação sexual é essencial para a sobrevivência e para a evolução de várias espécies. A expressão do gene Sry no cromossomo Y é requerida para o desenvolvimento de machos nos mamíferos. Desde sua descoberta em 1990, o Sry tem sido considerado um gene de éxon único [éxon é a porção de um gene que codifica aminoácidos, ou seja, a parte que permanece no mRNA maduro], codificando uma proteína funcional suficiente para a determinação do sexo masculino. O locus (local no genoma) do Sry nos ratos possui uma complexa estrutura genômica, com 2,8 kb de comprimento (sequência de bases nitrogenadas) e flanqueado por ~50 kb de sequências palindrômicas (podem ser lidas em qualquer sentido).
No novo estudo, os pesquisadores primeiro realizaram uma análise transcriptômica para investigar a real natureza do gene Sry nesses roedores. Eles revelaram a presença de dois transcritos de mRNA, o conhecido éxon único Sry-S e um éxon de duas partes (Sry-S + éxon 2) até o momento não descrito, chamado Sry-T. A maior parte (~70%) do segundo éxon Sry mostrou-se ocupada por uma longo elemento nuclear inter-espaçado (LINE) L3 e três longas repetições terminais (LTRs). A proteína predita de ser expressada pelo Sry-T mostrou compartilhar 377 aminoácidos com àquela expressa apenas pelo Sry-S. Nesse sentido, 15 aminoácidos carboxila-terminais (C-terminais) do Sry-T mostraram ser codificados pelo segundo éxon.
No primeiro experimento realizado pelos pesquisadores, eles primeiro expressaram in vivo a proteína do Sry-T, a qual mostrou ter a massa molecular esperada de ~55 kDa.
Para determinar se o éxon de duas partes Sry-T - e sua proteína - seria o real determinante do desenvolvimento de órgãos sexuais nos machos - não apenas o Sry-S -, os pesquisadores conduziram diversos experimentos de edição genética com o auxílio do editor CRISPR-Cas9 (I). Ratos gerados com deficiência do transcrito Sry-T (ao se deletar o éxon 2 Sry) resultou em ratos XY fêmeas (completa reversão macho-para-fêmea). Isso fortemente indicou que que o Sry-T era necessário para o desenvolvimento dos órgãos sexuais nos ratos. E, ao expressar o Sry-T em ratos XX, os ratos transgênicos resultantes se desenvolveram como machos, mostrando conclusivamente que o éxon de duas partes Sry-T é crucial para a determinação do sexo masculino nos ratos.
Os experimentos resultaram em uma reversão do sexo expresso independentemente do par de cromossomos sexuais (XX e XY) em quase 100% das vezes ao se deletar ou adicionar o Sry-T.
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(I) Para mais informações, acesse: CRISPR-Cas9: O poder da edição genética!
Nesse ponto, fica o questionamento: estudos experimentais prévios expressando o gene de éxon único Sry-S em ratos XX haviam obtido taxas de sucesso de 25% a 75% na reversão sexual para ratos machos. Como esses estudos obtiveram sucesso nesse ponto considerando que o Sry-T seria crucial para a determinação do sexo masculino? Para explicar essa aparente contradição, os pesquisadores mostraram que a proteína codificada pelo Sry-T (SRY-T) possui maior estabilidade em condições fisiológicas (normais) do que a proteína SRY-S (expressada pelo gene de éxon único Sry-S), por causa da ausência de uma sequência de degradação (dégron) na carboxila terminal (presente na SRY-T). Porém, quando a SRY-S é expressa em excesso - como ocorria comumente nos estudos prévios e demonstrado no novo estudo -, a maior quantidade dessa proteína acaba compensando sua menor estabilidade, sendo suficiente para deflagrar o desenvolvimento sexual masculino. Como essa expressão excessiva não era sempre suficiente para compensar a menor estabilidade, isso por sua vez explica as taxas relativamente baixas de reversão sexual em trabalhos prévios.
O gene Sry evoluiu a partir do gene de éxon único Sox3, e todos os animais placentários previamente descritos na literatura acadêmica possuem genes Sry de éxon único. Notavelmente, os pesquisadores mostraram que outros roedores além de ratos trazem apenas o Sry-S de éxon único, mas com a proteína SRY estabilizada através de mecanismos genéticos ausentes nos ratos. A aparente substituição da proteína SRY-S pela SRY-T para superar a atividade do dégron é, portanto, um exemplo de evolução genética do cromossomo Y via ganho de função. E o processo evolutivo associado parece ter ocorrido de forma relativamente recente.
O estudo traz grande impacto no campo biológico primeiro porque os ratos são os principais modelos de laboratório para estudos diversos, especialmente visando humanos. Segundo, se os ratos mostram tal diferenciação na determinação sexual em relação a outros roedores, será que outros mamíferos também podem expressar outras variações associadas ao gene Sry antes não descritas, incluindo humanos?
A descoberta pode ter, nesse sentido, importante aplicação também nos esforços de manipulação das razões sexuais na agricultura ou para o controle biológico de pragas. Porém, em uma entrevista para o jornal da Universidade de Queensland (2), Austrália, o pesquisador do Instituto de Biociência Molecular da universidade, Peter Koopman, e um dos autores do estudo, afirmou que o achado ainda não pode ser utilizado para o estudo de embriões humanos, por razões éticas e práticas.
"Quando nós entendermos melhor como machos e fêmeas são especificados em espécies não-humanas de mamíferos, então o achado oferece a oportunidade para influenciar esse processo," disse Koopman. "As pessoas vêm tentando descobrir modos de modificar o sexo desejado nessas áreas por um longo tempo, e agora que nós entendemos mais sobre o mecanismo fundamento do Sry isso talvez seja possível através de meios genéticos."
(1) Publicação do estudo: https://science.sciencemag.org/content/370/6512/121
(2) Referência adicional: University of Queensland
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